Uma reforma que distribui renda

A economista Adriana Dupita, da corretora do Santander, publicou um estudo muito bom sobre a reforma da Previdência. Seu principal ponto é que a reforma, além da questão fiscal, endereça outro ponto fundamental para um país desigual como o Brasil: trata-se de uma reforma que redistribui renda. Copio as principais conclusões a seguir:

· A reforma traz efeitos redistributivos diretos e indiretos. Os efeitos diretos vêm da correção de duas grandes distorções, ao eliminar a aposentadoria por tempo de contribuição e impor aos inativos do setor público o mesmo teto de benefícios válido para os aposentados do setor privado. Ao mesmo tempo, a reforma preserva as condições de acesso para a camada mais pobre da população: os mais pobres já se aposentam a uma idade semelhante à mínima proposta pela reforma, sendo que 66% dos beneficiários do setor privado recebem até 1 salário mínimo – benefício que não é afetado pelas novas regras de cálculo propostas.

· A aposentadoria por tempo de contribuição beneficia, via de regra, justamente a camada mais rica e educada da população, e a longa sobrevida após a aposentadoria precoce por esta via implica que a sociedade transfere renda em termos líquidos para este grupo, representando portanto um mecanismo de concentração de renda. A imposição de uma idade mínima para aposentadoria contribui para minorar este efeito. De acordo com nossas estimativas, ao final do período de transição da reforma, a diferença entre o pagamento de benefícios previdenciários com e sem reforma pode alcançar um montante equivalente a quase R$ 280 bilhões por ano (em reais de 2017), uma economia de 25% em relação ao pagamento esperado de benefícios – com a maior parte da economia recaindo na redução das transferências em favor do grupo de maior renda e escolaridade, ou seja, com efeito líquido distributivo.

· O benefício médio recebido por inativos e pensionistas da União R$ 8 mil mensais em 2016, mais de sete vezes superior ao benefício médio dos aposentados do setor privado (R$ 1.100/mês) e bastante acima do teto do benefício para aposentados do setor privado. A imposição do mesmo teto ao setor público, ainda que apenas ao final de um longo período de transição, tem o potencial de reduzir em pelo menos R$ 40 bilhões anuais (em reais de 2017) o gasto público com este tipo de benefício.

· Além disto, ao prolongar o período ativo da população, as novas regras de aposentadoria também contribuem para aumentar em 0,2 ponto percentual o potencial de crescimento da economia (na comparação com a dinâmica esperada sem reforma) – ajudando a mitigar o efeito negativo que se esperaria da reversão do bônus demográfico. O crescimento adicional potencialmente permitiria um efeito redistributivo indireto da reforma.

· A própria redução do déficit da previdência também representaria outro impacto redistributivo indireto, dado que o déficit tende a ser financiado com impostos e contribuições em grande medida regressivos – isto é, que consomem uma parcela maior da renda justamente das camadas mais pobres da população, representando um sacrifício deste grupo para financiar a transferência de renda via previdência (que, nas regras atuais, beneficia também e em maior proporção justamente os estratos de renda mais elevados).

· Por fim, a reforma é essencial para permitir o cumprimento do teto de gastos, inserido na constituição no final de 2016. Sem a reforma, em poucos anos o governo pode se ver sem espaço para expansão de políticas distributivas – como assistência social, valorização do salário mínimo e investimentos mais significativos em educação básica.

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