Fazendo a coisa certa

Um dos vieses mais conhecidos na tomada de decisão é o viés de confirmação: o ser humano tende a procurar informações que confirmem a sua tese, e não o oposto, ou seja, construir a tese com base nas informações recebidas.

Confesso que caí com gosto no viés de confirmação ao ler matéria de hoje sobre mais uma pesquisa eleitoral, desta vez patrocinada pela Genial Investimentos em parceria com a Quaest Consultoria e Pesquisa.

Além dos dados repetidos de outras pesquisas (Lula na frente, Bolsonaro em segundo, Ciro em um distante terceiro lugar, traço para os outros), esta trouxe uma informação nova e interessante: o motivo pelo qual os eleitores de Bolsonaro votam no presidente. Apenas 27% votam em Bolsonaro pela qualidade de seu governo. Os outros 73% votam principalmente porque é o único candidato anti-PT, anti-esquerda, anti-comunismo.

Ao analisar esses dados, o diretor da Quaest chega à óbvia conclusão de que, para roubar votos de Bolsonaro não adianta atacar Bolsonaro. É preciso mostrar que se é tão anti-esquerda, anti-PT e anti-comunismo como Bolsonaro. É preciso atacar o PT.

Bem, vocês já leram isso aqui. Venho dizendo exatamente isso desde a campanha de 2018. A terceira via não vinga porque o povo quer polarização. E, para ocupar o lugar de Bolsonaro, é preciso polarizar com Lula.

É claro que essa mensagem precisa soar autêntica, e não uma mera estratégia eleitoral. De todos os candidatos que estão por aí, talvez João Doria seja o que mais transmite essa mensagem anti-PT. Não é à toa que Bolsonaro escolheu o governador de São Paulo como seu adversário preferencial. Doria caiu na armadilha, polarizando quase que exclusivamente com Bolsonaro, esquecendo-se do PT.

Estes 73% de eleitores de Bolsonaro (24% do total de eleitores) que não ligam para a sua administração (ou antes, justificam a sua administração em nome de uma causa maior) são suficientes para colocá-lo no 2o turno. Apoderar-se desses votos já é tarefa suficientemente difícil adotando a estratégia correta. Fazendo a coisa errada, torna-se missão impossível.

Escolhendo o barco

Outro dia, foi uma entrevista de Eduardo Paes, rasgando elogios a Lula (não cheguei a comentar aqui por falta de tempo).

Agora, é Rodrigo Maia que participa de um almoço oferecido por Eduardo Paes em homenagem a Lula e, segundo a jornalista Malu Gaspar, oferecendo seus préstimos ao ex-presidiário.

Eduardo Paes migrou para o PSD, partido de destino de Rodrigo Maia depois de ser expulso do DEM. PSD de Gilberto Kassab, que já foi ministro de Dilma, de Temer e de Doria, e que anunciou outro dia que seu candidato à presidência é o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (risadas de seriado ao fundo).

As raposas da política estão abandonando essa história de “terceira via” antes mesmo de começar. O aperto de mão de FHC e Lula não foi um acidente de percurso, foi um movimento nessa mesma direção. As forças políticas do país estão se aglutinando entre os dois polos, Lula e Bolsonaro. O DEM assumiu o lado de Bolsonaro na eleição para a Câmara, e Rodrigo Maia pulou para o outro barco. Não há solução intermediária.

Claro que podemos continuar sonhando, afinal falta ainda mais de um ano para as eleições, e o Inesperado sempre pode dar as caras. Mas o desenho é claro: se 2018 foi a eleição do lulopetismo vs. anti-lulopetismo, 2022 será a eleição do anti-lulopetismo vs. anti-bolsonarismo, decidida por aqueles que não são nem lulopetistas e nem bolsonaristas.

O capeta e o demônio

Estou cada vez achando mais graça nesse debate sobre a tal “terceira via”, que nos livraria de ter de escolher entre o demônio e o capeta.

Ocorre que a maioria das eleições brasileiras desde a redemocratização se deu entre o capeta e alguém do chamado “centro democrático”. E o país escolheu o capeta 4 vezes. Seguidas.

Em 2018, apareceu o demônio para desafiar o capeta. E o debate foi exatamente o mesmo que estamos tendo hoje: cadê a “terceira via”? Ora, a terceira via já havia perdido do capeta nas 4 eleições anteriores. Para desbancar o capeta, só o demônio.

Essa história de que a maioria quer uma “terceira via” é teoria. Se fosse maioria, tanto o demônio quanto o capeta já estariam de malas prontas para voltar ao inferno. Mas não. Tanto um quanto o outro tem legião de apoiadores.

Então, meus amigos, o tal “centro democrático” já teve a sua chance e a jogou pela janela. Agora, é a hora de belzebu.

PS.: eleitores dos dois lados vão protestar por chamar de coisa ruim o seu candidato de predileção. Paciência.

Réguas diferentes

O que você acha menos pior, o amarelo ou a acelga?

Confuso? Pois é, o nosso debate político encontra-se nesse nível. Somos chamados a escolher o “menos pior”. Mas em que escala? Com relação ao quê?

Entre o amarelo ou o roxo conseguimos escolher o menos pior, assim como entre a acelga e, sei lá, o agrião. Claro que tem gente que ama de paixão o amarelo ou o o roxo, assim como tem gente que adora acelga ou agrião. Mas a grande maioria dos seres humanos, quando chamados a escolherem um ou outro, escolherão o menos pior. No entanto, como escolher entre o amarelo e a acelga? São coisas em dimensões diferentes, não tem como comparar.

Assim são Bolsonaro e Lula. Um é um sociopata, incapaz de mostrar empatia, flertando continuamente com rupturas institucionais e refratário a qualquer reforma que modernize o Estado brasileiro. Outro foi o chefe de uma quadrilha que tomou de assalto o Estado brasileiro, além de ter ideias pré-históricas sobre economia.

A escolha pelo “menos pior”, na verdade, é fruto de uma percepção muito particular: o que causa mais sofrimento, uma cor ruim ou uma verdura ruim? Cada um vai fazer sua escolha de acordo com essa avaliação subjetiva, própria, da realidade. Por isso as discussões sobre o que é “menos pior” são infrutíferas e, no final das contas, inúteis.

As várias faces de uma nota conjunta

Vamos dividir este post em duas partes. Na primeira, comentarei o aspecto econômico. Na segunda, a questão política envolvida nessa nota conjunta.

Os resultados do Mercosul

Antes de mais nada, vamos à íntegra da nota conjunta:

Comecemos pelo fim: “é necessário manter a integridade do bloco, para que todos os seus membros desenvolvam plenamente suas capacidades industriais e tecnológicas…”

Bem, dá vontade de chorar. O Mercosul foi fundado em 1991, há 30 anos portanto. São 30 anos de protecionismo comercial conjunto. O que conseguimos com isso? Onde está o desenvolvimento das “capacidades industriais e tecnológicas” das indústrias protegidas?

Temos uma tara por fabricar tudo aqui. Lembro até hoje do depoimento de Marcelo Odebrecht a respeito da Sete Brasil, a empresa criada por Dilma para fabricar sondas de exploração de petróleo. Segundo Marcelo, a empresa não parava em pé, era inviável do ponto de vista econômico. Mas sabe como é, era desejo do governo ter “autossuficiência” nesse campo. Não tínhamos como competir com os coreanos, mas a Petrobrás foi obrigada a pagar mais caro pelas sondas, subsidiando uma operação inviável.

Temos produtos notoriamente defasados e caros. As próprias indústrias têm dificuldade de manter operações de ponta aqui porque não conseguem importar a preços competitivos. Somos um dos países mais fechados do mundo. Em artigo no Valor Econômico do dia 31/05 (Por que a indústria não exporta?), Edmar Bacha lembra de uma entrevista do então chairman da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, em que lhe perguntaram porque a Renault fabricava carros com tecnologia mais avançada na Europa do que no Brasil, ao que ele respondeu: “deixem-me importar os componentes e os brasileiros terão carros tão avançados aqui quanto na Europa”.

Bacha invoca o conceito de “crescimento empobrecedor”, desenvolvido nos anos 60 pelos economistas Harry Johnson e Jagdish Bhagwati: as multinacionais, ao se instalarem no país, exploram o mercado doméstico com produtos mais caros e de pior qualidade, porque estão protegidos pelas tarifas de importação. Mas não conseguem exportar, justamente porque os produtos são mais caros e de pior qualidade. Temos então uma indústria isolada do resto do mundo, o que dá origem ao aparente paradoxo: mesmo com o câmbio extremamente desvalorizado e os juros em seu ponto mais baixo da história, a indústria não consegue exportar mais.

Mas quem defende o protecionismo quer uma indústria que produza aqui, não uma indústria que exporte. Assim, teremos “maior valor agregado” e “empregos de qualidade”, o mantra sempre entoado. Sim, com o consumidor pagando mais caro no final, seja pelos preços mais altos, seja pelos produtos de qualidade inferior.

Mas, pelo menos, com essa proteção tarifária, o fluxo de comércio entre os países do Mercosul deve ter bombado. Afinal, as alíquotas são privilegiadas para a importação e exportação entre esses países. Vejamos, então o gráfico abaixo:

Em 1997, a corrente de comércio (exportações + importações) entre o Brasil e os países do Mercosul representava quase 18% de toda a corrente de comércio brasileira. Entre 1997 e 2002, essa participação caiu para 10%, nível em que ficou pelos 15 anos seguintes. A partir de 2017, a participação do Mercosul começou a cair novamente, atingindo, em 2020, pouco mais de 6%, um terço do que era há 23 anos.

Esse gráfico é elucidativo, inclusive, para desmistificar uma crença generalizada, a de que foi o crescimento do comércio com a China o fator que fez encolher a participação do comércio com outras regiões. Não é o que vemos. O comércio com a China bombou a partir de 2003, com o início do superciclo das commodities. No entanto, a participação do comércio com o Mercosul já havia caído antes desse ano, o que indica um problema em qualquer outro lugar. Vejamos o gráfico abaixo:

Observe como a corrente de comércio com a China sobe de maneira espetacular somente depois de 2002, mas a corrente de comércio com o Mercosul cai de cerca de US$ 200 bilhões em 1997 para US$ 100 bilhões em 2002. O que aconteceu nesses 5 anos? Se lembrarmos, foi o período que compreendeu várias crises que atingiram em cheio os emergentes: crise dos tigres asiáticos, crise da Rússia, crise do Real (desvalorização) e, finalmente, a crise do Austral, com o abandono da paridade cambial com o dólar, que culminou, no final de 2001, com a renúncia de De La Rua e sua fuga da Casa Rosada de helicóptero. Enfim, o fluxo de comércio declinou por problemas internos dos países da região, não tem nada a ver com tarifas ou a falta delas.

O grande ciclo de commodities, a partir de 2003, por outro lado, fez com que a corrente de comércio brasileiro atingisse outro patamar. O comércio com a China decolou, mas não só. O comércio com Europa, EUA e Mercosul também cresceu de maneira relevante. Não houve, nesse período, nenhuma mudança tarifária relevante. Mais um exemplo de que é a economia que determina o fluxo de comércio, não as tarifas.

O pico do comércio com o Mercosul se deu em 2011, com quase US$ 500 bilhões de corrente de comércio. Hoje, 10 anos depois, temos metade desse valor, fruto dos problemas dos países da região nesta década. O comércio com Europa e EUA também caiu durante o período, mas em muito menor magnitude. Enquanto o comércio com a Europa foi o dobro em 2020 em relação a 1997 e com os EUA cresceu 150% no mesmo período, o comércio com o Mercosul foi apenas 25% maior em 2020 comparado com o nível de 1997. E note que nem estamos falando da China.

Enfim, o Mercosul, como zona de livre comércio com o objetivo de alavancar o poder industrial da região foi um rotundo fracasso. Podemos tentar continuar fazendo o mesmo que fizemos nos últimos 30 anos, ou podemos tentar mudar a estratégia. Neste ponto, entra a nota conjunta de Lula e FHC.

A questão geopolítica da nota

Vejamos novamente a íntegra da nota conjunta:

O que os dois ex-presidentes querem dizer é que não é o momento de chutar cachorro morto. A Argentina passa por (mais um) momento muito difícil, está em estado de calote com FMI e faltam dólares. Não é o momento, portanto, de agir pensando somente em si mesmo, mas sim, o momento de mostrar solidariedade com los hermanos.

Então, a questão é essa: queremos/devemos continuar associados a um país que está amarrado a um problema do qual não quer sair? A eleição de Alberto Fernandez foi o sinal mais claro de que a sociedade argentina não quer resolver os seus problemas. O governo brasileiro deve pensar no melhor para o seu próprio povo ou abrir mão de crescer mais em solidariedade ao vizinho?

Lula e FHC claramente fizeram a opção pela solidariedade. Lula, além disso, acredita que tarifas fazem bem para a economia, FHC nem tanto. Mas as considerações geopolíticas suplantaram suas eventuais reservas com relação à efetividade desse tipo de barreira ao comércio.

Mas é o aspecto político o mais interessante dessa nota conjunta.

A questão política da nota conjunta

A nota foi assinada somente por Lula e FHC. Assinaram na condição de “ex-presidentes”. Resta saber por que não chamaram Collor, Sarney e Dilma para assinarem junto. Aliás Sarney foi procurado pelo embaixador argentino para ajudar a pressionar o governo brasileiro.

Mas, por algum motivo, Sarney não assinou a tal nota conjunta. A ausência de Sarney (e de Collor, que afinal foi quem assinou o Tratado de Assunção, que estabeleceu o Mercosul) demonstra que a nota não é um “manifesto de ex-presidentes”, mas de Lula e FHC. Em outras palavras, a nota é escrita por “ex-presidentes”, mas não é uma “nota de ex-presidentes”. É só uma nota de Lula e FHC.

Ainda na hipótese de ter sido uma “nota de ex-presidentes”, a ausência de Dilma grita. Dilma, de todos os ex-presidentes, talvez tenha sido a mais entusiasta dessas políticas protecionistas. E a mais próxima dos governos Kirshner. Por que, afinal, Dilma não assina a “nota dos ex-presidentes”?

A resposta é simples: para os planos eleitorais de Lula, é essencial cancelar Dilma. Como naquelas fotos do regime stalinista, a ex-presidenta deve ser apagada. Ela serviu como símbolo do “golpe” de 2016, mas isso já passou. Hoje, é apenas o símbolo de um governo desastroso que os brasileiros querem ver pelas costas. Lula sabe que trazer Dilma para junto de si é um tiro no pé de qualquer pretensão eleitoral. Esta nota, portanto, não é geopolítica, nem ao menos política. Trata-se de uma nota eleitoral.

A nota conjunta e as eleições de 2022

Não sabemos quem procurou quem para cometer a tal nota conjunta. Mas aposto o meu mindinho que a ideia foi de Lula, o único que ganha alguma coisa com essa nota. FHC é o presidente de honra do PSDB. Uma espécie de rainha da Inglaterra no partido, mas, a exemplo da rainha, tem o seu peso institucional. Ao novamente jogar água no moinho de Lula, FHC mina mais um pouco as já ínfimas possibilidades de uma terceira via.

Com essa nota, Lula reforça sua imagem de “estadista” e, de quebra, traz junto de si, novamente, alguém que deveria estar liderando as conversas para termos uma alternativa entre o ex-capitão incendiário e o ex-presidiário.

Hoje, FHC escreve um artigo no Estadão. Pouco importa o que escreveu. O único presidente eleito pelo PSDB tornou-se o maior troféu de Lula. O que ele diz, de agora em diante, é irrelevante.

A tática da “terceira via”

Essas matérias precisam ser lidas com uma pitada de sal, dado que essa entidade, “centro”, pode ter tudo, menos unidade de pensamento e de comando. Mas esse tipo de discussão não deixa de ser interessante: afinal, quem vai dar lugar a uma “terceira via” no 2o turno, Lula ou Bolsonaro? A depender da resposta, a tática será diferente.

A reportagem ampara-se nas últimas sondagens eleitorais, que colocam Lula à frente de Bolsonaro no 1o turno. Se isto estiver correto e se se mantiver até as eleições, o mais fácil seria tentar tirar Bolsonaro do 1o turno. Não vou aqui entrar no mérito da imprecisão dessas pesquisas e de quão distantes estamos das eleições. Meu ponto é somente entender qual seria a tática correta da “terceira via” neste cenário hipotético.

Ora, se o objetivo é tirar Bolsonaro do 2o turno, é óbvio que só se consegue esse objetivo tirando votos de Bolsonaro. E em quem o potencial eleitor de Bolsonaro votaria? Também é óbvio que esse voto vai para alguém que se mostre tão anti-Lula quanto Bolsonaro.

Note que não estamos falando do voto bolsonarista-raíz, aquele que está fechado com Bolsonaro no matter what. Este não vai migrar. Estamos falando daquele voto anti-PT, que deve ver em uma alternativa a Bolsonaro alguém que não seja, por óbvio, uma linha auxiliar do PT.

Fiquei quase sem voz aqui, durante as eleições de 2018, criticando a estratégia de Alckmin. O candidato do PSDB passou a campanha inteira batendo em Bolsonaro, como se isso pudesse causar a migração de votos do ex-capitão para si mesmo. Na verdade, só passava a ideia de ser uma linha auxiliar do petismo, o que, obviamente, afastava o eleitor anti-petista.

Nesse sentido, o aperto de mão entre FHC e Lula interessaria a um candidato da terceira via somente se fosse possível tirar Lula do 2o turno. Mostrando ser tão anti-bolsonarista quanto Lula, esse candidato poderia ganhar a confiança dos lulistas menos convictos. Isso em tese. Na prática, nem para isso serviu: apertar a mão do candidato que você quer tirar do 2o turno antes mesmo do 1o turno não é tática nenhuma, é só uma jumentice.

Enfim, se a tal “terceira via” realmente acha que é mais fácil tirar Bolsonaro do que Lula do 2o turno, seria bom começar a atacar Lula e o PT, e não tratá-lo com a reverência com que vem sendo tratado.

Terceira via: uma minoria cada vez menor

Este post é continuação do de ontem, em que comentei o momentoso aperto de mão entre Lula e FHC. O artigo do professor de ciência política na Unesp, Marco Aurélio Nogueira, elabora o racional que está por trás daquela foto. (O artigo foi escrito antes da foto, claro, é só uma coincidência feliz. Muito útil, por sinal).

Destaquei o parágrafo que interessa, o penúltimo do artigo. O resto é um mambo jambo sobre “que país os brasileiros querem ter”, como se agenda do professor fosse a única virtuosa. Mas, enfim, vamos ao trecho destacado.

Depois de lamentar que estejamos em uma polarização que nos atazana desde 2018 e de que não tenhamos uma terceira via, desnuda-se o verdadeiro posicionamento político do professor, que é exatamente o mesmo de FHC: Lula é superior em tudo a Bolsonaro. O raciocínio é este: quero uma terceira via, mas entre Lula e Bolsonaro voto em Lula. Reconheço em Lula a legitimidade para comandar o país novamente. Basta “forçar” o PT ao entendimento amplo.

Antes de continuar, só uma observação sobre esta última frase. É estupefaciente que um professor titular de ciência política ainda não conheça a natureza do PT. Não precisa “forçar” o PT a nada. Na hora da eleição, o PT se entende com todo mundo, incluindo o diabo. Depois, na hora de governar, compra o Congresso para poder governar sozinho. Essa é a natureza do escorpião. Lula está doido para entrar em um “entendimento amplo”. Contanto que a hegemonia do partido seja preservada quando se tratar de governar. Fecha parênteses.

Voltemos ao ponto do “desejo” por uma terceira via, desde que o adversário não seja Bolsonaro. Note que este não é um raciocínio exclusivo dos filopetistas. Os filobolsonaristas argumentam exatamente da mesma maneira: gostaria de ter uma terceira via, mas contra o Lula, voto no Bolsonaro novamente. Até criticam Bolsonaro, mas contra Lula não há negociação. Da mesma forma, FHC até critica Lula, mas contra Bolsonaro não há negociação.

Nesse ambiente, não há como prosperar uma terceira via. Mesmo porque, entre filopetistas e filobolsonaristas, não é qualquer terceira via que serve. Nem todo filopetista votaria em Ciro Gomes no primeiro turno. Nem todo filobolsonarista votaria em João Doria no primeiro turno. O fato é que não há um nome de “terceira via” que atraia os que supostamente não gostam das duas opções.

O curioso é que, em princípio, um candidato de terceira via, no segundo turno, tem mais chance de bater Lula no lugar de Bolsonaro, e tem mais chance de bater Bolsonaro no lugar de Lula. Ou seja, se tem alguém que vai entregar o país nas mãos de Bolsonaro ou de Lula novamente são os eleitores desses dois candidatos, não aqueles que votarão em uma terceira via ou em branco no segundo turno. Será um campeonato de menor rejeição, como, aliás, é a característica do segundo turno. Tanto para os anti-bolsonaristas quanto para os anti-lulistas, seria mais inteligente levar um candidato com menor rejeição para o segundo turno. Ocorre que muito anti-bolsonarista é, na verdade, um petista enrustido (FHC e o professor da Unesp são exemplos), e muito anti-petista é, de fato, um bolsonarista enrustido. Tanto para um quanto para o outro, votar em Lula ou em Bolsonaro não é, assim, tããão ruim.

A terceira via só ganha votos de quem vai votar em branco no segundo turno. Ou seja, votos de quem realmente é anti-os dois polos. Estes são uma minoria cada vez menor.

Uma foto

Lula exibiu hoje o seu mais lustroso troféu desde que saiu da prisão: a foto com um aperto de mão (em tempos de pandemia) de FHC.

A foto não é mero detalhe. A foto é o fato político em si. Já comentei aqui algumas vezes que Lula sempre leva a tiracolo seu fotógrafo particular de várias décadas, Ricardo Stuckert, para tirar fotos que valem por mil palavras. Esta é só mais uma. Ele sabe que uma foto cria fatos políticos.

Nada impede que políticos conversem entre si, mesmo, ou até principalmente, se estão em campos opostos. Afinal, a política é a arte de encontrar um denominador comum para seguir em frente. Isso é uma coisa. Outra coisa é tirar uma foto. Uma foto passa uma mensagem.

A mensagem da foto abaixo é a seguinte: eu estou com Lula. Sim, eu sei, a mensagem que FHC queria passar era “eu estou com Lula contra Bolsonaro, caso o candidato do meu partido não passe para o 2o turno”. Foi essa a explicação dada por FHC em um tuíte posterior, como alguém que precisa explicar uma piada (imagem que roubei de alguém mais inteligente do que eu).

Acho que é a primeira vez que vejo alguém declarando voto no 2o turno antes do 1o, sem negociar nada. “Ah, mas contra Bolsonaro vale tudo”. Pois é, vale, inclusive, queimar o candidato de seu próprio partido. Porque, ao declarar apoio a Lula, perde qualquer sentido o papo de “terceira via”. Afinal, para quê terceira via, se Lula está ok? A tal da “polarização” é, na verdade, Bolsonaro contra o resto, Lula incluído.

Digamos, por hipótese, que o segundo turno seja entre um candidato tucano e Bolsonaro. Quem Lula e o PT vão apoiar? Faço a doação do meu dedo mindinho para o Lula se eles apoiarem publicamente os tucanos. Vão, com toda certeza, dizer que são representantes de um mesmo projeto elitista e entreguista. Isso por fora. Por dentro, vão torcer por Bolsonaro, porque sabem que será mais fácil bater o candidato de Bolsonaro em 2026 do que um candidato tucano que tentar a reeleição.

Como disse no início, essa foto é um baita troféu para Lula. É o primeiro apoio recebido de fora de sua bolha, uma espécie de redenção política. E que apoio! Lula está no jogo. Parabéns, FHC.

PS.: Nem entrei no mérito sobre as “credenciais” de Lula, seu passado e sua “obra”. Não vem ao caso para a análise, mesmo porque Bolsonaro também desperta repúdio pelos seus, digamos, predicados. A análise é somente sobre posicionamento político no tabuleiro eleitoral.