Hoje fomos brindamos com mais um artigo no Estadão defendendo o “direito de defesa ad aeternum” (último parágrafo acima). Desta vez, no entanto, a abordagem foi diferente: ao invés de defender seu ponto com argumentos, o autor vale-se do argumento de autoridade: trata-se de assunto complexo, muito técnico, fora do alcance da gentalha aqui da superfície, que não entende o que são “embargos infringentes” ou “o efeito suspensivo de recurso em sentido estrito oponível contra a sentença de pronúncia”.
Trabalho em uma empresa de gestão de investimentos. Imagine só se, quando perdemos dinheiro, tentássemos o seguinte argumento com o cliente: “investimentos é um tema técnico muito complexo. Enquanto você não entender o que é um ‘flattening da curva de juros hedgeado com um put spread com opções fora do dinheiro para evitar um cenário de calda’, mantenha-se na sua reles condição de leigo”. É óbvio que o cliente sacaria todo o dinheiro e sairia batendo a porta.
Não estou aqui minimizando as dificuldades técnicos dos assuntos. São séculos de conhecimentos acumulados e é impossível que uma pessoa saiba tudo de tudo, quanto mais a sociedade inteira. Mas alguns princípios básicos são sim compreensíveis e cabe aos especialistas procurar explicar sem lançar mão de jargões herméticos.
Sou professor também, com mais de 30 anos de experiência em sala de aula. Se eu aprendi uma coisa durante esse tempo, foi que se os alunos não entenderam um conceito é porque o professor também não entendeu. Se o professor realmente entende o núcleo do conceito, saberá simplifica-lo a ponto do aluno mais leigo entendê-lo. Quem não entende, se esconde atrás de jargões. Aliás, dar aula é a melhor maneira de estudar, pois fica claro o que você não sabe.
Tudo isso pra dizer que a sociedade pode não saber o que é um “embargo de declaração” ou uma “sentença de pronúncia”, mas sabe muito bem que um réu condenado por 4 juízes (um de primeira instância e 3 revisores) deveria estar preso. Ao invés de brandir jargões e mandar a sociedade colocar-se em seu devido lugar, o nobre causídico (tá vendo como eu também sei usar palavras difíceis?) poderia tentar explicar para a sociedade com palavras simples e compreensíveis porque é justo que um assassino confesso como Pimenta Neves tenha sido condenado e preso somente 11 anos depois do crime, e tenha sido libertado tendo cumprido somente 5 anos de pena.
E para terminar: no mundo dos investimentos, existe um conceito importante chamado “conflito de interesses”. Por exemplo: o gerente do banco ou o assessor de investimentos está recomendando aquele investimento porque é bom pra você ou é bom pra ele? Quem realmente vai ganhar dinheiro com aquilo? Cabe a mesma questão aqui: quem ganha com o “direito de defesa ad aeternum”, a sociedade ou o advogado criminalista autor do artigo?