Voto útil
Até Eliane Catanhede às vezes acerta. Ela diz o que parece óbvio: o voto em Bolsonaro no 1o turno pode significar a volta do PT ao poder, caso ambos consigam chegar ao 2o turno.
Claro, quem vota em Bolsonaro por convicção, deve permanecer com seu voto. Mas para quem o anti-petismo é maior que seu amor por Bolsonaro, o voto no ex-capitão não é tão óbvio assim.
Alckmin, se for esperto, estimulará o voto útil ainda no 1o turno, a depender da performance do candidato do PT.
O que quer Geraldo Alckmin?
Antes de comentar a nota abaixo, permitam-me relembrar o que escrevi aqui mesmo no dia 19/08:
“Vera Magalhães, no mesmo artigo, define bem a campanha de Alckmin até o momento, a não ser por um detalhe, que comento adiante. Segue o trecho:
“De que vale Geraldo Alckmin juntar 44% do tempo de TV da propaganda eleitoral, um arsenal de deputados e senadores, se quando colocado diante do eleitor ao vivo se comporta como um candidato a prefeito de Pindamonhangaba, enfileirando siglas, falando de matas ciliares, chamando sparrings para fazer pergunta porque não tem coragem de ficar tête-à-tête com aquele que lidera a eleição no Estado em que ele governou quatro vezes? Por que ele acha que esse discurso mole, em tom monocórdio e sem mostrar qual seu projeto de País, sem fixar uma miserável ideia-guia que seja, vai fazê-lo crescer?”
É isso. Alckmin parece perdido.
Para entender essa eleição, é preciso ter em mente que ela corre em dois eixos: esquerda x direita e establishment x anti-establishment. Bolsonaro é claramente direita e anti-establishment. Marina é esquerda e anti-establishment. Os dois lideram as pesquisas no momento, sugerindo que o voto anti-establishment está na frente. Ciro e Álvaro Dias tentam passar por anti-establishment, mas sem o sucesso dos dois primeiros.
Do establishment temos Alckmin e Haddad. Haddad à esquerda e Alckmin…, bem, este é o problema.
O candidato do PSDB se propôs, e isso ficou claro desde o início, a encarnar o candidato de “centro”, que apela aos “isentos”, àqueles que não gostam de radicalismos. Como diria o inefável Kassab, nem direita, nem esquerda, nem em cima, nem embaixo. O resultado é essa gelatina sem sabor que vemos. O brasileiro médio não parece muito disposto a discursos conciliatórios no momento.
Alckmin vem também tentando atacar Bolsonaro no campo da “competência e experiência”, o que resulta nesse discurso insosso que Vera Magalhães descreve muito bem. Além disso, “experiência” não conta muito quando as coisas vão mal (13 milhões de desempregados!). A pergunta óbvia é: se você é tão competente quanto diz, por que as coisas estão essa zerda de dar gosto? Além disso, a experiência é prima-irmã do establishment, e Bolsonaro explora bem esse parentesco.
Geraldo Alckmin precisa se decidir de quem quer roubar votos. Para roubar votos de Bolsonaro, ser “de centro” e “ser mais competente” parece não estar funcionando até o momento. Uma outra tática possível seria atacar as esquerdas em geral e o PT em particular com uma virulência maior do que o capitão. Foi o que fez João Doria em São Paulo com sucesso.
É neste ponto que a análise de Vera Magalhães falha: Alckmin não ganha nada confrontando diretamente Bolsonaro no campo da esquerda, como fez Marina. Este campo já está muito congestionado, até o Meirelles apareceu defendendo as mulheres! Ele precisa mostrar para o eleitorado perdido de São Paulo que é o melhor candidato para enfrentar a esquerda no 2o turno. Para isso, ele precisa atacar a esquerda no 1o turno. Se ele atacar Bolsonaro, ele próprio parecerá pertencer à esquerda, disputando votos com Ciro, Marina e Haddad para enfrentar Bolsonaro no 2o turno. É uma tática mais arriscada.”
Pois é. O gênio político percebeu o que já estava claro desde sempre. Inclusive, a questão do voto útil anti-petista ainda no 1o turno, dada a potencial maior rejeição a Bolsonaro, coisa que também analisei aqui há alguns dias.
No entanto, pode ser muito pouco, muito tarde. Escrevi isso em 15/08:
“O PSDB, com raríssimas exceções, não soube capitalizar o sentimento anti-petista surgido com o mensalão. Digo “surgido” não porque não existisse antes, mas era um fenômeno muito mais restrito. O mensalão mostrou a verdadeira cara desse partido, mas um não sei que de cumplicidade ideológica misturada com o receio de parecer troglodita aos olhos da inteligentzia nacional, fez com que o PSDB colocasse panos quentes sobre o mensalão, sovando o que seriam mais 10 anos de governos petistas.
Hoje, o discurso do PSDB não é muito diferente. “A lei é para todos” é um mote que está longe de satisfazer o anti-petismo. Levar um saco de lixo com a estrela do PT como fez Bolsonaro é o mínimo que se esperava. Não fizeram em 2005, não estão fazendo hoje. Aliás, hoje seria tarde demais. O PSDB perdeu o bonde da história.”
De qualquer forma, só resta a Alckmin o discurso do voto útil anti-petista. Será crível? Será suficiente?
Vai ser difícil
Alckmin tinha 3 caminhos a escolher nessa campanha, em ordem de eficácia em minha opinião: o confronto com o PT, a ideia de eficiência administrativa e a ideia de conciliação.
A ideia de eficiência pode ser combinada com a primeira e a terceira, mas não ser o eixo central da campanha, pois não empolga, não move as pessoas. Restam o confronto e a conciliação. A ideia de conciliação é atraente: afinal, os extremos normalmente são minoritários, o centro costuma ser uma avenida larga. O problema não está na ideia em si, mas na pessoa que encarna essa ideia.
Alckmin, ao falar de conciliação, soa a passar a mão na cabeça de esquerdista, de bandido ou de golpista, dependendo de quem ouve. Pertence a um partido que foi co-autor, por omissão, do desastre petista. Tem parte no “golpe”. E é apoiado pela nata da bandidagem.
João Doria, na campanha pela prefeitura de São Paulo, teria espaço para essa linha “conciliatória”. Apesar de pertencer ao PSDB, era neófito na política, visto como um outsider. Mesmo assim, optou por uma campanha agressiva anti-PT. Ganhou no 1o turno.
Esse figurino que Alckmin quer vestir ficaria bem em Luciano Huck ou Joaquim Barbosa. Veste melhor, inclusive, em Marina Silva. Alckmin, como “o conciliador”, somente reforça a imagem de um PSDB pusilânime.
Vai ser difícil.
A culpa jurídica e a culpa política
Estes são trechos de uma reportagem no Valor de hoje, bastante embaraçosa, como usual, aos governos tucanos em São Paulo.
Confesso que tenho lido com avidez essas reportagens sobre o “escândalo do Rodoanel”, procurando as evidências que o transformassem em algo semelhante ao Petrolão. Toda vez que leio, no entanto, a coisa fica nas declarações dos procuradores, que “ainda estão investigando”.
Claro, sempre podem surgir as evidências da corrupção envolvendo diretamente Alckmin. Por enquanto, o único elemento direto é o codinome “Santo” na planilha da Odebrecht. Parece pouco para uma condenação.
Lula foi fotografado com Léo Pinheiro no triplex, e a PF e o MPF conseguiram rastrear competentemente o caminho do dinheiro. No caso de Alckmin, a julgar pelos trechos acima, estamos longe, muito longe disso acontecer.
Temos, então, duas hipóteses. A primeira é que Alckmin é culpado, e mais competente que Lula em esconder seus crimes. A segunda, é que ele é inocente.
Obviamente, um político pode ser inocente do ponto de vista jurídico, mas mesmo assim continuará culpado do ponto de vista político. Alguém se lembra do “cartel dos trens” em São Paulo? Ninguém fala mais disso, não sei onde está esse processo, mas estará na conta dos tucanos politicamente para sempre.
É incrível como o Petrolão, da lavra exclusiva do PT, PMDB e PP, serviu para comprometer a classe política como um todo. Isso aconteceu porque o PT foi muito competente e o PSDB muito incompetente, em termos politicos. O PT aproveitou-se da tendência do cidadão comum de achar que “político é tudo igual”, enquanto o PSDB, para não variar, foi pusilânime na crítica ao PT.
Bolsonaro é visto como “o cara honesto” que vai acabar com essa pouca-vergonha. Para quem pensa assim, tenho uma má notícia: isso é impossível, politicamente falando. Basta ver o que já aconteceu, com a tal da “Val do Assaí”. E não, não estou querendo comparar a Val com o Rodoanel. É que Bolsonaro só tem a verba do gabinete para teoricamente se locupletar. Quando tiver todo o orçamento nacional nas mãos, outras Vals, desta vez bilionárias, grudarão no seu currículo. Sendo ele inocente ou não. Esse é o jogo político.
Então ficamos assim: ou político é tudo ladrão e, neste caso, Bolsonaro é somente um político que ainda não teve acesso a grandes orçamentos, ou há políticos íntegros, e devemos aguardar o fim das investigações criminais para condena-los. Afirmar, a priori, que Bolsonaro é íntegro e Alckmin é bandido não cabe nem em uma nem em outra hipótese, trata-se somente de um desejo.
Eu particularmente prefiro aguardar o desfecho das investigações antes de fazer um juízo definitivo sobre o caráter de qualquer político. Não compactuo com essa visão de que “político é tudo igual, tudo ladrão”. Se isso fosse verdade, Bolsonaro representaria apenas a troca de uma turma por outra. Os mais cínicos dirão que esta pode ser uma vantagem, dado que a nova turma terá que começar a roubar do zero. Ok, mas receio que, se isto for verdade, decepcione grande parte dos bolsonaristas, que descobrirão que o capitão não passa de um político como outro qualquer.
A estratégia de Alckmin
Vera Magalhães, hoje novamente no Estadão, continua sua patacoada sobre a “vitória de Marina sobre Bolsonaro” no debate. Peço, por favor, que quem não tenha visto, procure no YouTube esta parte, e veja com seus próprios olhos. Esta é a melhor vacina contra fake news.
Mas não é sobre isso que quero escrever. Vera, no mesmo artigo, define bem a campanha de Alckmin até o momento, a não ser por um detalhe, que comento adiante. Segue o trecho:
“De que vale Geraldo Alckmin juntar 44% do tempo de TV da propaganda eleitoral, um arsenal de deputados e senadores, se quando colocado diante do eleitor ao vivo se comporta como um candidato a prefeito de Pindamonhangaba, enfileirando siglas, falando de matas ciliares, chamando sparrings para fazer pergunta porque não tem coragem de ficar tête-à-tête com aquele que lidera a eleição no Estado em que ele governou quatro vezes? Por que ele acha que esse discurso mole, em tom monocórdio e sem mostrar qual seu projeto de País, sem fixar uma miserável ideia-guia que seja, vai fazê-lo crescer?“
É isso. Alckmin parece perdido.
Para entender essa eleição, é preciso ter em mente que ela corre em dois eixos: esquerda x direita e establishment x anti-establishment. Bolsonaro é claramente direita e anti-establishment. Marina é esquerda e anti-establishment. Os dois lideram as pesquisas no momento, sugerindo que o voto anti-establishment está na frente. Ciro e Álvaro Dias tentam passar por anti-establishment, mas sem o sucesso dos dois primeiros.
Do establishment temos Alckmin e Haddad. Haddad à esquerda e Alckmin…, bem, este é o problema.
O candidato do PSDB se propôs, e isso ficou claro desde o início, a encarnar o candidato de “centro”, que apela aos “isentos”, àqueles que não gostam de radicalismos. Como diria o inefável Kassab, nem direita, nem esquerda, nem em cima, nem embaixo. O resultado é essa gelatina sem sabor que vemos. O brasileiro médio não parece muito disposto a discursos conciliatórios no momento.
Alckmin vem também tentando atacar Bolsonaro no campo da “competência e experiência”, o que resulta nesse discurso insosso que Vera Magalhães descreve muito bem. Além disso, “experiência” não conta muito quando as coisas vão mal (13 milhões de desempregados!). A pergunta óbvia é: se você é tão competente quanto diz, por que as coisas estão essa zerda de dar gosto? Além disso, a experiência é prima-irmã do establishment, e Bolsonaro explora bem esse parentesco.
Geraldo Alckmin precisa se decidir de quem quer roubar votos. Para roubar votos de Bolsonaro, ser “de centro” e “ser mais competente” parece não estar funcionando até o momento. Uma outra tática possível seria atacar as esquerdas em geral e o PT em particular com uma virulência maior do que o capitão. Foi o que fez João Doria em São Paulo com sucesso.
É neste ponto que a análise de Vera Magalhães falha: Alckmin não ganha nada confrontando diretamente Bolsonaro no campo da esquerda, como fez Marina. Este campo já está muito congestionado, até o Meirelles apareceu defendendo as mulheres! Ele precisa mostrar para o eleitorado perdido de São Paulo que é o melhor candidato para enfrentar a esquerda no 2o turno. Para isso, ele precisa atacar a esquerda no 1o turno. Se ele atacar Bolsonaro, ele próprio parecerá pertencer à esquerda, disputando votos com Ciro, Marina e Haddad para enfrentar Bolsonaro no 2o turno. É uma tática mais arriscada.
Marina, por outro lado, ganha muito atacando Bolsonaro. O campo dela é o da esquerda, e ela precisa mostrar para este campo que é a mais competente para bater o capitão no 2o turno. Assim, temas como mulheres e armas, tão caras à esquerda, são a sua matéria-prima natural. É justamente o inverso de Alckmin.
Enfim, apesar de todo o seu arsenal, esta eleição não será fácil para Alckmin. Ele juntou muitos exércitos no tabuleiro, mas parece que está em busca de uma estratégia para vencer a guerra. Ou melhor, parece não saber que guerra está lutando.
PS.: toda essa análise pode ir por água abaixo depois de iniciada a campanha na TV. Alckmin tem arsenal para fazer uma guerra de “rolo-compressor”, em que mesmo uma estratégia equivocada é compensada pelo tamanho descomunal dos exércitos. Por isso, essa eleição está completamente aberta.
Deixando claro
Você já imaginou o Lula fazendo questão de deixar claro que seu candidato é do PT e não de outro partido? Pois é…
A alternativa Marina Silva
Começo a ouvir, aqui e ali, nos meus variados círculos de influência, que o voto em Marina seria uma alternativa.
Gente que, em outras épocas, votaria em Alckmin de olhos fechados e que, ao mesmo tempo, não consegue engolir o capitão.
Para esse pessoal, o esquerdismo não é um problema fundamental. Na verdade, é até desejável uma certa “preocupação social”. É o perfil de FHC, que, a esta altura, deve estar torcendo secretamente por Marina, depois que seu projeto Luciano Huck fez água.
Marina parece ter, eleitoralmente falando, o defeito de Bolsonaro sem ter a sua virtude. Seu defeito é não ter apoios e tempo de TV. A virtude que lhe falta é o carisma, que sobra ao capitão.
Marina, no entanto, compartilha com Bolsonaro uma virtude comum, que é, ao mesmo tempo, um defeito: está longe do establishment. Virtude pelo óbvio que é não fazer parceria com bandido. Defeito (e acredito ser este o único motivo que segura os votos de Alckmin) pela também óbvia dificuldade em governar. Aqueles que votam em Bolsonaro e Marina acreditam que a governabilidade vem com o voto. Aqueles que votam em Alckmin, não acreditam nisso. Estes últimos têm Collor e Dilma para corroborar sua tese.
Marina torna-se, assim, uma alternativa anti-establishment da centro-esquerda. Aquilo que o PSDB gostaria de ser, se fosse possível governar sem o Centrão.
Como eu disse, começo a ouvir, aqui e ali, pessoas dizendo que Marina poderia ser uma alternativa. Pessoas que votariam em Alckmin, mas não acreditam que o apoio do Centrão será suficiente para fazê-lo decolar nas pesquisas. Ou pior: acreditam que o apoio do Centrão pode ser a pá de cal na sua candidatura.
Marina aparece em 2o lugar em todas as pesquisas. Leio e ouço muitos analistas políticos, e uma das poucas unanimidades entre eles é que Marina vai desidratar ao longo da campanha, com seus votos migrando para Alckmin ou para o candidato do PT. Também pensava assim. Começo a ficar com a pulga atrás da orelha.
Esta eleição está longe de ser óbvia. Ninguém está fora do páreo. Ninguém.
Aguardando
Bolsonaro entrou com pedido de impugnação de Lula.
Aguardando o pedido de Alckmin.