“Ruídos”

O economista Nilson Teixeira passou a campanha inteira defendendo o voto em Lula. Seus argumentos não eram diferentes dos apresentados em sua coluna de ontem no Valor, procurando justificar o discurso do presidente eleito no último dia 10, e que provocou uma comoção nos mercados.

Apenas para lembrar, Lula afirmou, entre outras coisas, que não se pode sacrificar os pobres em nome da “tal responsabilidade fiscal”. Para bom entendedor pingo é letra. Mas vejamos os argumentos do economista.

Nilson começa dizendo que o discurso se justifica tendo em consideração o “público presente”.

Lula estaria fazendo um discurso interno, sob medida para agradar os seus. Bem, esse argumento tem duas falhas: 1) Lula não está mais em campanha. Estaria na hora de, já eleito, mostrar a que veio. E, provavelmente, foi isso o que aconteceu; 2) E, mesmo que estivesse em campanha, Lula é Lula, não precisa fazer muito para segurar os seus consigo.

Em seguida, Nilson lança mão da carta “experiência” (chamada de “vivência política”) para acreditar, a priori, que a dupla Lula-Alckmin não faria loucuras no campo fiscal. Seria um bom ponto se o diagnóstico da dupla coincidisse com o diagnóstico do mercado financeiro, Nilson incluído. O grande erro é achar que, por todos concordarem que a inflação é um mal e o crescimento econômico é um bem, todos concordam também a respeito do diagnóstico sobre o que causa a inflação e o crescimento econômico.

Por exemplo, ontem, ao apresentar a PEC do waiver (R$ 200 bi além do teto!), Alckmin justificou os gastos adicionais, entre outras coisas, “para o investimento para a retomada do crescimento”.

Está aí um exemplo claro de dissonância entre o mercado e a dupla Lula-Alckmin sobre o conceito de responsabilidade fiscal. Para o mercado, responsabilidade fiscal significa manter a dívida sob controle, o que permitiria inflação e juros mais baixos, fomentando, assim, os investimentos privados e o crescimento econômico. Para a dupla Lula-Alckmin, responsabilidade fiscal significa dotar o Estado de instrumentos para fomentar o crescimento econômico, por meio de investimentos produtivos (oferta) e distribuição de renda (demanda), o que, por si só, geraria um equilíbrio macroeconômico benigno. Os governos Lula 2 e Dilma 1 tinham exatamente o mesmo entendimento, com os resultados conhecidos.

Essa dissonância fica ainda mais clara quando Nilson afirma que “não houve, durante a campanha eleitoral, nenhuma indicação de que a inflação seria tolerada”. Chega a ser pueril. Que político, no Brasil, vai afirmar que “não está nem aí para a inflação”? O economista assume que, por “não tolerar inflação”, a dupla Lula-Alckmin vai adotar o modelito Faria Lima de estabilização da moeda. E, com base nesse entendimento, deveríamos simplesmente ignorar todos os sinais na direção contrária. Haja fé!

O fato nu e cru é que a PEC dos R$ 200 bi sequer passou pela equipe de transição, que, à exceção de Persio Arida, não são exemplo de ortodoxia. O que demonstra que a dupla Lula-Alckmin está pouco se lixando para qualquer consideração técnica. Para desgosto dos faria limers que apostaram no “bom senso” da experiente e sensata dupla que vai comandar os destinos do país nos próximos 4 anos.

A ilusão da agenda auto-evidente

Nilson Teixeira é um economista respeitado pela Faria Lima. Ficou famoso quando, em 2012, à época no Credit Suisse, arrumou uma treta com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao prever crescimento de apenas 1,5% para aquele ano. Era um número muito menor que a média do mercado, e o economista foi espinafrado por Mantega. No final, o PIB cresceu 1,8% naquele ano, mostrando o acerto do economista.

Hoje, Nilson Teixeira publica um artigo com a seguinte tese: o presidencialismo de coalização está morto, na medida em que as emendas parlamentares se tornaram impositivas. Dessa forma, precisamos de um presidencialismo de conciliação, em que o convencimento político torna-se central para a execução dos planos do governo. E, continua a tese, Lula seria o candidato melhor preparado para esse novo arranjo, pois conseguiu congregar vozes diferentes em seu governo anterior e sinalizou abertura a outros pontos de vista com o namoro com Alckmin.

Tendo a concordar com Nilson: Lula, de fato, é o candidato mais preparado para fazer uma grande “conciliação nacional”, com STF, com tudo. Seus métodos já são conhecidos. Mas não é este o ponto a que eu gostaria de chamar a atenção.

Nilson Teixeira, e ele não está sozinho na Faria Lima nessa percepção, entende que existe uma agenda que se autoimpõe, os “ajustes necessários” e as “transformações no país”, em suas palavras, contariam com uma espécie de unanimidade nacional. Bastaria um “conciliador” que conseguisse coordenar os esforços políticos na direção já definida por essa unanimidade auto-evidente.

Obviamente, não é o caso. Lula e o PT têm uma agenda própria, que não se cansam de divulgar para quem tem ouvidos de ouvir. Como qualquer agenda, deverá ter resistências no Congresso, e Lula precisará usar todas as suas habilidades de “conciliação” para fazer avançá-la. Mas o importante é entender que essa agenda não contempla os “ajustes necessários” que estão na cabeça de Nilson Teixeira e dos farialimers. Pode até ser aprovada uma coisa ou outra dessa agenda para “acalmar os mercados”, mas a direção é claramente outra.

Enfim, parece-me que Nilson Teixeira sofre da ilusão de que os mercados acabam por levar os governos para a direção certa. Se assim fosse, não haveria políticas econômicas equivocadas. A Argentina é exemplo de país em que os mercados esgoelaram até ficarem roucos, e não impediram políticas insanas. A única forma de termos políticas econômicas racionais é eleger políticos convencidos das virtudes dessas políticas. O resto é exercício de self denial.