A voz do povo

Um dos argumentos mais utilizados pelos apoiadores de Bolsonaro é o número de votos que recebeu. O Congresso estaria obrigado a obedecer a “voz do povo”, traduzido em mais de 58 milhões de votos no 2o turno.

Pois bem, fiz um levantamento da “voz do povo” traduzido no número de votos recebidos pelos congressistas. Para tanto, dividi o Congresso grosseiramente em 4 grandes blocos: Governo (PSL), Centrão (PSD, PP, MDB, PL, PRB, DEM, PTB e SD), Oposição (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, Rede, PCB, PSTU e PCO) e Independentes (todo o restante).

Os votos recebidos pelos deputados (considerando todos os votos, mesmo daqueles que não foram eleitos), foram os seguintes:

  • Centrão: 35.443.197 (36,0%)
  • Independentes: 26.346.424 (26,8%)
  • Oposição: 25.069.407 (25,5%)
  • Governo: 11.458.238 (11,7%)

Considerando-se apenas os votos daqueles que foram eleitos, o resultado seria:

  • Centrão: 21.819.375 (41,7%)
  • Oposição: 13.916.617 (26,6%)
  • Independentes: 9.023.974 (17,2%)
  • Governo: 7.517.669 (14,4%)

Ou seja, o partido do governo (PSL) recebeu apenas 11,5 milhões de votos. Todo o restante foi para outros partidos. A “voz do povo”, que se fez ouvir com muito vigor na eleição majoritária, foi apenas um sussurro quando se tratou de eleger os deputados. Mesmo considerando-se somente os deputados que estão no Congresso, os votos dados ao partido do governo representam apenas 14,4% do total.

Cada congressista deve satisfação ao seu próprio eleitor, não ao eleitor de Bolsonaro. Os partidos do chamado Centrão, por sinal, receberam o maior número de votos. Portanto, “a voz do povo” foi muito clara: Bolsonaro presidente, mas Congresso diversificado e sem apoio automático.

Nas próximas eleições, se quiserem um Congresso que apoie sem condições as iniciativas do presidente, é necessário votar nos candidatos do partido do presidente. Caso contrário, a negociação para formar uma base de apoio é condição sine qua non para governar.

Meu ditador favorito

Aos que pedem o fechamento do Congresso e do STF, uma pergunta: se Lula tivesse feito este movimento, teria o seu apoio? Afinal, o Congresso e o STF tinham os mesmíssimos defeitos.

– Ah, mas Lula resolveu o problema “comprando” o Congresso.

Sim. Outra alternativa, se ele não quisesse fazer aquilo, seria fechá-lo. Teria o apoio daqueles que defendem que a única solução hoje é fechar o Congresso? Ou o fechamento só vale para o meu ditador favorito?

Fazer pressão sobre o Congresso é da regra do jogo. Pedir o seu fechamento, não.

Os desafios da política

Bolsonaro distribuiu hoje a seus grupos no WhatsApp um texto de origem anônima. A sua distribuição pelo Presidente da República só tem duas interpretações: ou ele está preparando um golpe, ou está preparando a sua renúncia.

Vamos começar pelo que o texto tem de correto: de fato, o Brasil (e o governo) é refém de “corporações com acesso privilegiado ao orçamento público”. “Políticos, servidores-sindicalistas, sindicalistas de toga, grupos empresariais bem posicionados nas teias do poder” formam o grupo que impede o Brasil de ser “governado de acordo com o interesse dos eleitores”.

Sim, o Brasil é refém de corporações, que defendem com unhas e dentes o seu quinhão no orçamento. Mas o texto, a partir daí, é de um primarismo político que mostra o quanto Bolsonaro, ao divulgá-lo, não está preparado para a tarefa que o povo lhe delegou.

Segundo o texto, “Bolsonaro provou que o Brasil, fora desses conchavos, é ingovernável”. Sim, o Brasil é ingovernável quando o presidente age como um imperador, desprezando o fato incontornável de que, em um país com mais de 200 milhões de habitantes, há pessoas que pensam de maneira diferente da sua e de seu grupo. O Congresso nada mais é do que o espelho da sociedade: multifacetado, com interesses divergentes, e que precisa de um norte comum para caminhar para uma meta. Xingar constantemente seus adversários e, pior, seus potenciais aliados, não fará o Brasil ser mais governável. O sectarismo nunca será a melhor forma de lidar com a diversidade.

Há bandidos no Congresso? Com certeza. Assim como há bandidos nas Forças Armadas, entre os médicos, entre os advogados, entre os professores, no mercado financeiro, enfim, em todo lugar onde há seres humanos. Há gente boa no Congresso? Com certeza também! Mas Bolsonaro não parece interessado nisso. Sua “nova política” é basicamente enviar o que acha correto ao Congresso, e que este carimbe a vontade do imperador. Se não o faz, é porque está defendendo interesses inconfessáveis.

Por exemplo, o autor do texto diz que “nem uma simples redução do número de ministérios pode ser feita. Corremos o risco de uma MP caducar e o Brasil ser OBRIGADO a ter 29 ministérios e voltar para a estrutura do Temer”. Ora, e quem disse que a estrutura proposta por Bolsonaro é a melhor para o País? Por que o Congresso precisa aceitar aquilo que emana do augusto panteão da justiça? Bolsonaro não negocia, não tenta convencer. Sua tarefa se dá por cumprida ao enviar o texto para o Congresso, este que cumpra o seu dever e aprove a vontade do imperador. E ai se não aprovar. Restará provado que o Congresso, em nome das corporações, “quer, na verdade, é manter nichos de controle sobre o orçamento para indicar os ministros que vão permitir sangrar estes recursos para objetivos não republicanos”.

Pois é. O Congresso quer manter nichos de controle sobre o orçamento. No que está muito certo. Os imperadores Pedro I e Pedro II tinham o controle sobre o orçamento, e só a muito custo o Congresso conseguiu avançar sobre este controle que, de outra forma, seria exercido de maneira ditatorial por uma única pessoa.

E se o Congresso tiver uma ideia melhor? Afinal, foram tão eleitos quanto Bolsonaro. Ou Bolsonaro é sempre “do bem” e o Congresso é sempre “do mal”? Conhecemos um partido que se colocava como a quintessência da virtude e vimos onde fomos parar. Há interesses corporativos? Com certeza! Assim como há interesses legítimos. Cabe a um estadista separar o joio do trigo, negociando, cedendo, procurando soluções de compromisso. Chamar todo mundo fora de seu grupinho de ladrão não ajuda em nada, para dizer o mínimo.

O autor do texto faz uma confusão dos diabos ao tentar provar que o Brasil é “refém” das corporações, independentemente da coloração ideológica do presidente. Cita como exemplo o fato de FHC ter “liberado” o câmbio dois meses depois de reeleito, mesmo tendo prometido segurá-lo. Ora, soltar o câmbio foi uma necessidade matemática, as reservas internacionais tinham simplesmente acabado! Em que a liberação do câmbio em 1999 ajudou as corporações? Mistério. Outro exemplo: “Lula foi eleito criticando a política de FHC, mas fez a reforma da previdência e aumentou os juros”. Ora, o que isso tem a ver com as corporações? Na verdade, a reforma da previdência de Lula desafiou as corporações do funcionalismo público (houve até invasão do Congresso). E o governo Lula, após ter aumentado os juros, voltou a diminuí-los para patamares abaixo dos vigentes no governo anterior, menos de um ano depois da posse. Aumentou os juros para agradar as corporações e diminuiu os juros também para agradar as corporações? Mais um exemplo: “Dilma foi eleita criticando o neoliberalismo, e indicou Joaquim Levy”. Bem, Dilma indicou Levy apenas 4 anos depois de sua primeira eleição. E o fez porque o dinheiro simplesmente acabou. Onde estão as corporações aqui?

A ideia do autor anônimo é de que todos os presidentes estão fadados a cometerem estelionato eleitoral, independentemente de sua coloração ideológica, porque pressionados pelas corporações, os verdadeiros donos do Brasil. Ora, esse é um argumento pueril. Significa que as corporações se contradizem ao longo do tempo (por exemplo, são a favor da reforma da previdência com Lula e contra a reforma da previdência com Bolsonaro) só para mostrarem quem realmente manda no Brasil, mesmo que seus interesses sejam contrariados. Não faz o mínimo sentido.

O autor do texto agradece a Bolsonaro por ter provado “de forma inequívoca que o Brasil só é governável se atender o interesse das corporações”. Bem, e daí? Qual a solução? Como sair dessa armadilha? Bolsonaro era a promessa de sairmos dessa armadilha, não a promessa de constatarmos que a armadilha existe. Se não tem jeito de sair da armadilha, como afirma o autor do texto, então Bolsonaro é o cara errado no lugar errado. Restam apenas duas saídas: virar a mesa ou desistir. Não há uma terceira.

Leitura isenta da História do Brasil

Os trechos que vocês estão lendo abaixo não foram retirados de um dos livros aprovados pelo MEC. Estes trechos vieram direto da página da Câmara dos Deputados dedicada a explicar História do Brasil para crianças.

Com o Plenarinho, a petizada poderá aprender que Getúlio Vargas liderou uma Revolução em 1930, enquanto os militares deram um Golpe em 1964. E os militares, como você sabe, são muito maus, e torturaram e mataram gente. Já Getúlio Vargas liderou uma “ditadura”, assim, entre aspas, e não torturou nem matou ninguém.

A gurizada também vai aprender que Luís Carlos Prestes queria somente melhorar a vida dos brasileiros, enquanto os fascistas queriam…, bem queriam mandar sozinhos.

A Câmara dos Deputados está de parabéns por proporcionar às crianças do nosso Brasil uma leitura isenta da história do País.

O risco de Bolsonaro

Tentei recortar algum trecho dessa entrevista, mas ela deve ser lida por inteiro. Não se trata de um representante da “velha política”, mas de um deputado fiel, um dos 4 que votaram em Bolsonaro para a presidência da Câmara em 2017. Acima, portanto, de qualquer suspeita.

Como já disse várias vezes aqui, Bolsonaro deve fazer a “boa política”, que é compartilhar espaços de poder, e não a “nova política”, que é colocar-se como a virgem no bordel. A outra alternativa é fechar o Congresso. Não há uma terceira.

Caiu a ficha

Hoje caiu-me uma ficha.

Foi um daqueles momentos em que uma determinada realidade aparece nítida, onde antes havia algo incompreensível.

Sou meio lento pra entender as coisas. Mas procuro me colocar no sapato dos outros, para entender suas razões e motivações. Mesmo não concordando, é um exercício útil, recomendo.

Neste fim de semana, lendo uma montanha de manifestações a respeito da postura de Bolsonaro diante do Congresso, como eu disse, caiu-me uma ficha.

Bolsonaro não vai conversar com o Congresso. O parlamento brasileiro representa o que há de mais abjeto. Só há interesses mesquinhos, para ficar na coisa mais branda, ou inconfessáveis, se quisermos traduzir o sentimento geral.

Se Bolsonaro cedesse e negociasse com este Congresso, estaria traindo o sentido mesmo de sua eleição, que foi o de negar as negociatas que têm lugar ali.

Para Bolsonaro e seu núcleo duro de eleitores (acho que 15%-20% dos leitores, os restantes 35%-40% que lhe deram a vitória no 2o turno são mais anti-PT do que bolsonaristas) o Congresso deveria votar as medidas enviadas pelo Executivo por patriotismo. O que não deixa de ser uma contradição em termos: bandido patriota parece ser um oximoro.

Minha premissa, nesses dias todos, estava equivocada. Ao pensar que Bolsonaro pudesse agir como um “político normal”, que negocia com o Congresso a sua pauta, estava simplesmente esquecendo a alma da campanha do agora presidente: limpar a política de toda a sua podridão. O meme que marcou a minha, digamos, “iluminação”, foi o das malas de dinheiro do Gedel, com a frase: “articulação política”. Sim, se isso é o que se entende por articulação política, então é óbvio que não tem negociação. Com ninguém.

Se não existe possibilidade de negociação com este Congresso (e, a bem da verdade, com qualquer Congresso, porque político é tudo igual), restam três alternativas:

1) O Congresso aprova as medidas enviadas por Bolsonaro sem qualquer tipo de “negociação” – negociação entre aspas para assumir o sentido bolsonarista da palavra. Os congressistas, ao se depararem com as consequências nefastas para a nação de não votarem com o governo, colocariam a mão na consciência. Há dois problemas com essa alternativa: a) bandido não tem consciência e b) pode haver parlamentares honestos que simplesmente não concordam com as medidas, ou que pensem que não sobrevirá o caos se não forem aprovadas.

2) O Congresso não aprovas as medidas, e o governo torna-se, na melhor das hipóteses, um lame duck durante 4 anos. Na pior, o presidente cai em função da piora significativa das condições econômicas. (Observação importante: não estou aqui prevendo e muito menos torcendo pela queda do presidente. Estou apenas cobrindo todas as possibilidades)

3) Na impossibilidade de passar medidas importantes, o Congresso é fechado, limpando-se o caminho para as reformas necessárias, sem precisar “negociar” com bandidos. Para quem acha isso um exagero, li muitas manifestações nesse sentido neste fim de semana.

Enfim, e para encerrar, vocês não vão mais ler aqui que Bolsonaro “deveria fazer isso”, ou “deveria fazer aquilo”. Bolsonaro é o que é, e trairia seus eleitores se fosse ou fizesse outra coisa.

Vamos ver onde isso tudo vai dar.

Renovação só de nomes

Das 54 cadeiras do Senado que estavam em disputa nas últimas eleições, 46 foram ocupadas por nomes novos. Assim, 57% dos votos para presidente da Casa são de novatos.

O fato de Renan Calheiros chegar forte na disputa mostra que a renovação do Congresso foi só de nomes, não de mentalidade.

Em busca de um emprego

Se você perde o seu emprego, o que você faz? O mesmo que 13 milhões de desempregados estão fazendo no Brasil: saem à luta para procurar outro emprego.

Ora, os nobres congressistas que perderam seus empregos estão fazendo a mesma coisa, cavando uma vaguinha em alguma estatal. Cada um luta com as armas que tem.

Bom senso

O ano é 2015. Dilma Roussef acabava de ser reeleita e a batalha agora era pela presidência da Câmara.

Dilma, aconselhada pela sua prepotência, resolve bancar uma candidatura do PT, o deputado Arlindo Chinaglia. As vozes mais ponderadas da Câmara e do partido aconselhavam a presidente a entrar em um acordo com o Centrão. Em vão.

O deputado Eduardo Cunha foi eleito em primeiro turno. Chinaglia teve 136 votos, aproximadamente o mesmo número de votos que Dilma teve no processo do impeachment. O resto é história.

Bolsonaro tem quase 30 anos de Congresso. Neste erro primário parece que ele não vai cair.