Acho que fazia um tempo que eu não arrumava meu arquivo de documentos.
O mundo mágico das leis
“Direitos conquistados não podem ser retrocedidos […]. Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro”.
Com essas palavras, e com sua caneta toda-foderosa de ministra de plantão, a Excelentíssima Ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, suspendeu liminarmente, em ação da OAB, resolução da ANS que estabelecia regras para a cobrança de franquia e co-participação dos usuários de planos de saúde.
Saúde é um problema no mundo inteiro. E isso por um motivo muito simples: “saúde não é mercadoria”, mas mesmo assim custa dinheiro. Como a demanda por saúde é infinita (todos querem viver para sempre com boa saúde), mas a oferta é finita, não há preço que equilibre oferta e demanda. Mas é preciso cobrar um preço, pois os operadores da saúde não vivem de brisa. Nesse sentido, saúde é sim uma “mercadoria”, e deve ser tratada como tal. Caso contrário, sua oferta desaparece.
A Ministra fala de “direitos conquistados”. Há dois tipos de direitos: os políticos e os econômicos. Os políticos são gratuitos: direito ao voto, direito à livre expressão, direito de reunião etc. Estes direitos se conquistam pela capacidade das sociedades de se organizarem e se livrarem de tiranias. Já os direitos econômicos somente são “conquistados” quando a oferta de produtos e serviços é viável economicamente. Caso contrário, são “direitos conquistados” apenas no papel.
Cansamos de ver isso no Brasil. A saúde talvez seja o melhor exemplo: se dependesse da Constituição, teríamos o melhor sistema de saúde do planeta. Só que não. A saúde (assim como a educação, a alimentação, o saneamento básico, o transporte, a justiça e uma longa lista de etceteras) é tratada na Constituição como um “direito”, não como uma “mercadoria”. Por isso, não sai do papel.
A Ministra acha um absurdo que os operadores da saúde obtenham lucro (que palavra tão feia!) com a sua atividade. Ora, sem o lucro, não há viabilidade econômica. E sem viabilidade econômica, não há oferta da “mercadoria”. Assim, o tal “direito conquistado” continuará ficando no papel. Especificamente no caso da norma da ANS, o que há é uma bem-vinda flexibilização: nem todos podem arcar com os custos de um plano sem co-participação e sem franquia. O que a Ministra e a OAB querem é que exista um só tipo de plano que cubra todas as doenças, todos os hospitais, sem franquia e sem co-participação, e que seja suficientemente barato para que todos possam adquiri-lo. Sim, eu também quero viajar para Marte e voltar em um fim de semana…
Ao exigir que os planos de saúde sejam perfeitos, a Ministra, na prática, exclui grande parte da população de uma parcela dos benefícios pelos quais poderia pagar. É mais ou menos o que acontece quando a legislação trabalhista coloca no papel uma série de “direitos adquiridos” do trabalhador, mas que, na prática, são inviáveis do ponto de vista econômico. O resultado é que somente uma elite tem acesso a esses direitos, enquanto o restante da população vive à margem da “legislação perfeita”. A nova legislação trabalhista nada mais fez do que reconhecer a realidade econômica, permitindo emprego “de carteira assinada” a pessoas que, antes, estavam fora do sistema formal.
“Vida não é negócio”. Frases de efeito são bonitas de se ler, mas não resolvem o problema daqueles que não têm emprego vitalício, plano de saúde custeado pelo governo, auxílio-moradia e outras prebendas. Ao insistir em uma visão de mundo em que os “direitos” são “conquistados” na base de belos discursos e canetadas, a Ministra Carmén Lúcia joga para o horror do SUS parcelas cada vez maiores da população, que não podem pagar pelo “plano de saúde perfeito” que só existe no mundo mágico das leis.
O paraíso atualizado
Mendigos são presos na Dinamarca por duas semanas.
Dinamarca é aquele paraíso, ao lado de Suécia e Noruega, onde o socialismo “deu certo”. Pelo menos é o que afirmam os socialistas que não sujam o shortinho, vulgo social-democratas.
O jornalista teve o cuidado de afirmar que a lei foi aprovada “somente com o apoio da direita”, numa tentativa tosca de preservar imaculado o santuário. Como se uma lei em uma democracia pudesse ser aprovada somente com os votos de um grupelho minoritário radical.
As definições de Estado de Bem-Estar Social foram atualizadas com sucesso.
O “erro” do PT
A “confissão” da estudante de filô não poderia ser mais clara: o PT não precisaria agir da forma que agiu se não tentasse se perpetuar no poder em um sistema capitalista, gerando “contradições”. Por “sistema capitalista” entenda-se judiciário não aparelhado e imprensa livre.
Para aqueles que, como FHC, acham Haddad um bom moço, um “quadro moderado” dentro do PT, não custa lembrar que esse partido não joga o jogo democrático. Uma vez no poder, toma conta das instituições com o objetivo de transformá-las em servidoras de seu projeto. Para quem não sabe qual é esse projeto, basta dar uma olhada na Venezuela.
Inúteis
Bélgica e Inglaterra batem um recorde nesta Copa: são as únicas seleções da história que conseguiram jogar dois jogos na mesma Copa que não valeram nada.
O futuro da Embraer
O sindicato dos empregados da Embraer vai pedir ao presidente Temer o veto à transação com a Boeing. O motivo, segundo os sindicalistas, não seria a falta de garantia aos seus empregos, mas antes o “futuro brilhante” que a Embraer teria, e que agora estaria sendo vendido a preço de banana.
A análise no link mostra que não é bem assim. A Embraer encontra-se em uma sinuca de bico, e seu passado glorioso diz pouco sobre o seu futuro. Vale a leitura.
Ovo da serpente
Este é o ovo da serpente que Alckmin deixou de presente para os paulistas.
O plano era o seguinte: com a concessão do estacionamento do Ibiraquera, o concessionário faria a manutenção do próprio parque e de outros cinco na periferia. Márcio França mandou parar tudo (a área do estacionamento é estadual) porque, afinal, “o parque é público e não combina com interesses privados”.
Obrigado Alckmin, pelo presente que deixou aos paulistas.
Mais claro, impossível
Nesta bela matéria, Vinicius Carrasco, professor de economia na PUC-Rio e ex-diretor do BNDES, elenca os motivos pelos quais o investimento em infra-estrutura está muito aquém do necessário em um país com notório déficit nesse quesito. Em resumo:
1) O país está quebrado e não tem dinheiro sequer para Parcerias Público-Privadas.
2) Sobra então o investimento privado. O investidor privado corre riscos (inclusive o risco de ver o seu contrato não cumprido) e a remuneração desses riscos envolve ou subsídios por parte do governo ou tarifas mais elevadas.
3) Os subsídios não são possíveis nem justificáveis. Como o Estado está quebrado, não há espaço para subsídios. E, mesmo que houvesse, alocar recursos públicos para aumentar a remuneração de agentes privados ou para diminuir tarifas dos usuários somente se justificaria se houvesse externalidades positivas. Ou seja, se houvesse benefícios para outros atores que não os investidores ou os usuários. No BNDES, ele ouvia falar muito de “externalidades positivas” mas nunca viu um estudo sequer a respeito.
4) Restam tarifas mais elevadas e, em alguns casos, dolarizadas, pois o investidor é estrangeiro. A greve dos caminhoneiros mostrou que os usuários não estão dispostos a pagar pelo uso da infra-estrutura.
5) Como quem quer pagar (o governo) não pode, e quem pode pagar (o usuário) não quer, o investimento em infra-estrutura tende a ser insuficiente.
Mais claro, impossível.