O dia da marmota do subdesenvolvimento

Vamos para o 3o ano com o chamado “auxílio emergencial”. O governo já poderá pedir música no Fantástico.

Só relembrando: o auxílio emergencial foi aprovado para suplementar a renda daqueles que, por força da pandemia, não podiam sair de casa para trabalhar. Hoje, com a economia praticamente toda aberta e funcionando totalmente, perde o sentido. Mas aí começam as justificativas: “o desemprego está alto!”. “A inflação está alta!”. Quer dizer, enquanto tivermos desemprego e inflação “altos”, vamos continuar pagando o tal do auxílio emergencial. Estou tentando lembrar alguma época em que o desemprego não fosse alto no Brasil. Foram raros os momentos em que tivemos desemprego abaixo de 10%. O que seria um desemprego “baixo” que dispensasse o auxílio emergencial?

Alguns poderão dizer: “ah, pra você é fácil ficar ditando regras, você está empregado e tem 5 refeições por dia! Queria ver você na situação desses necessitados!”. Pois é, os pobres (“invisíveis”, na nova nomenclatura) são sempre o escudo usado para deixar tudo como está. Afinal, quem é o desalmado que vai negar esse auxílio aos mais necessitados? São só R$ 40 bilhões em um orçamento de R$1,6 trilhões.

O problema é essa maldita regra do Teto de Gastos. Os tais R$ 40 bilhões não cabem. Precisa ser por fora. E, assim, usando os pobres como escudo, mantém-se intactos os outros R$ 1,6 trilhões de gastos federais, como se fossem gastos determinados no Monte Sinai pelo próprio Deus e não pudessem ser discutidos. O auxílio emergencial é só mais um na longa lista, construída em décadas, de “gastos sociais” do governo. Na verdade, cada real dos R$ 1,6 trilhões gastos anualmente se justificam como uma ação para minorar a desigualdade de renda no país. Afinal, saúde gratuita, educação gratuita, justiça gratuita, tudo isso custa dinheiro. O fato é que, gastando 1/3 do PIB nas 3 esferas do governo para prover serviços gratuitos para a população, ainda assim temos uma das piores distribuições de renda do mundo. Quanto mais precisaremos gastar para sermos um país mais “igualitário”?

Como o governo não cria dinheiro, os recursos para pagar o auxílio emergencial e todos os outros R$ 1,6 trilhões de gastos só podem ter duas fontes: impostos e dívidas. Hoje, o governo federal arrecada cerca de R$ 1,45 trilhões em impostos e toma R$ 150 bilhões em dívida para fechar as contas. Aliás, desde 2014 precisamos nos endividar para pagar as contas. Quem empresta o dinheiro, tem confiança de que, em algum momento do futuro, terá seu dinheiro de volta. Se a confiança diminui, cobrará mais caro para se proteger do calote. E “calote”, neste caso, significa inflação. Inflação alta e juros altos levam a crescimento baixo, o que torna mais difícil a tarefa de diminuir o desemprego. Mas nada que um novo “auxílio” não resolva. E assim, vivemos o nosso dia da marmota do subdesenvolvimento.

O poder paralelo das agências reguladoras

É bem conhecida a passagem da Odisseia em que Ulisses se fez amarrar ao mastro do seu navio para não sucumbir ao canto das sereias. Trata-se de uma alegoria para ilustrar a luta dos homens contra o poder das tentações.

Lembrei dessa passagem quando vi mais um presidente revoltado contra o “poder paralelo” das agências reguladoras. Bolsonaro pergunta se as agências reguladoras têm mais poder que o presidente ou o Congresso.

Não foi original. Lula já tinha atacado o “poder paralelo” das agências, assim como Dilma. Ambos ajudaram a enfraquecer as agências reguladoras, caminho aparentemente seguido por Bolsonaro. Nenhum dos três parece ter entendido o papel das agências.

As agências reguladoras de Energia Elétrica, Telecomunicações e outras foram criadas por FHC para estabelecerem critérios técnicos de concorrência e preços em seus respectivos setores. Não há absolutamente nenhuma concorrência com o papel reservado ao Presidente ou ao Congresso, que têm o poder de determinar onde o Orçamento Público será gasto, o que não é pouco.

O exemplo mais claro de agência independente é o Banco Central. Estamos discutindo a independência do BC, para que as decisões dessa agência não estejam ligadas aos interesses populistas do governante de plantão. O mesmo ocorre com as outras agências: devem ser independentes para tomarem as decisões mais adequadas do ponto de vista técnico dentro dos seus respectivos campos. Não se trata de “ditadura das agências”, mas de amarrar o governante ao mastro do navio para evitar de cair na tentação de adotar políticas populistas que podem até funcionar no curto prazo, mas são deletérias para a economia em prazos mais longos. Estamos cheios de exemplos nessa pobre América Latina.

Vejamos como isso se aplica ao caso específico dos subsídios aos painéis solares (“taxa do sol” é nome fantasia usado para confundir os incautos). A Aneel fez estudos técnicos e concluiu que os subsídios começam a não fazer sentido e estão onerando demasiadamente os consumidores. Então, propôs um cronograma de transição para a redução desses subsídios. Até aqui, estamos falando dos preços da energia elétrica, que são fruto de políticas determinadas pela agência reguladora, com base em leis aprovadas no Congresso.

Agora, se Bolsonaro ou o Congresso quiserem manter o subsídio, podem aprovar recursos no orçamento para tal. Deixariam, assim, explícito o custo da bondade, que precisaria sair diretamente dos cofres públicos, e não cobrados às escondidas dos consumidores de eletricidade. Mas, sabe como é, populismo que é bom é aquele que não mostra os seus custos.

Tecnologia em controle de preços

Hahahahaha

Podemos exportar tecnologia para os chilenos. Tivemos 5 planos de controles de preços, somos experts mundiais no assunto.

Os chilenos não estão contentes em viver em um país onde as coisas funcionam, querem sentir na pele o que são prateleiras vazias. Cada um com seu gosto.

O populismo é insaciável

Quando houve as manifestações de 2013, o governo Dilma respondeu do jeito PT: uma lista de 5 grandes programas, dos quais 4 ficaram na promessa. O único que saiu do papel foi o Mais Médicos. Ou seja, Dilma aproveitou os protestos para tocar a sua própria agenda. A outra única concessão foi o município de São Paulo voltar atrás no aumento dos ônibus (o que havia sido o estopim dos protestos). O resultado é que hoje José Serra está tentando passar no Senado uma lei que permite aos municípios adiar o pagamento de precatórios, de modo a dar um fôlego para o caixa da cidade. Sim, aquele subsídio está sendo pago até hoje.

Piñera, no Chile, está indo muito além de cancelar o aumento dos transportes. Mexeu em pedágios, aumentou o salário mínimo e, agora, voltou atrás em uma isenção tributária para empresas, entre outras benesses. Mas os protestos não param. E não param por dois motivos.

Primeiro, porque são protestos políticos. Note que, nas reportagens do que está acontecendo no Chile, você sempre vai tropeçar com o nome de Pinochet. Piñera, nesse contexto, seria como que herdeiro das políticas da ditadura. Anteontem publiquei um post calculando a aposentadoria de uma chilena chamada Eugenia. Não descrevi naquele post o contexto, mas conto aqui: Eugenia é funcionária pública e estava chupando limões para compensar os efeitos do gás lacrimogêneo. Diz ela que estão na terra de Pinochet, então estão acostumados a chupar limões. I rest my case.

A segunda razão pela qual os protestos não param tem a ver com a insaciabilidade do ser humano. Por que um salário mínimo de X, e não de X+1? E por que de X+1 e não de X+2? Ao ceder rapidamente, Piñera mostrou fragilidade. É óbvio que vão querer mais, sempre mais. Como disse o cientista político da reportagem, se era assim tão fácil, por que demorou a fazê-lo? De onde se segue que, com um pouco mais de pressão, o governo cede mais.

Assim como as manifestações de 2013, estas também terminarão. E teriam terminado por esgotamento, com Piñera fazendo ou não concessões. As concessões feitas custarão caro ao povo chileno e não evitarão que Piñera perca o poder nas próximas eleições. Porque, se é para ter políticas populistas, melhor votar no original do que na imitação, não é mesmo?

Let me try again

Artigo hoje no Valor, basicamente defendendo que o FMI deveria suportar os déficits fiscais da Argentina enquanto o país não volte a crescer. Afinal, a austeridade já se mostrou deletéria, e é hora de tentar “outra coisa”. Como se essa “outra coisa” não tivesse levado a Argentina para o buraco onde se encontra.

Tenho um amigo que tem primos argentinos. Segundo ele, dois deles são funcionários públicos e contam com 55 dias úteis de férias por ano, viajam para o exterior todo ano e moram bem. Ambos são peronistas e estão vibrando com a vitória de Alberto Fernandez.

Sim, o FMI deveria promover políticas fiscais expansionistas na Argentina. Afinal, como os primos do meu amigo vão conseguir manter o seu padrão de vida?

Otimismo moderado

A Argentina precisava mesmo de um presidente com ideias novas e arejadas para tirar o país do buraco.

Congelamento de preços e um grande pacto social com os empresários para repor salários são ideais realmente originais, uma lufada de ar fresco no viciado ar liberal argentino.

Estou moderadamente otimista.

Um milhão de pessoas nas ruas!

Agora sim, temos a classe média chilena pedindo o fim do governo Piñera, e não meia dúzia de narizes-sujos.

É o fim de Sebastian Piñera, assim como 2013 foi o fim de Dilma Rousseff. É só uma questão de tempo. Esse tanto de povo na rua é o fim de qualquer governo.

Piñera saudou a multidão em seu Twitter: “La multitudinaria, alegre y pacífica marcha hoy, donde los chilenos piden un Chile más justo y solidario, abre grandes caminos de futuro y esperanza”. Blá, blá, blá. Esse palavrório não significa nada. Ou melhor, significa. Significa que o governo vai abrir as burras para satisfazer os grupos de pressão que gritarem mais alto.

O Chile tem orçamento para que Piñera distribua bondades. Orçamento este construído em anos e anos de austeridade. Mas o povo é insaciável. As bondades distribuídas logo serão insuficientes, e outras se seguirão. Até o Estado quebrar, como aconteceu no Brasil, Argentina e Venezuela. E o Chile acabará como esses 3 países: quebrado, com uma distribuição de renda pior e o povo em pior situação. Esse é o destino de todo governo populista.

A dicotomia hoje não se dá entre liberalismo vs socialismo. A verdadeira dicotomia se dá entre populismo vs responsabilidade. Populismo que pode ser “de direita” ou “de esquerda”, tanto faz. O que importa é tirar dinheiro em silêncio de um dos bolsos do povo e devolver para o outro bolso do povo com o máximo estardalhaço possível. Será um governo “mais justo e solidário”. Assim é se assim lhe parece.

A sina da América Latina

Notícias extraídas do jornal O Estado de São Paulo

Uma vez latino-americano, sempre latino-americano.

Tivemos um dia a ilusão de que o Chile fosse se transformar na Europa dentro da América Latina, servindo como exemplo para os seus vizinhos.

Mas não, foi o contrário. O Chile é que está sendo arrastado pela pesada herança latino-americana. As declarações dos jogadores da seleção, todos regiamente pagos no futebol europeu, ressoam as “veias abertas da América Latina”. “Justiça social!”, gritam. Desde que seja com o dinheiro dos outros.

Sebastian Piñera entregou os Sudetos para os manifestantes apenas cinco dias depois de iniciados os atos de vandalismo. Margareth Thatcher aguentou mais de um ano de greves contra o seu programa econômico. Mas era Margareth Thatcher. Nossos líderes também são latino-americanos, não se esqueça.

Congelamento de preços de tarifas é o inicio do fim. O Chile atingiu o seu pico, e agora é ladeira abaixo. Daqui a dez anos, descobriremos que a renda do Chile estagnou. Guardem essa previsão e me cobrem.

O Brasil não é diferente. Estamos fazendo reformas liberalizantes por precisão, não por boniteza. O dinheiro simplesmente acabou. Quando voltar a sobrar um pouco, voltaremos à esbórnia. Faz parte do nosso DNA, do DNA latino-americano: esperamos tudo de um Estado que está aí para resolver nossos problemas. “Igualdade” é só um outro nome para estatolatria.

Guinada populista?

Em seu artigo de hoje, Bruno Carazza levanta a hipótese de uma guinada populista por parte de Bolsonaro, assustado que estaria com o destino de sua contraparte na Argentina.

Fiquei imaginando como seria essa “guinada populista”, dado que os problemas brasileiros, hoje, são bem diferentes dos da Argentina.

A inflação é baixa. Portanto, está descartado um congelamento de preços.

As reservas internacionais são gigantescas e o déficit em conta corrente é muito baixo. Portanto, não cabe um controle de capitais.

Somos credores internacionais, não devedores. Portanto, um calote da dívida externa parece não ser necessário.

A dívida interna é um problema, mas com tomadores cativos a taxas cada vez mais baixas, rolar não parece ser um problema. Portanto, um calote da dívida interna acho que não está no cardápio.

Restam os problemas do baixo crescimento e do desemprego. São muitos e bons economistas que vêm debatendo este assunto. Os muitos, que não são bons, vêm defendendo que o governo incentive a economia a la Dilma: subsídios, redução de juros na marra, essas coisas. Os bons, que não são muitos, preferem a saída ortodoxa que funciona no longo prazo: reformas microeconômicas com o objetivo de aumentar a produtividade da economia.

Espero sinceramente que Bolsonaro continue a dar ouvidos aos bons economistas e resista à tentação da guinada populista. Porque a legião dos muitos economistas heterodoxos só faz crescer. Vide a Argentina.