O governo federal acaba de lançar uma “plataforma de checagem de informações“, no melhor estilo “agência de checagem”, com direito a um filmete de apresentação de 1 minuto (coloquei o link nos comentários).
Antes de entrar na “plataforma” propriamente dita, vale comentar o filmete, pois o contraste com o conteúdo da “plataforma” é chocante.
Em um minuto, o filmete publicitário manda as seguintes mensagens:
1. Os brasileiros precisam se unir contra o ódio
2. Informações falsas podem destruir a democracia
3. Informações falsas podem destruir famílias
4. Informações falsas podem destruir reputações
5. Informações falsas podem destruir vidas
6. É hora de frear o ódio
7. É hora de parar de repassar informações falsas
8. Quem espalha fake news, espalha destruição
Tudo isso embalado em muito choro, sorrisos, abraços, enfim, um clima bem emotivo.
Aí, você vai até a “plataforma”. O que você encontra? Uma série de refutações de “notícias falsas” contra o próprio governo e, claro, contra Lula.
Alguns exemplos:
“É falso que governo Lula mandou desligar bombas do São Francisco”
“É falso que ministério da Fazendo vai taxar setor de games”
“É falso que Lula levou mais de 400 presentes da Presidência”
E por aí vai. Tem espaço, inclusive, para “esclarecimentos” do governo. Por exemplo:
“Governo Federal esclarece sobre live com primeira-dama em canal no youtube”
“Esclarecimentos sobre os dados de desmatamento na Amazônia Legal jan/fev 2023”
Vários desses desmentidos são reproduções de levantamentos já anteriormente feitos por agências de checagem. Fica a questão: o governo irá reproduzir todos os desmentidos, ou somente aqueles que lhe interessam?
Alguns “esclarecimentos” são mero pretexto para exercer a hagiografia do presidente. Por exemplo:
“Presidente não disse que pobre deve esperar ajuda do governo.
A frase tirada de contexto, em vídeos editados postados em redes sociais, transmite uma ideia que não condiz nem com o legado e nem com a missão do presidente Luíz Inácio Lula da Silva”.
E, finalmente, como não poderia deixar de ser, não falta espaço também para fake news. Por exemplo, quando a “plataforma” refuta a notícia de que Ludmila teria recebido R$ 5 milhões da Lei Rouanet. Na verdade, foi a Lei do Audiovisual, mas a frase que finaliza o esclarecimento é fake: “Vale lembrar que nem a Lei do Audiovisual e nem a Lei Rouanet têm recursos transferidos diretamente do Tesouro previstos no Orçamento. Ou seja: o governo não tira dinheiro de outras áreas para financiar a cultura do país”. A verdade é que tira sim: isso se chama “gasto tributário”, em que o governo abre mão de impostos para fomentar alguma política pública. E “gastos tributários” estão previstos no orçamento. Se não fosse gasto, estaria criada a fonte da eterna juventude, em que se pode ter todos os bens do mundo sem gasto nenhum.
Em resumo: para quem acreditou no filmete, e esperava, finalmente, um Brasil livre das fake news, onde o leite e o mel correriam livremente, recebeu uma página em que o governo se defende. É o governo determinando como as notícias sobre si próprio devem ser corretamente interpretadas. Se isso não é autoritário, então perdi o sentido das palavras.