Dei uma olhada no programa de governo de Jair Bolsonaro, especificamente as propostas na área econômica. Vou listar apenas as propostas concretas, não o “dever ser” comum a todos os candidatos, e comentar.
Proposta: criação do Ministério da Economia, que abarcaria os atuais Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.
Comentário: tudo que venha para diminuir a estrutura burocrática do Estado é bem-vindo. Mas a redução per se de ministérios tem apenas um valor simbólico, importante sem dúvida, mas que não garante a diminuição da máquina.
Proposta: logo no início do programa, encontramos a proposta de buscar superávit primário que equilibre a relação dívida/PIB no espaço de tempo mais curto possível. Mais à frente, a coisa fica mais específica: equilibrar as contas no primeiro ano e fazer superávit primário no 2o ano.
Comentário: o ajuste seria draconiano, algo equivalente, em termos políticos, ao que Collor fez ao confiscar a poupança no início do seu governo. Não estou aqui comparando as duas coisas, estou apenas chamando a atenção para a dificuldade política de se fazer isso.
Proposta: reduzir em 20% a dívida pública por meio de privatizações.
Comentário: a dívida pública está em aproximadamente R$ 3,7 trilhões. 20% somaria R$ 730 bilhões. A Petrobras seria, de longe, a empresa mais valiosa, e arrecadaria algo como R$ 100 bilhões. Mas a Petrobras não será privatizada. Fico imaginando qual foi a conta para chegar nesse montante.
Proposta: orçamento base-zero (o montante gasto no passado não justifica os recursos demandados no presente).
Comentário: boa proposta, mas a implementação é difícil, é necessário um processo orçamentário muito mais trabalhoso. É preciso muita vontade política para a implementação.
Proposta: introdução paulatina do regime de capitalização para a Previdência.
Comentário: se pudéssemos zerar a conta de todo mundo e começar tudo de novo, este seria o melhor regime. Mas o problema é que os novos entrantes no regime pagam as pensões dos que se aposentam. Sem esses novos entrantes, que optariam pela capitalização, abre-se um rombo na previdência antiga. O programa aponta a criação de um “fundo” para custear este rombo. A origem do dinheiro para constituir este fundo não é especificado pelo programa. Inclusive, mais à frente, a proposta diz que haverá redução da tributação sobre salários. A conta não fecha.
Proposta: renda mínima universal.
Comentário: bom programa, uma extensão do Bolsa Família.
Proposta: reforma tributária.
Comentário: só coloquei aqui porque poderiam pensar que esqueci. Existem só desejos genéricos de reforma tributária, nada de realmente concreto.
Proposta: independência formal do Banco Central.
Comentário: show.
Proposta: carteira de trabalho verde-amarela, com menos direitos trabalhistas e menos impostos.
Comentário: show. Eu optaria no mesmo dia da implantação.
Proposta: redução de alíquotas de importação e barreiras não-tarifárias.
Comentário: show. Sem comentários adicionais. Aliás, se isso for verdade, distingue Bolsonaro do Trump em um ponto importante.
Proposta: depreciação acelerada.
Comentário: muito bom, favorece investimentos, mas significa um subsídio que diminuirá o imposto arrecadado das empresas. Parece ir contra o ajuste fiscal.
Proposta: criação do Balcão Único para a criação/fechamento de empresas.
Comentário: muito bom. Temos em SP a experiência do Poupa-Tempo, que funciona muito bem.
Proposta: prazo máximo de 30 dias para resposta final, por parte dos órgãos públicos, de documentação para abertura/fechamento de empresas. Caso não haja resposta neste prazo, a empresa estará automaticamente aberta ou fechada.
Comentário: show.
Proposta: redução gradual das exigências de conteúdo local para a indústria de óleo e gás.
Comentário: muito bom.
Proposta: preços praticados pela Petrobras deverão seguir os preços internacionais, mas com hedge que suavize os movimentos de curto prazo.
Comentário: falar é mais fácil do que fazer. Normalmente quando as flutuações são baixas o hedge é desnecessário e quando as flutuações são altas o hedge é muito caro.
Proposta: acabar com o monopólio da Petrobras sobre toda a cadeia de produção de gás.
Comentário: todo fim de monopólio é bem-vindo.
Comentário final: as propostas econômicas ocupam, de longe, a maior parte do programa. Talvez porque Bolsonaro sabe que precisa ganhar a confiança nesta área de potenciais indecisos. O ponto fraco é justamente como lidar com o déficit fiscal: o programa nesta área é uma mistura de boas intenções com contradições. Dá para dar um desconto, dado que se trata de um assunto complicado mesmo. A direção geral está correta, melhor do que não reconhecer que Houston, we have a problem.
Trata-se de um programa, sem sombra de dúvida, liberal. Resta saber quão sincera e perseverante é a conversão do capitão ao ideário liberal. Pois será necessária muita convicção para obter o apoio do Congresso ao programa e para manter a rota quando os resultados demorarem a aparecer.