A coisa toda é complexa, e à medida que se vai montando o quebra-cabeças, a paisagem vai se desenhando. Mas trata-se de um quebra-cabeças de 5.000 peças, então a compreensão do todo é lenta. Pelo menos para mim.
Juntei aqui 4 peças desse quebra-cabeças, que estão me ajudando a compreender melhor o panorama.
O primeiro é a reação da China ao problema inicial, na região de Hubei, e seus resultados, que pode ser visto aqui.
O segundo é o que está acontecendo na Itália neste momento.
O terceiro é o que a Coreia fez e o que a Alemanha está fazendo (aqui), junto com um artigo de Fernando Reinach hoje no Estadão, sobre testes.
E o quarto é um artigo de Geraldo Samor, no Brazil Journal, sobre os custos econômicos de uma quarentena sem fim (aqui).
Comecemos pela primeira peça. O que fez a China? Uma quarentena total de uma região inteira (Hubei) com cerca de 60 milhões de habitantes. Total quer dizer total. Tudo parou de funcionar. Pessoas com sintomas foram confinadas em estádios. Saídas de casa foram restringidas de maneira severa. E severa quer dizer severa. Tudo isso a partir do dia 23/01. Ontem, pela primeira vez, não se registrou nenhum caso na região de Hubei. Ou seja, dois meses depois. E só daqui a 14 dias, se não houver mais nenhum caso, a quarentena será liberada. Dois meses e meio no total.
Vamos tentar encaixar a segunda peça nessa primeira. A região norte da Itália vem sofrendo com um número muito grande de casos. No entanto, as medidas restritivas foram tão draconianas como as que que vimos em Hubei. Por que não funcionaram, pelo menos até o momento? Um funcionário da Cruz Vermelha chinesa afirmou (postei mais cedo) que as medidas não foram draconianas o suficiente. Pergunto: será possível, em uma democracia, agir como se estivéssemos em uma ditadura?
Ficamos o tempo todo recebendo vídeos da Itália, mostrando o horror. A mensagem é clara: “eu sou você amanhã”, se você não adotar as medidas draconianas adotadas pela China. Daí vem a pergunta: não há realmente meio termo? Aí entra a terceira peça do quebra-cabeças: a Coreia do Sul e a Alemanha adotaram a tática de testar à exaustão, além de medidas restritivas. A Alemanha está testando 160 mil pessoas/semana, o que pode explicar a enorme, gigantesca discrepância entre o número de casos e o número de mortes: enquanto essa relação é de 9,3 mortes para cada 100 casos na Itália, na Alemanha este número é de apenas 0,4. A diferença pode estar no denominador, não no numerador. O artigo do Fernando Reinach explica todas as vantagens de se fazer testes extensivos. E, parece, o governo acordou, e prometeu 5 milhões de testes até semana que vem. Vamos ver.
Mas isso não substitui a estratégia de “social distancing”. Tanto a Alemanha quanto a Coreia do Sul a adotaram. Hoje, por exemplo, a Alemanha anunciou o fechamento de todo o comércio não essencial. Então, trata-se de um conjunto de estratégias. Isso nos remete à quarta e última peça do quebra-cabeças, o econômico.
O artigo de Geraldo Samor resume a indignação de várias pessoas com o custo de se deter esta epidemia. Ele pergunta-se se não seria o caso de, ao invés de distribuir um caminhão de dinheiro para mitigar os efeitos da recessão, não seria mais inteligente usar uma fração desse dinheiro em ações na área de saúde para mitigar o problema. Ou seja, a estratégia seria investir tudo na mitigação e não adotar medidas que possam resultar em queda do PIB. Parece lógico, mas tem um só problema: qualquer ação demanda tempo, desde a construção de hospitais, passando pela aquisição de equipamentos e testes e incluindo ações de educação da população. Não é só uma questão de dinheiro, mas de gerenciamento. Não é qualquer país que consegue construir um hospital em 10 dias ou que tem capacidade gerencial para fazer 160 mil testes/semana. Nem todo país é igual à China ou à Alemanha, e mesmo estes países adotaram medidas de contenção envolvendo algum tipo de quarentena.
Talvez o máximo que possamos almejar é que estas medidas de contenção não sejam em vão, como tem sido na Itália: ou seja, além da depressão econômica, eles não estão conseguindo controlar a epidemia. Parafraseando Churchill, entre a desonra e a derrota, escolheram as duas.
Resumindo o panorama até o momento: a China mostrou um caminho de difícil implementação no chamado mundo democrático. Coreia e Alemanha vêm adotando uma versão mitigada desse mesmo caminho, mas complementando com testes extensivos, o que parece estar funcionando. Mesmo assim, os dois países vêm adotando medidas recessivas como todos os outros. Até o momento, nenhum país onde a epidemia apresentou transmissão comunitária deixou de adotar medidas restritivas de aglomeração e contato social. Se o Brasil o fizesse, seria o primeiro. Essa questão permanece sem resposta.