O Alto Comissariado da ONU para Refugiados (não consigo ler esse nome sem pensar nos comissariados da Nomenklatura) está preocupado. Afinal, não consegue arrecadar dinheiro para ajudar os refugiados venezuelanos, apesar de, dizem, já serem em maior número do que os refugiados sírios.
Talvez o Alto Comissariado devesse rever o seu conceito de “refugiado” para entender o que está acontecendo.
Refugiado é alguém que escapa de uma tragédia infligida por terceiros. Uma guerra ou uma catástrofe natural são os típicos exemplos de tragédia.
No caso da Síria, a guerra civil tomou proporções muito maiores do que simplesmente a luta entre facções internas. O que começou como um levante inspirado pela chamada “primavera árabe” em 2011, se transformou em um campo de batalha que envolve curdos, sunitas, xiitas, Estado Islâmico, Turquia, Hesbollah, Rússia, EUA, OTAN, Irã, Arábia Saudita, Qatar,… esqueci alguém? Várias guerras sendo travadas ao mesmo tempo por atores que se entrelaçam em um balé insano. No meio disso tudo, a população não engajada, que se torna refugiada.
E a Venezuela? Bem, a Venezuela não está em guerra civil. Há protestos como em qualquer lugar do mundo, mas longe de uma guerra civil. Também não houve uma catástrofe natural.
O que está acontecendo na Venezuela são simplesmente as consequências de uma gestão econômica patética, realizada por um governo democraticamente eleito. Ok, a essa altura do campeonato, não podemos mais chamar aquilo de democracia. Mas Chávez, e depois Maduro, chegaram aonde chegaram porque o povo assim o quis. Ainda hoje, há forte apoio popular ao governo, algo quase messiânico.
Então, por que alguém doaria dinheiro para um “refugiado” venezuelano? Poder-se-ia dizer que a situação dos venezuelanos é a mesma das crianças em uma família cujo pai é viciado em jogo e a mãe bebe. Essas crianças estão desamparadas e fogem de casa. Neste caso, as crianças não têm culpa, e devem ser ajudadas.
Mesmo que esse paralelo fosse verdadeiro, a primeira exigência de quem fosse ajudar seria retirar o pátrio poder do pai que joga e da mãe que bebe. Caso contrário, o fluxo de crianças desamparadas seria interminável. Qualquer ajuda seria como enxugar gelo. Sem a substituição do governo venezuelano, qualquer ajuda significa desperdício de recursos.
Além disso, os venezuelanos não são crianças. O povo venezuelano construiu sua própria sorte, por ação, conivência ou omissão. Hoje estão colhendo os frutos de suas próprias escolhas, não há ninguém externo a se culpar, ao contrário da Síria. No Brasil, os cidadãos, ao notarem que estavam indo pelo mesmo caminho, derrubaram do governo o partido amigo de Chávez e Maduro.
Mas talvez o Alto Comissariado da ONU não esteja preparado para admitir que a crise venezuelana seja fruto do socialismo bolivariano do século XXI. E vai continuar procurando os motivos para as baixas doações nos lugares errados.