Extorsão

Sem dúvida, os juros cobrados no cheque especial e no rotativo do cartão de crédito são extorsivos. Maia tem razão.

Mas se o jabuti está na árvore, alguém colocou lá, ele não sobe sozinho.

O cheque especial e o rotativo do cartão são duas linhas de crédito que chamamos de “clean”. Ou seja, não tem garantia nenhuma, se o devedor não pagar, é muito difícil para o banco ter o dinheiro de volta. Por isso, são as linhas mais caras do mercado.

Além disso, são duas linhas que atraem o devedor mais arriscado, aquele que já não tem outras linhas de crédito disponíveis e, normalmente, entrou em uma fase de descontrole de suas finanças. É o que chamamos de “seleção adversa”, em que a chance do devedor não pagar a sua dívida é maior do que em outras linhas de crédito.

Mas não para por aí.

Maia levanta uma distorção no cartão de crédito: o tal do “parcelamento sem juros”, uma jabuticaba bem brasileira. Claro que tem juros, que são pagos por quem não paga a fatura em dia, aumentando o custo do crédito. Neste caso, porém, o “culpado” não é o banco. Todo o comércio, com seus grandes players e suas associações, faz lobby pesado para que essa distorção continue. Afinal, é mais fácil vender coisas em “10 vezes sem juros, no cartão”.

Está em discussão no Congresso um teto para a taxa de juros cobrada no cheque especial. 20%, 30%, tanto faz. O fato é que, qualquer que seja o teto, os bancos analisarão a viabilidade econômica do produto, e poderão tomar uma entre três decisões: 1) continuar a oferecer o produto cobrando os juros do teto, 2) simplesmente descontinuar o produto ou 3) continuar a oferecer o produto, mas aumentando os juros de outros produtos para compensar a rentabilidade perdida.

A adoção da alternativa 1 significaria que os congressistas têm razão, e os bancos podem sim cobrar menos por essas linhas. Acho pouco provável, mas, enfim, é uma possibilidade.

Nas alternativas 2 e 3 os bancos vão procurar manter a sua rentabilidade. Afinal, a regra imporá um teto para os juros do cheque especial, não que os bancos operem com remuneração de capital abaixo daquele exigido pelos acionistas. Simplesmente descontinuar o produto parece ser uma alternativa radical e uma afronta política. O mais provável parece ser o subsídio cruzado (mais um!), em que os devedores de menor risco subsidiam os juros dos devedores de maior risco. Haveria um aumento geral do custo do crédito.

A alternativa 3 traz um “moral hazard” de brinde: com taxas mas baixas, as pessoas se sentirão menos intimidadas no momento de fazer dívidas, piorando sua situação ao longo do tempo. Ok, o custo de carregamento dessas dívidas será menor, diminuindo o efeito “bola de neve”. Mas uma bola de neve atinge proporções gigantescas mesmo que role mais lentamente. Apesar de levar mais tempo, o efeito final tende a ser o mesmo.

Essa discussão sobre teto de juros é a típica solução fácil para um problema difícil: a educação financeira das pessoas. A não ser que tenha ocorrido um desastre na vida da pessoa, pegando-a sem reservas (o que já não deveria ter acontecido, todos deveriam ter reservas), na maioria das vezes o uso contumaz do cheque especial ou do rotativo do cartão é sinal de descontrole da vida financeira. Colocar um teto para os juros não vai conseguir resolver esse problema. É capaz até de piorá-lo, na medida em que pode servir de incentivo para o consumo irresponsável.

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