Haddad virou Andrade

Complementando meu post de ontem sobre a potencial transferência de votos de Lula para Haddad.

A votação se dá em urna eletrônica. Ao contrário da cédula, onde aparece uma lista, na urna só se exige a digitação do número. O eleitor poderá ser instruído a votar “no Lula” digitando o 13. Isso aumenta as chances de votação no poste, que seriam menores se a votação fosse em cédulas.

A incógnita é o que o eleitor vai fazer quando não aparecer a foto do Lula, e sim do Andrade. Ele vai apertar “confirma”, ou vai achar que teve algum engano e anular o voto?

O único caminho

A Grécia saiu ontem do plano de resgate desenhado pelo FMI e Banco Central Europeu.

Reportagem do Estadão informa que a renda dos gregos caiu 30% no período, e conta as histórias tristes de algumas famílias. Todas supostamente vítimas do programa draconiano de austeridade imposto pelos credores.

Mas a história não é bem essa.

O que aconteceu na Grécia é o mesmo que está acontecendo na Venezuela, Argentina e todos os outros países que vivem acima de suas possibilidades: tem uma hora que os credores cobram a dívida.

A queda da renda, na verdade, é o processo de volta ao reino das possibilidades. Uma família que vive de crédito, vive acima de suas posses. Quando o crédito lhe é cortado, é obrigada a viver com menos. O mesmo ocorre com os países.

No caso da Grécia, que vive com uma moeda forte assegurada pela Alemanha, não havia outro caminho a não ser cortar nominalmente os salários e benefícios estatais. No caso de Venezuela e Argentina, esta queda de renda se dá através da inflação.

O Brasil seguiu esse caminho, e tivemos uma contração de renda brutal nos últimos 3 anos. Mas não nos enganemos: a trajetória fiscal ainda é delicada, indicando que ainda estamos longe de viver de acordo com nossas possibilidades. A nossa renda precisa cair ainda mais para nos adequarmos.

A única forma de fazer a renda crescer é o crescimento econômico. E não o crescimento baseado exclusivamente no crédito, que se torna depois uma bolha insustentável. Deve ser um crescimento baseado no aumento da produtividade. Não há outro caminho.

As várias faces do Bolívar

Ontem, uma reforma monetária cortou 5 zeros da moeda venezuelana, dando origem ao “Bolívar Soberano”.

O “Bolívar Soberano” sucede ao “Bolívar Forte”, moeda criada após outra reforma monetária, feita por Chávez em 2008, que cortou 3 zeros da moeda venezuelana.

Com o objetivo de ajudar a autoridade monetária venezuelana a controlar a inflação na república bolivariana, sugiro a seguir alguns nomes para o Bolívar nas próximas reformas monetárias:

  • Bolívar Super-Poderoso
  • Bolívar Todo-Poderoso
  • Bolívar Invencível
  • Bolívar Transformer
  • Bolívar Fodão do Bairro Peixoto
  • Bolívar Chuck Norris

Mais alguma ideia?

Transferência de votos muito difícil

Uma das grandes incógnitas desta eleição é o poder de transferência de votos de Lula para o seu poste.

Lula conseguiu fazer isto em 2010. Dilma, uma completa desconhecida até um ano antes das eleições, foi ungida e levada à vitória por seu padrinho. Convém relembrar como foi esse processo.

– Em junho/2005 (portanto, mais de 5 anos antes da eleição de 2010), Dilma assume a cadeira de ministra da Casa Civil, que pertencia a José Dirceu. A partir de então, começa a ganhar visibilidade no mundo político.

– Em março/2008 (2 anos e meio antes das eleições), Lula lança Dilma como a “mãe do PAC”, o mote que usará na campanha.

– Em setembro/2008, mais de dois anos antes das eleições, em pesquisa CNT/Sensus, Dilma já aparece com 8% das intenções de voto, contra 38% de Serra.

– Em maio/2010, 5 meses antes das eleições, Dilma empata com Serra nas intenções de voto.

– Em outubro/2010, Dilma vence as eleições no 2o turno, contra Serra, por 56% a 44%.

Então, vejamos:

– Dilma foi preparada como o “poste” de Lula durante mais de 5 anos, em uma construção lapidada dia a dia.

– o governo Lula chegou, no final de 2010, a 89% de aprovação, recorde mundial de popularidade de todos os tempos- a economia crescia a 7,5%- e, last but not least, Lula tinha a caneta na mão.

Hoje, temos um quadro um pouco diferente:

– Faltando pouco mais de um mês para as eleições, Haddad ainda não foi lançado candidato.

– Na pesquisa mais recente, Haddad aparece com 4% das intenções de voto.

– O último cargo público de Haddad, que lhe deu alguma visibilidade, foi o de prefeito de São Paulo, há pouco menos de 2 anos. Vale lembrar que perdeu a reeleição ainda no 1o turno.

– Haddad foi ministro da educação de Lula há longínquos 8 anos. A única coisa de que consigo lembrar foram as lambanças no ENEM (convenhamos, menos glamouroso que o PAC).

– o PT não tem a máquina federal na mão.

– o PT conta com 256 prefeituras. Em 2010, eram 558 prefeituras.

– o vice de Dilma era Michel Temer, com toda a máquina do PMDB. O vice de Haddad é Manuela D’Ávila.

– Em 2010, Lula era presidente do Brasil. Hoje, Lula está preso e incomunicável.

Claro, tudo sempre pode acontecer. Mas vamos convir que essa transferência de votos parece muito, mas muito mais complicada agora. O fantasma do Lula todo-poderoso, aquela entidade que domina a política brasileira com sua popularidade à prova de bala, parece turvar o discernimento dos analistas. Fala-se de transferência de votos como uma varinha mágica, em que Lula-Midas transforma em ouro até um monte de josta.

Lula gastou muita sola de sapato, planejou muito bem cada passo, para transformar seu poste em presidenta da república. Claramente não é o caso de Haddad, um tapa-buraco de última hora, apenas para marcar a posição do partido. Repito: tudo pode acontecer. Mas uma eventual ida de Haddad ao 2o turno seria uma grande surpresa, inclusive para Lula.

A culpa jurídica e a culpa política

Estes são trechos de uma reportagem no Valor de hoje, bastante embaraçosa, como usual, aos governos tucanos em São Paulo.

Confesso que tenho lido com avidez essas reportagens sobre o “escândalo do Rodoanel”, procurando as evidências que o transformassem em algo semelhante ao Petrolão. Toda vez que leio, no entanto, a coisa fica nas declarações dos procuradores, que “ainda estão investigando”.

Claro, sempre podem surgir as evidências da corrupção envolvendo diretamente Alckmin. Por enquanto, o único elemento direto é o codinome “Santo” na planilha da Odebrecht. Parece pouco para uma condenação.

Lula foi fotografado com Léo Pinheiro no triplex, e a PF e o MPF conseguiram rastrear competentemente o caminho do dinheiro. No caso de Alckmin, a julgar pelos trechos acima, estamos longe, muito longe disso acontecer.

Temos, então, duas hipóteses. A primeira é que Alckmin é culpado, e mais competente que Lula em esconder seus crimes. A segunda, é que ele é inocente.

Obviamente, um político pode ser inocente do ponto de vista jurídico, mas mesmo assim continuará culpado do ponto de vista político. Alguém se lembra do “cartel dos trens” em São Paulo? Ninguém fala mais disso, não sei onde está esse processo, mas estará na conta dos tucanos politicamente para sempre.

É incrível como o Petrolão, da lavra exclusiva do PT, PMDB e PP, serviu para comprometer a classe política como um todo. Isso aconteceu porque o PT foi muito competente e o PSDB muito incompetente, em termos politicos. O PT aproveitou-se da tendência do cidadão comum de achar que “político é tudo igual”, enquanto o PSDB, para não variar, foi pusilânime na crítica ao PT.

Bolsonaro é visto como “o cara honesto” que vai acabar com essa pouca-vergonha. Para quem pensa assim, tenho uma má notícia: isso é impossível, politicamente falando. Basta ver o que já aconteceu, com a tal da “Val do Assaí”. E não, não estou querendo comparar a Val com o Rodoanel. É que Bolsonaro só tem a verba do gabinete para teoricamente se locupletar. Quando tiver todo o orçamento nacional nas mãos, outras Vals, desta vez bilionárias, grudarão no seu currículo. Sendo ele inocente ou não. Esse é o jogo político.

Então ficamos assim: ou político é tudo ladrão e, neste caso, Bolsonaro é somente um político que ainda não teve acesso a grandes orçamentos, ou há políticos íntegros, e devemos aguardar o fim das investigações criminais para condena-los. Afirmar, a priori, que Bolsonaro é íntegro e Alckmin é bandido não cabe nem em uma nem em outra hipótese, trata-se somente de um desejo.

Eu particularmente prefiro aguardar o desfecho das investigações antes de fazer um juízo definitivo sobre o caráter de qualquer político. Não compactuo com essa visão de que “político é tudo igual, tudo ladrão”. Se isso fosse verdade, Bolsonaro representaria apenas a troca de uma turma por outra. Os mais cínicos dirão que esta pode ser uma vantagem, dado que a nova turma terá que começar a roubar do zero. Ok, mas receio que, se isto for verdade, decepcione grande parte dos bolsonaristas, que descobrirão que o capitão não passa de um político como outro qualquer.

Um desserviço da imprensa

Além de servir como slogan para acompanha do Ciro, pra que mais serve essa manchete de capa do Estadão?

No quesito “desinformação”, é 10. O Brasil tem 3 vezes a população da Itália, e qualquer fenômeno no Brasil será o equivalente a vários países menos populosos. A China deve ter uns dois Brasis de inadimplentes. O que isso significa? Rigorosamente nada.

Depois, esses números não batem uns com os outros. O país tem aproximadamente 55 milhões de famílias. Digamos, para simplificar e estressar o argumento, que todas sejam classificadas como pobres. Segundo a matéria, 26,7% dessas famílias estavam inadimplentes, o que significaria aproximadamente 15 milhões de famílias. Para que 63 milhões estivessem com contas atrasadas, seria necessário que cada uma dessas famílias tivesse, em média, 4 membros, e todos estivessem inadimplentes, incluindo crianças.

Há, obviamente, um problema conceitual aqui, que não permite conciliar essas informações. Mas o Estadão prefere a manchete bombástica do que o jornalismo esclarecedor. Muito triste isso.