Estamos ainda muito distantes de viver em uma sociedade em que a livre iniciativa, cláusula pétrea da Constituição brasileira, seja uma realidade nos corações e mentes dos brasileiros.
Hoje o Estadão traz uma reportagem em tom de denúncia sobre a “terceirização” dos serviços do Uber. Pessoas estariam montando pequenas frotas e contratando motoristas, cobrando taxas e, oh horror, exigindo parte dos lucros. Isso mesmo, exigindo! Esse foi o verbo usado no título da reportagem.
Os jornalistas que cometeram essa reportagem, coitados, não têm culpa. Foram formados no caldo de cultura do capitalismo de Estado, aquele em que o governo deve regular a atividade econômica, e em que lucro pode, desde que não seja “abusivo”. Os jornalistas refletem apenas a opinião do “brasileiro médio”.
A reportagem acusa os motoristas do Uber (com conivência e até incentivo da empresa, cabe notar) de caírem nas mesmas práticas dos taxistas, que compram alvarás para explorá-los comercialmente. Não entendem, os jornalistas e os brasileiros, a diferença básica, fundamental, filosófica, entre uma prática e outra. Enquanto os taxistas negociam uma benesse do Estado, em que este regula o tamanho do mercado, os motoristas do Uber podem, a qualquer tempo e hora, adquirir um carro e sub-contratar outro motorista. Não há limite, a não ser o tamanho do próprio mercado. Não há um ente superior, que decide quem pode ou quem não pode atuar. Há apenas o equilíbrio entre demanda e oferta.
Imagine, por um momento, que a Prefeitura regulamentasse o Uber, e proibisse a sub-contratação. Somente os motoristas que tivessem capital ou linha de crédito para adquirir um veículo poderiam atuar. O mercado de motoristas de Uber seria muito menor, e dois mercados ficariam desatendidos: o de motoristas que não podem adquirir um carro e, obviamente, o de usuários.
O tom da reportagem é de “exploração”, bem típico da leitura marxista do capitalismo. Os sub-contratados estariam “sofrendo exploração” na mão dos donos do capital. Quando, na verdade, estes “motoristas sem capital” conseguiram um emprego que, de outra forma, lhes estaria vedado. Estariam engrossando a lista dos 11 milhões de desempregados do país, muitos deles fruto de políticas que visam proteger os “direitos dos trabalhadores”.
O que os jornalistas não entendem é que possa haver um contrato livremente estabelecido entre duas pessoas adultas e responsáveis. E que isso a que eles chamam de “exigência de parte dos lucros” nada mais é do que uma cláusula livremente negociada, a que o motorista adere se lhe for conveniente. Sem as amarras da CLT, que só servem para discurso de sindicato.
Claro, não faltaram as vozes dos chamados “especialistas”, alertando para uma possível queda na “qualidade do serviço”. Fiquei sem entender porque um motorista dono do próprio carro serve melhor do que um outro motorista sem carro. Mas digamos, por hipótese, que isso aconteça de fato. Neste caso, o Uber deixaria aos poucos de ser usado, este negócio deixaria de ser lucrativo e, adivinha, os motoristas sem carro seriam demitidos. O mercado se ajustaria. Claro que ao Uber isso pouco interessa, e é o primeiro a se preocupar em manter o nível do serviço. Se a empresa incentiva a prática da terceirização, é porque se julga capaz de manter o nível do serviço.
Por fim, a cereja do bolo: o depoimento de um motorista do Uber que investiu no próprio veículo, e acha desleal a concorrência dos motoristas “sem-carro”. Ele espera que a Prefeitura regulamente logo a atividade para, segundo ele, “regular a concorrência”. Essa é a mentalidade! O que importa é proteger o mercado e os lucros. O usuário final que se lasque! De que lado você acha que a Prefeitura e os vereadores vão se postar?