Tenho observado com vivo interesse o movimento para encontrar uma terceira via para enfrentar os “extremos” representados por Bolsonaro e Lula. Muitos não querem (eu me incluo) ter que escolher entre os dois no 2o turno de 2022.
Para tanto, muito se tem falado em unificar a candidatura de centro, pois a chance seria maior de passar para o 2o turno contra um dos dois. Será?
Fiz uma pesquisa em todas as eleições desde a redemocratização. As duas únicas eleições em que a soma das votações de todos os candidatos que não os dois mais votados excedeu a votação do 2o colocado (ou seja, esse hipotético “tercius” teria ido ao segundo turno) foram as eleições de 1989 e 2002.
Em 1989, a soma das votações de Brizola, Covas, Maluf, Afif, Ulysses e uma longa lista de outros candidatos somou 50,8%, bem mais do que os 16,7% obtidos por Lula, o segundo colocado. Na verdade, em tese, se somente Brizola e Covas tivessem se unido, os seus 27,2% de votos teriam tirado Lula do 2o turno. Em tese.
Em 2002, as votações de Anthony Garotinho e Ciro Gomes somaram 29,8%, contra 23,2% de José Serra, o 2o colocado naquele ano. Vamos analisar este caso mais de perto.
Digamos que Garotinho tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Ciro. Será que Ciro Gomes teria herdado todos os votos de Garotinho? Não será que uma parte desses votos teria ido para Serra, mantendo-o no 2o turno?
Tivemos uma experiência semelhante na eleição de 2014. Marina Silva era esse “tertius” contra a “polarização” entre PT e PSDB, a que mais chegou perto de tirar um dos dois partidos do 2o turno, tanto em 2010, quando teve 19,3% dos votos, quanto em 2014, quando teve 21,3% dos votos. Mas em 2014, ao contrário de 2010, Marina Silva declarou apoio formal à candidatura de Aécio Neves. Tivemos, então, a oportunidade de observar a migração de votos causada por esse apoio. Foi como se Marina tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Aécio.
Para acompanhar melhor o que aconteceu, vejamos os números desse eleição (os números se referem às votações no 1o e 2o turnos, respectivamente):
- Dilma: 41,6% / 51,6%
- Aécio: 33,6% / 48,4%
- Marina: 21,3%
- Outros: 3,5%
O resultado: dos 21,3% recebidos por Marina, no mínimo 6,5 pontos percentuais foram para Dilma, que aumentou a sua votação de 41,6% no 1o turno para 51,6% no 2o turno (estou assumindo que os outros 3,5 pontos percentuais que faltam para completar os 10 pontos vieram dos outros candidatos). O restante (no máximo 14,8 pontos percentuais) foi para Aécio. Ou seja, a migração não foi suficiente para dar a vitória a Aécio.
Digamos que, desses 6 que assinaram o tal “Manifesto pela Democracia”, se encontre um candidato único. Quanto dos votos que os outros candidatos teriam migrarão efetivamente para o “candidato escolhido”? Vou dar um exemplo concreto: digamos que esta terceira via seja Ciro Gomes. Quantos votos o coronel vai herdar dos supostos eleitores de Doria ou de Moro? E vice-versa?
Parece-me que aqueles que estão preocupados em encontrar uma terceira via que unifique todas as candidaturas fariam melhor em encontrar um candidato, qualquer um. O triste fato é que há um deserto de opções com chances reais de desafiar o presidente e o ex-presidente. Eu iria além: mesmo que Lula não possa concorrer, não há, hoje, opções com chances reais de desafiar o presidente e qualquer candidato do PT.
Um candidato com chances reais, qualquer que seja, saberá encontrar o seu caminho para ganhar corações e mentes dos eleitores, sem precisar construir estruturas artificiais. O desafio não é encontrar um candidato único. É encontrar um candidato.