A conta chegou

Ainda lembro das discussões homéricas que tive sobre o financiamento para a construção do Itaquerão. Alguns amigos defendiam que as CIDs, emitidas pela prefeitura da cidade, não eram investimento público, mas apenas incentivo para o desenvolvimento da Zona Leste da capital. O seja, o que seria gerado de impostos mais que compensaria a renúncia fiscal. Outros defendiam que o estádio era autossustentável, que os fãs da maior torcida de São Paulo fariam fila na entrada do museu do clube, pagando R$50 a entrada, como os fãs do Barcelona fazem.

A triste realidade é que a condição sócio-econômica do torcedor médio brasileiro não viabiliza a construção de estádios somente para o futebol. O ticket médio que o torcedor pode pagar não justifica a construção de estádios.

Há somente duas soluções. A primeira foi adotada pelo Palmeiras: uma empresa explora o estádio para eventos e, de vez em quando, cede o espaço para jogos de futebol. A segunda é o Tesouro bancar a construção do estádio a fundo perdido, como um patrimônio público. A construção do Itaquerão tentou explorar uma terceira via: a construção com dinheiro público, mas com utilização privada. O Corinthians faz de conta que está pagando, e o poder público faz de conta que está recebendo.

A Caixa, ao acionar a Odebrecht no caso do Itaquerão, decidiu parar de fazer de conta.

A Nova Política da Caixa

O presidente da Caixa não está recebendo os parlamentares. Ele diz que tem mais o que fazer. Seu mandato, quando foi contratado, foi o de sanear o banco, não o de atender demandas parlamentares.

Vamos observar um pouco mais de perto a coisa.

Por que os parlamentares querem tanto falar com o presidente da Caixa? Que tipo de poder ele possui, que atrai tanta gente?

A resposta não é difícil: dinheiro. O presidente da Caixa tem um poder discricionário sobre o que o banco faz com o seu capital. Existe ali uma espécie de “orçamento paralelo”, em que o congressista consegue dinheiro sem precisar passar pelo desgastante processo parlamentar. O que o presidente da Caixa, Paulo Guedes e o próprio Bolsonaro ainda não entenderam (ou fingem não ter entendido), é que a própria existência da Caixa (e do Banco do Brasil) não faz sentido se não for para servir como um orçamento paralelo. Qual o sentido do Tesouro ser acionista de um banco que se pauta pelas mesmas regras de um competidor privado?

Aqueles ingênuos que são contra a privatização dos “bancos oficiais” porque pensam que é possível fazê-los rentáveis através de uma administração austera (como é o caso hoje), deveriam dar ouvidos às queixas dos parlamentares. É questão de tempo para que o bem-intencionado presidente da Caixa abra as portas de seu gabinete. Essa é a lógica da existência da Caixa.

Não há solução de compromisso: ou se coloca a privatização corajosamente na mesa, ou a Caixa vai ser saneada para voltar a ser exatamente o que era: uma forma de driblar o orçamento da União.

As consequências vêm depois

Exemplo prático dos efeitos de políticas populistas.

A Caixa tinha mais ou menos o dobro do estoque de imóveis retomados por inadimplência no final de 2012, em relação à média dos bancos privados. Hoje tem 6 vezes.

Ao forçar os bancos públicos a baixarem os juros e rebaixar os critérios para conceder crédito, Dilma contratou uma crise que somente está sendo sentida anos depois.

Como diria o conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

PS.: o BB não aparece nessa estatística porque financiamento imobiliário nunca foi o seu forte. O problema do BB está em outros tipos de financiamento.

Privatizar é a única saída

Na década de 90, grande parte dos bancos estatuais foi privatizada. Depois de décadas de relação promíscua com seus respectivos governos, financiando seus rombos orçamentários sem nenhum controle, esses bancos estavam quebrados.

Ficamos agora sabendo que a Caixa tem R$ 21 bilhões de empréstimos a Estados sem o aval da União. Ou seja, a Caixa se tornou o novo “banco estadual” para financiar governos irresponsáveis.

Tem se discutido uma nova capitalização da Caixa, para adequar os índices de alavancagem do banco. No limite, para evitar que tenha o mesmo destino dos bancos estatuais: a quebra.

Não se engane: essa nova capitalização, no final do dia, sai do nosso bolso.

Deveríamos estar discutindo seriamente a privatização da Caixa.

Empresas muito importantes para o país

Debate na Globo News sobre o afastamento dos vice-presidentes da Caixa.

Indignação de todos.

Um dos jornalistas aponta que isso não pode acontecer com uma empresa tão importante para a economia brasileira. Acenos positivos com a cabeça dos outros participantes do programa.

Assim como eles, a avassaladora maioria dos brasileiros, de todas as idades e níveis de renda, pensa o mesmo: a Caixa é uma empresa muito importante para o Brasil.

O ideal, portanto, seria que as estatais fossem tocadas por técnicos de reputação ilibada, mas que continuassem a implementar a “política social” do governo.

Não percebem a contradição em termos: a “política social” é o que quebra as estatais ao longo do tempo. A roubalheira é apenas um efeito colateral, com alcance limitado. Enquanto a roubalheira desvia milhões, a “política social” faz a estatal sangrar em bilhões. Foi o que aconteceu com a Petrobras e o que está acontecendo com a Caixa agora.

Políticos ladrões ganham as manchetes e inflamam os debates, mas o que acaba com o Brasil mesmo é essa crença de que as estatais são “empresas muito importantes para o país”.

A privatização é a única solução

Lembro de quando levei uma delegação japonesa para uma reunião com um diretor do BC. Detalhe: esse diretor havia sido meu colega de trabalho durante muitos anos, tínhamos alguma intimidade. Pois bem: a reunião foi acompanhada o tempo inteiro por uma funcionária, que anotava tudo o que estava sendo falado.

Obviamente, eu não tive nada a ver com a indicação deste meu colega para a diretoria do BC. E ele é um sujeito extremamente ético, de modo que não passaria informações confidenciais nem se tivéssemos nos encontrado em um depósito de bebidas em Brasília.

Assim, a diligência de um funcionário que acompanha as reuniões oficiais é supérfluo para quem é honesto (ainda que necessário para salvaguardar as aparências) e inútil para quem é bandido, pois informações sigilosas e tráfico de influência podem ser arranjados fora de reuniões formais.

A única solução para o problema da influência política na Caixa é sua privatização. Essa coisa de “governança das estatais” é conversa de quem quer manter tudo como está.

Caridade com o chapéu alheio

Vou tentar explicar a pedalada em gestação para capitalizar a Caixa com recursos do FGTS.

Em resumo: a Caixa tem uma dívida para com o FGTS. A proposta, depois de alguns malabarismos, é transformar esta dívida em capital. Ou seja, o FGTS viraria sócio (em certo nível) da Caixa.

Para entender o tamanho da encrenca, e porque essa operação é mais um degrau no poço sem fundo em que estamos descendo, é preciso se perguntar: por que a Caixa precisa dessa capitalização?

Vou aqui desconsiderar roubalheiras e ineficiências administrativas. Minha avaliação é de que o principal motivo pelo qual a Caixa precisa dessa capitalização monstro (R$ 15 bilhões) é porque faz empréstimos a taxas de juros que não remuneram o risco.

A Caixa é a principal operadora de recursos do FGTS. Ou seja, usa o funding do FGTS para fazer empréstimos imobiliários, a uma certa taxa teto. É a principal operadora porque esta taxa teto, na maior parte do tempo, não remunera o risco da operação. Mas como se trata de uma “política social”, a Caixa está aí para isso mesmo: para perder dinheiro em troca de “benefícios sociais”.

Como se trata de “welfare state”, os recursos para que a Caixa pudesse operacionalizar essa “política social” deveriam vir do Orçamento Público, devidamente aprovado no Congresso. O destino para essas verbas, assim, competiria com as outras inúmeras necessidades da sociedade.

Ocorre que o dinheiro do Orçamento acabou. Ao invés de discutir isso, procura-se subterfúgios e pedaladas para continuar a fazer “política social” sem dinheiro. No caso, com o dinheiro da poupança dos trabalhadores, o FGTS.

O Conselho Curador do FGTS, que, em tese, representa os donos desse dinheiro, deverá decidir se o Fundo aceita tornar-se sócio da Caixa. Imagino a resposta que daria cada trabalhador que tem no FGTS uma poupança para tempos difíceis.

Repartição pública

Mensagem recebida hoje da Caixa, informando que o cadastramento do meu celular para receber informações sobre o meu FGTS foi realizado com sucesso.

Detalhe: fiz esse cadastramento no site deles há um mês.

Até um simples cadastramento de celular é uma epopeia na Caixa, a repartição pública que diz ser um banco.

Quem cuida melhor do dinheiro do acionista?

Caixas eletrônicos no aeroporto de Congonhas.

Itaú não tem um próprio.

Bradesco não tem um próprio.

HSBC não tem um próprio.

Santander não tem um próprio.

Todos eles compartilham os vários caixas da rede 24 horas.

Em compensação, o Banco de Brasil tem um exclusivo, e a Caixa tem não um, mas DOIS caixas exclusivos.

Conclua aí quem cuida melhor do dinheiro do acionista.