Não é pelos R$ 0,20

Este movimento dos caminhoneiros começa a se parecer com os protestos de junho de 2013.

Lembro até hoje as caras patéticas dos ministros e da própria Dilma, procurando um interlocutor para saber quais eram as “reivindicações”. Como se fosse um protesto sindical.

O governo Temer encontrou interlocutores, até descobrir, horrorizado, que eram apenas representantes de si mesmos.

Foram dados descontos nos preços dos combustíveis e outras prebendas, mas os caminhoneiros sabem que acordos com governos não valem a tinta da caneta.

O buraco dos caminhoneiros é mais embaixo, e é o mesmo do restante dos brasileiros: um Estado inchado, balofo, incompetente, sequestrado por corporações mesquinhas e liderado por políticos sem um mínimo de estatura.

Não é pelos R$ 0,20.

Ciro tem razão

Nunca pensei que um dia iria dizer isso, mas Ciro tem razão.

Se não for para subsidiar combustível quando necessário, pra que serve a Petrobras?

Só faz sentido o governo controlar uma empresa se puder usá-la para seus interesses. Inclusive, dar prejuízo “quando necessário”. Se esse prejuízo terá que ser pago mais cedo ou mais tarde pelo povo, não vem ao caso. O que importa é a política populista de curto prazo, para enganar os trouxas.

A Petrobras não será privatizada nunca.

Canalhas populistas

“Se o Pedro Parente não aceitar rever a política de reajuste, que ele saia da Petrobrás ou o presidente da República exerça o mínimo de autoridade. Um governo minimamente sólido já o teria demitido. Com todo respeito a ele, a Petrobrás não é maior do que o Brasil, nem o Pedro Parente é maior do que a Petrobrás.”

Cunha Lima, Cássio. Senador pelo PSDB.

Pedro Parente certamente não é maior do que a Petrobras nem muito menos do que o Brasil. Mas com certeza é maior do que Cássio Cunha Lima e todos esses canalhas populistas que não hesitam em quebrar a Petrobras e o Brasil para sair bem na foto.

Impasse sem solução

Ainda a greve dos caminhoneiros.

Tese: nada do que o governo faça com o preço dos combustíveis irá melhorar a vida dos caminhoneiros.

Premissa: a atividade de transporte de cargas é uma atividade econômica livre, sujeita às leis de oferta e demanda. Não há oligopólios nem oligopsônios, de modo que as leis básicas da economia funcionam relativamente bem neste setor.

Hipóteses sobre a oferta: 1) houve aumento de oferta de caminhoneiros nos últimos anos ou 2) houve diminuição de oferta de caminhoneiros nos últimos anos.

Nesta quadra da vida nacional, é bem mais provável que a hipótese 1 seja a verdadeira. É difícil imaginar que, com o grau de ociosidade atual da economia, o setor de transporte seja o único que tenha falta de mão de obra. Vale lembrar que a venda de caminhões bateu recordes no governo Dilma, graças a programas de financiamento como o PSI, o que deve ter aumentado ainda mais a oferta do setor.

Hipóteses sobre a demanda: 1) houve aumento de demanda por transporte por caminhão nos últimos anos ou 2) houve diminuição de demanda por transporte por caminhão nos últimos anos.

Também aqui, é mais provável que a hipótese 2 seja a verdadeira, em função da profunda recessão que o país atravessou. É possível também que a demanda tenha diminuído porque deslocou-se para outros meios de transporte, em função do preço do frete. É uma possibilidade, mas parece (só parece, não tenho dados para confirmar) que o principal motivo para a diminuição da demanda seja mesmo a recessão.

Pois bem: se a premissa é válida e as hipóteses acima descritas são verdadeiras (aumento da oferta e diminuição da demanda por conta da recessão), congelar ou diminuir preços dos insumos não resolverá o problema fundamental do setor: excesso de oferta. Seria o mesmo que achar que o desemprego seria eliminado se congelássemos todos os preços.

Os aumentos recentes dos preços dos combustíveis foi somente o estopim de uma situação que provavelmente já vinha de muito tempo. A insatisfação dos caminhoneiros é a mesma de muitos brasileiros: o alto desemprego, causado pela mais brutal recessão da história.

Não será baixando o preço dos combustíveis que se resolverá este problema. Pelo contrário: ao adotar medidas que ameaçam o equilíbrio fiscal, o governo somente agrava o problema estrutural.

Em resumo: nada do que o governo possa fazer no curto prazo vai resolver a vida dos caminhoneiros. Portanto, o país continuará refém de um impasse sem solução.

A tungada escondida

Ainda Ciro Gomes.

Pedro Nery, em excelente artigo hoje no Valor, usa as próprias ideias de Nelson Marconi (principal assessor econômico de Ciro) para desmascarar o que realmente significa o projeto “desenvolvimentista”.

O Santo Graal dos economistas desenvolvimentistas é um certo “câmbio de equilíbrio industrial”, que permitiria que a indústria local se tornasse competitiva. Em recente entrevista ao Valor, Marconi teria indicado que um câmbio entre R$ 3,80 e R$ 4,00 cumpriria este papel. (Não se iluda, este alvo é móvel, quando o câmbio chegar lá, o novo “câmbio de equilíbrio industrial estará mais para cima. Mas sigamos).

Pois bem: o que Pedro Nery vai garimpar em um livro do próprio Nelson Marconi, em co-autoria com Bresser-Pereira (!), é a admissão dos efeitos desse câmbio mais desvalorizado: diminuir os salários reais, via inflação. Ou seja, os trabalhadores precisariam ser convencidos a não terem seus salários reajustados, de modo a tornar as empresas mais competitivas com o novo câmbio! Caso contrário, aquela desvalorização real se torna apenas nominal, não servindo para aumentar a competitividade da indústria.

O trecho destacado abaixo descreve como Marconi resolveria a questão: através de um papo franco entre empresários e trabalhadores, intermediado pelo governo! Muito fofo. Faz lembrar as “câmaras setoriais” da Dorothea Werneck no governo Sarney, em que se tentava lidar com a inflação na base do papo.

Trabalhador: saiba que, quando alguém fala em “incentivos para a indústria” e “câmbio no lugar certo”, na verdade estão querendo tungar você.

Como funciona uma empresa?

O presidente do Senado, Eunicio Oliveira, disse que, entre “Parentes” e consumidores, ele fica com os consumidores. É sua forma de dizer que a Petrobras deveria vender combustíveis subsidiados, incorrendo em prejuízo.

Eunício Oliveira é empresário. Suas empresas lhe permitem ostentar o título de 2o senador mais rico da República, em uma competição nada fácil. Não lhe ocorre certamente que o governo possa ter ingerência sobre os preços que pratica em suas empresas (muitas das quais, inclusive, com polpudos contratos com o governo, mas não é este o tema deste post).

Mas a Petrobras é diferente. A Petrobras é do povo. Então o povo, na figura de seus representantes eleitos, deveria ter poder para influenciar os preços praticados pela estatal.

Este raciocínio, que parece lógico, tem, no entanto, duas falhas importantes: a remuneração do capital e a explicitação do conflito distributivo pelas vias corretas.

Sobre a remuneração do capital: toda empresa compete por capitais escassos para viabilizar suas atividades. Para atrair esses capitais, a empresa deve remunerá-los proporcionalmente ao risco de sua atividade. Senão, como sabe qualquer empresário, é melhor deixar o dinheiro aplicado em títulos públicos.

Esta remuneração é o lucro da empresa. Sem lucro, não há financiamento para as atividades da empresa. E não é qualquer lucro. Precisa ser um lucro que remunere o risco. Inclusive o risco de que entre uma nova diretoria e se submeta ao arbítrio do dono da empresa. No caso da Petrobrás, o governante de plantão.

A Petrobrás precisa de sócios. O Estado brasileiro não tem recursos suficientes para bancar todo o capital necessário para financiar as atividades da empresa. E, não custa lembrar, perfurar poços em busca de petróleo está longe de ser uma atividade isenta de riscos. Para atrair estes sócios, é necessário que a empresa remunere adequadamente o capital. Caso contrário, será obrigada a diminuir seu ritmo de atividades ou até, no limite, fechar suas portas.

Claro, sempre alguém poderá dizer: basta que o governo feche o capital da empresa e banque sozinho os investimentos necessários. Desta forma, ficaria sozinho com os lucros, e poderia decidir mais livremente qual o seu nível adequado. Poderia, inclusive, decidir por não ter lucro em situações como a que estamos vivendo, em que a combinação explosiva de dólar valorizado e preço do petróleo nas alturas está levando os preços dos combustíveis a níveis insuportáveis. Este é o modelo de empresa que Eunício Oliveira e boa parte dos brasileiros quer. Afinal, se não é para isto, para que serve então uma estatal?

Aqui entra o problema dos canais adequados para resolver conflitos distributivos, a segunda falha grave no raciocínio inicial.

Produzir lucros abaixo do custo de capital em estatais significa, no longo prazo, alocar recursos do orçamento público para determinados fins sem necessariamente vota-los no Congresso. Aquele dinheiro, mais cedo ou mais tarde, terá que ser reposto, e sairá do bolso dos contribuintes. Ou seja, os balanços das empresas estatais funcionam como “orçamentos paralelos”, em que as decisões de alocação de recursos passam ao largo dos debates no Congresso.

Ao exigir que a Petrobras subsidie os combustíveis, Eunício Oliveira está fazendo uma escolha orçamentária: aquele dinheiro usado para tornar os combustíveis mais baratos deverá ser subtraído de outras necessidades. Mas isto não fica claro para todos os envolvidos, pois fica lá escondido no balanço da Petrobras até que a necessidade de nova capitalização torna clara a escolha que foi feita lá atrás. Estamos vendo este fenômeno agora, nas várias subsidiárias quebradas da Eletrobrás.

Hoje, sob o comando de Pedro Parente, a Petrobras está procurando recuperar sua capacidade de investimento, detonada por pessoas como Eunício Oliveira, que não adotaria em suas empresas os mesmos princípios que quer impor à Petrobras.

Distorções

Dólar e petróleo em alta são uma mistura explosiva para os preços dos combustíveis.

O que os caminhoneiros querem é que o governo “faça alguma coisa” para segurar os preços. Há somente duas coisas “a fazer”: diminuir impostos que incidem sobre os combustíveis ou obrigar a Petrobras a ter prejuízo na venda de combustíveis. Ambas as “soluções” implicam subsídios da sociedade brasileira em prol da margem de lucro dos caminhoneiros.

Imagine o caos se cada segmento econômico que tivesse aumento de preço de seus insumos se achasse no direito de bloquear uma estrada. A vida ficaria um pouco mais difícil do que já é.

Vivemos, durante o governo Dilma (e, para ser justo, em vários outros governos) a experiência de tabelar preços de combustíveis em níveis não compatíveis com as condições internacionais. A Petrobras reconheceu em seus balanços R$6 bilhões de prejuízo causado pela corrupção. Pois bem: as perdas com o tabelamento de combustíveis foram da ordem de dezenas de bilhões de reais. Várias dezenas. O que quebrou a Petrobras não foi a corrupção, foi o tabelamento de preços.

Na Venezuela, o dinheiro para comprar um pote de sorvete é suficiente para encher várias dezenas de tanques de combustível. Obviamente, trata-se de uma economia disfuncional. E sabemos como começa esse processo: tabelando preços em nome da “justiça”, do “bem-estar social”, ou de qualquer balela do gênero. Vivemos isso na década de 80 e início da década de 90, com os vários “planos econômicos” que congelaram preços.

Baixar impostos é outra “solução”. Mas por que baixar impostos dos combustíveis e não, por exemplo, dos remédios, dos alimentos, das escolas?

“Ah, mas o aumento dos combustíveis afeta toda a logística, encarecendo todos os produtos”. E daí? Os produtos vão ficar mais caros porque o petróleo ficou mais caro, é assim em qualquer lugar do mundo que funciona. Baixar impostos é bom, desde que haja superávit nas contas públicas, e desde que seja horizontal, e não para preservar as margens de lucro de um punhado de empresários.

Os caminhoneiros têm três saídas possíveis para o aumento do preço dos combustíveis: aumentar o preço do frete ou diminuir suas margens de lucro ou uma combinação das duas. Qualquer “solução” fora disso não soluciona nada, apenas introduz uma distorção adicional na economia, que cobra o seu preço em menor crescimento potencial.

Sempre aparece um demagogo

Ciro Gomes, prometendo o calote da dívida pública.

Sabe porque as taxas de juros no Brasil são tão altas? Porque o brasileiro sabe que, de tempos em tempos, vai aparecer um demagogo que vai prometer dar o calote na dívida, ao invés de controlar os gastos do governo.

Ciro Gomes é só mais um de uma longa lista de demagogos que vendem soluções simples e erradas para problemas complexos.