Eugênio Bucci comete hoje um artigo no Estadão que explica muito do que vimos no Roda Viva esta semana.
Ele começa o artigo afirmando que “Dois limites comprimem a democracia brasileira. Duas muralhas móveis, cada uma de um lado, vão se aproximando uma da outra, como nestas máquinas de compactar detritos. Combinadas, as duas podem transformar o projeto democrático que se desenhou para o Brasil a partir da Constituinte federal de 1988 num pacote de lixo concentrado.”
Obviamente uma dessas “muralhas móveis” é Bolsonaro. Aliás, Bolsonaro seria apenas um sintoma de algo mais grave: “a cultura antipolítica e antidemocrática mobilizada por essa candidatura”. Como se essa “cultura antipolítica e antidemocrática” tivesse surgido de Marte, não fosse fruto do estupro coletivo da democracia comandado pelo presidiário de Curitiba.
E por que Bolsonaro seria “anti-democrático”? Simples: porque não condena a ditadura militar. A ditadura seria a referência, para o Brasil, do que não é democrático. Funcionaria como o nazismo para a Alemanha: os alemães se auto-referem ao nazismo para construir sua própria identidade pós-guerra. É curioso como a referência é a ditadura militar e não, por exemplo, a ditadura de Getúlio Vargas, ou o apoio a ditaduras como a cubana ou a venezuelana. Mas segue o jogo.
Com esse mindset, fica então claro porque a insistência, no Roda Viva, de perguntas sobre a ditadura militar. Esses jornalistas se veem como um bastião da luta pela democracia, e querem desconstruir Bolsonaro no lugar onde eles acham estar a batalha de vida ou morte. Nós, pobre mortais que precisamos pagar os boletos vencidos, ficamos sem entender muito tudo aquilo. Obrigado, Eugênio, por nos explicar.
Fui lendo o artigo, ansioso à espera da segunda “muralha móvel que vai transformar nossa democracia em lixo”. Achei que fosse falar de Lula e do PT. Afinal, é sob o comando de Lula que o PT vem desrespeitando as instituições democráticas brasileiras. São os petistas que chamam um Congresso eleito pelo povo e que segue a lei de “golpista”. É Lula e seus asseclas que desafiam diariamente o judiciário brasileiro. É o PT que quer patrocinar o “controle social da mídia”, eufemismo para censura. Foi Lula que comandou o Mensalão e o Petrolão, dois movimentos que desvirtuaram a democracia representativa como nunca antes na história desse país. Fui ingênuo. Não há uma linha sobre Lula ou o PT. A segunda “muralha móvel” seria a “privatização do espaço público promovida pelos monopólios globais da era digital”. No caso, o Facebook. E os adeptos da primeira muralha estariam se aproveitando da segunda muralha para fazer o serviço de transformar a democracia em lixo. Ele não disse, mas certamente viu com bons olhos a retirada de páginas de apoio a Bolsonaro da rede.
Bucci se mostra o que todo “democrata gramsciano” é: um autoritário. Mário Covas dizia que o povo sempre vota certo, é preciso que os políticos entendam a mensagem que o povo passa nas eleições. Essa é a essência do espírito democrático. Quem disse que o tal “projeto democrático que se desenhou para o Brasil a partir da Constituinte federal de 1988” é o único possível? Visão autoritária, que despreza o voto e sabe o que é melhor para o povo do que o próprio povo.
Bolsonaro vai disputar as eleições dentro do jogo democrático. Se ganhar, terá que governar dentro dos parâmetros democráticos. Se mijar fora do penico (como, aliás, o PT tentou), as instituições democráticas o expelirão.
Ver Bolsonaro como a única ameaça à democracia no Brasil diz muito sobre o tipo de democracia que Bucci e seus coleguinhas querem para o País.