A agenda do desencarceramento

A população carcerária no Brasil é de 340 por 100 mil habitantes. O número de assassinatos é de 29 por 100 mil habitantes.

Na Bahia, a população carcerária é de 100 por mil habitantes, menos de 3 vezes a média brasileira. O número de assassinatos é de 40 por 100 mil habitantes, 33% acima da média brasileira.

Em São Paulo, a população carcerária é de 532 por 100 mil habitantes, mais de 50% acima da média brasileira. O número de assassinatos é de 12 por 100 mil habitantes, ou menos da metade da média brasileira.

Alguma correlação? 🤔

O texto abaixo explora essa questão com muito mais precisão e desmonta a tese do desencarceramento, que tem base meramente ideológica, não sendo amparada pelos dados.


Da página de Marcelo Rocha Monteiro

Entre um tiroteio e outro, atento às interdições da Linha Amarela (afinal, moro na Barra da Tijuca e só hoje já foram três), deparo-me com um artigo na Folha de São Paulo, cometido, perdão, escrito por uma senhora de nome Ilona Szabó, que costuma se apresentar como “especialista” em segurança pública.

O nome do artigo é: “Todos pagamos essa conta”.

As mistificações já começam no primeiro parágrafo, onde se diz que “o Brasil tem 726 mil presos”, sem informar ao distinto público que esse número abrange 152 mil sentenciados que cumprem pena em regime semiaberto (ou seja, estão nas ruas durante o dia) e mais alguns milhares em regime aberto e prisão domiciliar (nos 726 mil “presos” está computada, por exemplo, a ex-primeira-dama do estado do Rio de Janeiro, a doutora Adriana Anselmo, que está “presa” em seu glamuroso apartamento do Leblon – mais ou menos do tamanho de Sergipe…).

A manipulação prossegue com a alegação de que somos “o terceiro lugar em população carcerária no mundo, atrás dos Estados Unidos e da China “. Dois pontos “esquecidos” pela articulista:

– se o Brasil tem a quinta maior população do mundo, o que há de espantoso em termos uma das maiores populações carcerárias EM NÚMEROS ABSOLUTOS? Espantoso seria se tivéssemos menos presos do que, por exemplo, Portugal, quando temos vinte vezes mais habitantes do que aquele país. É exatamente por isso que o que importa é o número de presos PROPORCIONALMENTE À POPULAÇÃO; nesse quesito, somos o 35º colocado – isso na melhor das hipóteses, pois dependendo do critério podemos estar bem abaixo (sobre o tema, e desmascarando aqueles que torturam os números até que eles confessem, vejam os excelentes textos do promotor de Justiça Bruno Carpes).

– como é possível comparar número de presos em diferentes países sem levar em conta os respectivos índices de criminalidade? Nos EUA, são cometidos anualmente 5 homicídios por 100 mil habitantes; no Brasil, são inacreditáveis 30 (TRINTA!) homicídios por 100 mil habitantes. O Brasil tem MENOS presos que os EUA, e a “especialista” não vê nada de errado nisso…

A senhora Ilona diz ainda que há um déficit de 358 mil vagas no sistema penitenciário. Há realmente um déficit extraordinário (os números talvez sejam até maiores do que ela menciona). Mas, aqui, temos um exemplo chocante do descompromisso de diversos “especialistas” (e suas ONGs) com soluções efetivas para a crise da segurança pública.

É que, ao mesmo tempo em que aponta um déficit de vagas que contribui decisivamente para as péssimas condições das superlotadas prisões brasileiras, a senhora Ilona apoia um grupo de ONGs chamado Rede Justiça Criminal que faz campanha pelo DESENCARCERAMENTO (também conhecido como “soltar os criminosos”). Pois bem: em novembro de 2013 (veja a parte inferior da terceira imagem) essas ONGs foram recebidas em audiência pela então presidente da república e apresentaram a seguinte reivindicação:

“Suspensão de qualquer investimento em novas unidades prisionais” 😳😳

Entenderam o roteiro da senhora Ilona e seus amigos?

Passo 1: banir qualquer investimento na construção de novos presídios.

Passo 2: reclamar que as prisões estão superlotadas e que “isso prova” que “o Brasil prende demais” (e que “prender não resolve”).

Passo 3: fazer campanha para soltar os criminosos presos.

“Prisões e penas maiores não são as únicas resposta possíveis ao crime. Em muitos casos, tampouco as mais eficazes. Há diversas formas de punir, e a pena precisa ser proporcional ao delito. A privação da liberdade é o último recurso”, prossegue a senhora Ilona.

O Brasil teve 61 mil homicídios (e latrocínios) só em 2016. Desde o ano 2000 são mais de 500 mil pessoas assassinadas. O índice de apuração desses crimes é de aproximadamente 8%; o índice de condenação é (obviamente) INFERIOR a 8%. Para esses mais de 92% que ficam impunes (no país que “prende demais”), qual a pena que a “especialista” considera “proporcional ao delito” de tirar uma vida? Cesta básica? Serviços comunitários?

Um em cada quatro detentos no Brasil foi preso por roubo (quase sempre à mão armada). São mais de um milhão de “assaltos” por ano. Em menos de 2% (DOIS POR CENTO!) o assaltante vai para a prisão. Que pena a senhora Ilona sugere para os outros 980 mil casos? Haja cesta básica!

Prosseguindo no artigo, e provando que não há nada tão ruim que não possa ficar pior, a “especialista” diz que “é necessário que se invista em medidas alternativas à prisão para crimes de menor potencial ofensivo”. Réus que cometem crimes de menor potencial ofensivo (aqueles cuja pena máxima é de dois anos de prisão) JÁ CUMPREM MEDIDAS ALTERNATIVAS DESDE 1995 (ano em que entrou em vigor a Lei n. 9.099, dos Juizados Especiais). Desde então praticamente nenhum deles vai para a prisão. Ou seja: a “solução” proposta pela especialista já é aplicada há mais de 20 anos.

Mas o tiro de misericórdia dado pela articulista em qualquer pretensão de ser levada a sério acontece quando ela afirma que “nossa lei de drogas precisa ser atualizada. Os crimes relacionados às drogas são os que mais levam pessoas às prisões (…) Insistimos em criminalizar usuários (…)”

A pena de prisão para usuários de drogas foi banida da legislação brasileira, até mesmo em caso de reincidência, pelo artigo 28 da Lei de Entorpecentes; trata-se da Lei n. 11.343, em vigor desde… 2006. Há mais de 10 anos, portanto, nenhum brasileiro é condenado à prisão por ser apenas USUÁRIO de entorpecentes.

Nossos “especialistas” precisam ser atualizados. Ou então eles querem mesmo é o “desencarceramento” dos traficantes, mas não têm coragem de dizer isso às claras…

Não sabem o que dizem, mas a mídia lhes dá ouvidos, e os legisladores (e políticos em geral) dão ouvidos à mídia.

Há mais de 30 anos que todos pagamos essa conta.

Atualização: Atualizando duas informações (com a valiosa ajuda do mestre Bruno Carpes):

– contando-se o número de presos (regime fechado e prisão preventiva), segundo o CNJ (que já está revisando os números) estamos em 49º lugar no planeta em número de presos para cada cem mil habitantes. Para o CNMP, no último relatório de 2016, estaríamos na 59ª posição.

– o número de assaltos registrados em 2016 é de quase 2 milhões 😳 (1.920.000), tendo o número DOBRADO num período de 5 anos.

A necessidade de uma máquina partidária

Viabilizar uma candidatura presidencial não é tarefa trivial. A começar, e talvez principalmente, pela necessidade de assegurar uma legenda.

Joaquim Barbosa é um nome vistoso. Símbolo de combate à corrupção, negro, fora dos quadros da política tradicional. As notícias que chegam, no entanto, é que há mais resistência do que apoio ao seu nome dentro do PSB.

Bolsonaro é líder nas pesquisas de intenção de voto, agora que Lula está fora. No entanto, o pequeno PEN não o quis e, ao que tudo indica, o candidato em busca de um partido está a caminho do também minúsculo PSL, não sem antes ter provocado debandada de parte do partido.

Marina Silva, dona de mais de 20 milhões de votos, teve que fundar seu próprio partido, pois não conseguiu dominar a máquina do PV. E seu partido, hoje, em termos eleitorais, é inexpressivo.

Por que isso acontece? Simples: eleição nacional é tarefa gigantesca, que somente pode ser enfrentada com uma grande equipe com interesses convergentes. O sistema político nas democracias ocidentais é baseado em partidos e somente quem tem o apoio de uma máquina partidária consegue enfrentar a tarefa de tentar eleger-se.

Ocorre que os partidos têm chefes regionais, com interesses muitas vezes domésticos. O candidato nacional deve ser capaz de harmonizar esses interesses, caso contrário não obterá a legenda.

Ainda que seja possível, como aconteceu com Collor e seu pequeno PRN em 1989, é muito difícil começar a sonhar com o Planalto sem uma máquina partidária robusta. E, mesmo depois, é difícil se segurar no governo sem o apoio dos partidos.

Por isso, não é desprezível a vantagem que tem um Alckmin, um Ciro Gomes ou que teria um Lula, por contarem com máquinas partidárias nacionais. Rodrigo Maia e Meirelles, respectivamente pelo DEM e pelo PSD, seriam viáveis se conseguissem convencer seus partidos a apoiarem suas candidaturas. Mas conseguir a legenda, como disse acima, não é trivial.

Por isso, mais uma vez, a noiva da vez é o PMDB. Sem candidato natural (acho improvável que Temer coloque sua candidatura), é a maior máquina partidária do Brasil em busca de um candidato. São vários PMDBs, claro, é um saco de gatos. Mas contar com uma parcela que seja dessa máquina já fortalece qualquer candidatura.

Ah, mas o povo está desiludido com a classe política, não vai votar com base em partido. Ao que eu respondo: essa desilusão é global, não é só no Brasil. E o mundo continua elegendo candidatos ligados aos grandes partidos. Se Trump tivesse se lançado como independente, teríamos outro presidente nos EUA hoje. Macron liderou a formação de um grande partido, que dominou o Congresso, coisa que Bolsonaro, Marina, Joaquim Barbosa ou Luciano Huck estão muito distantes de fazer. Macri fez a mesma coisa na Argentina, em um trabalho que começou no distante 2003.

No final do dia, uma eleição nacional com mais de 100 milhões de eleitores é ganha pelo esforço de milhões de cabos eleitorais. Trata-se de um trabalho no varejo, que exige capilaridade, como sabe qualquer empresa de bens de consumo. E, para isso, a máquina partidária é um grande ponto de partida.

A Queda

Está demorando pra aparecer a paródia do filme “A Queda”, com o Lula pedindo para o Zanin, o advogado britânico soneca, o Boulos e o Stedile ficarem na sala para serem espinafrados por não terem conseguido evitar a prisão. #ficadica

Uma outra explicação

24% de queda na audiência do Grammy.

Em 16 parágrafos, a reportagem do Wall Street Journal dedica apenas um a uma tentativa de explicação: os artistas teriam seus “canais próprios”, o que poderia estar roubando a audiência da TV. 24% de queda em um ano? Really? Inventaram os “canais alternativos” este ano?

Não consigo provar, mas minha hipótese é simples: as pessoas querem diversão no Grammy, não ficar discutindo cotas de mulheres e negros e casos de assédio sexual, além de servir de palanque para atacar Trump. São assuntos importantes, sem dúvida, mas as pessoas querem relaxar de vez em quando. E o aparelhamento do Grammy (e do Oscar, que, aposto, terá a mesma queda de público) azeda a diversão para pelo menos 24% do público.

A reportagem do WSJ gasta os outros 15 parágrafos da reportagem com esses temas. O que só reforça minha intuição.

Herói americano

Eu entendi o seguinte dessa frase: Trump é um racista genuíno, um antissemita, um supremacista branco e um fascista. Mas como não atravessou o Atlântico pela primeira vez de avião, então não é um herói americano.