Não há como revogar a lei da oferta e da demanda

Estes “planos empresariais” foram criados para driblar as exigências da ANS sobre os planos individuais, principalmente o tabelamento de reajustes e a inclusão da cobertura de novos procedimentos.

A se confirmar esse entendimento do STJ, os planos empresariais de pequenas empresas terão o mesmo destino dos planos individuais: sumirão do mercado.

A justiça pode até ser justa, mas não consegue revogar a lei da oferta e da demanda.

No Brasil, sucesso é ofensa pessoal

Vejo muita gente por aqui torcendo o nariz para a fortuna de João Amoêdo.

Seus milhões seriam suspeitos ou, no mínimo, o fariam inadequado para entender os problemas do Brasil.

Não notam que sua atitude é reflexo da mentalidade que torna o Brasil um país medíocre: a ojeriza ao sucesso.

Amoêdo fez sua carreira no mercado financeiro e, até onde sabemos, nada depõe contra sua honestidade. Ganhou dinheiro de acordo com as regras do jogo capitalista, as mesmas regras responsáveis pela riqueza das nações e louvadas pelos que torcem o nariz para a sua fortuna.

O fato de ter obtido sua fortuna na indústria financeira também depõe contra. Fosse, sei lá, o Silvio Santos, a fortuna pessoal seria até bem recebida. Mas o mercado financeiro é o belzebu de um país com sérias limitações cognitivas a respeito do que seja o capitalismo. Se há distorções no mercado financeiro (altos spreads, concentração etc), estas distorções são, no fundo, fruto das distorções do capitalismo brasileiro, altamente dependente do Estado, não o inverso.

“No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”.

Esta aversão à fortuna (se tem dinheiro, aí tem) não tem como não me fazer lembrar dessa célebre frase de Tom Jobim, tão definidora do Brasil.

Contradição em termos

A Editora Abril entrou com pedido de Recuperação Judicial, sob o peso de uma dívida de R$ 1,6 bilhão e geração negativa de caixa.

A Exame publicou a notícia, encerrando com o seguinte texto:

“A qualidade do trabalho feito por suas revistas e sites é de reconhecida importância há décadas – mas especialmente hoje é valorizada, quando o público busca se orientar e se proteger contra as notícias falsas”.

Bem, se a qualidade do trabalho fosse valorizada, e se o público estivesse desesperado em se orientar e se proteger contra as notícias falsas, a empresa estaria saudável, não é mesmo?

Um programa de governo liberal

Dei uma olhada no programa de governo de Jair Bolsonaro, especificamente as propostas na área econômica. Vou listar apenas as propostas concretas, não o “dever ser” comum a todos os candidatos, e comentar.

Proposta: criação do Ministério da Economia, que abarcaria os atuais Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.

Comentário: tudo que venha para diminuir a estrutura burocrática do Estado é bem-vindo. Mas a redução per se de ministérios tem apenas um valor simbólico, importante sem dúvida, mas que não garante a diminuição da máquina.

Proposta: logo no início do programa, encontramos a proposta de buscar superávit primário que equilibre a relação dívida/PIB no espaço de tempo mais curto possível. Mais à frente, a coisa fica mais específica: equilibrar as contas no primeiro ano e fazer superávit primário no 2o ano.

Comentário: o ajuste seria draconiano, algo equivalente, em termos políticos, ao que Collor fez ao confiscar a poupança no início do seu governo. Não estou aqui comparando as duas coisas, estou apenas chamando a atenção para a dificuldade política de se fazer isso.

Proposta: reduzir em 20% a dívida pública por meio de privatizações.

Comentário: a dívida pública está em aproximadamente R$ 3,7 trilhões. 20% somaria R$ 730 bilhões. A Petrobras seria, de longe, a empresa mais valiosa, e arrecadaria algo como R$ 100 bilhões. Mas a Petrobras não será privatizada. Fico imaginando qual foi a conta para chegar nesse montante.

Proposta: orçamento base-zero (o montante gasto no passado não justifica os recursos demandados no presente).

Comentário: boa proposta, mas a implementação é difícil, é necessário um processo orçamentário muito mais trabalhoso. É preciso muita vontade política para a implementação.

Proposta: introdução paulatina do regime de capitalização para a Previdência.

Comentário: se pudéssemos zerar a conta de todo mundo e começar tudo de novo, este seria o melhor regime. Mas o problema é que os novos entrantes no regime pagam as pensões dos que se aposentam. Sem esses novos entrantes, que optariam pela capitalização, abre-se um rombo na previdência antiga. O programa aponta a criação de um “fundo” para custear este rombo. A origem do dinheiro para constituir este fundo não é especificado pelo programa. Inclusive, mais à frente, a proposta diz que haverá redução da tributação sobre salários. A conta não fecha.

Proposta: renda mínima universal.

Comentário: bom programa, uma extensão do Bolsa Família.

Proposta: reforma tributária.

Comentário: só coloquei aqui porque poderiam pensar que esqueci. Existem só desejos genéricos de reforma tributária, nada de realmente concreto.

Proposta: independência formal do Banco Central.

Comentário: show.

Proposta: carteira de trabalho verde-amarela, com menos direitos trabalhistas e menos impostos.

Comentário: show. Eu optaria no mesmo dia da implantação.

Proposta: redução de alíquotas de importação e barreiras não-tarifárias.

Comentário: show. Sem comentários adicionais. Aliás, se isso for verdade, distingue Bolsonaro do Trump em um ponto importante.

Proposta: depreciação acelerada.

Comentário: muito bom, favorece investimentos, mas significa um subsídio que diminuirá o imposto arrecadado das empresas. Parece ir contra o ajuste fiscal.

Proposta: criação do Balcão Único para a criação/fechamento de empresas.

Comentário: muito bom. Temos em SP a experiência do Poupa-Tempo, que funciona muito bem.

Proposta: prazo máximo de 30 dias para resposta final, por parte dos órgãos públicos, de documentação para abertura/fechamento de empresas. Caso não haja resposta neste prazo, a empresa estará automaticamente aberta ou fechada.

Comentário: show.

Proposta: redução gradual das exigências de conteúdo local para a indústria de óleo e gás.

Comentário: muito bom.

Proposta: preços praticados pela Petrobras deverão seguir os preços internacionais, mas com hedge que suavize os movimentos de curto prazo.

Comentário: falar é mais fácil do que fazer. Normalmente quando as flutuações são baixas o hedge é desnecessário e quando as flutuações são altas o hedge é muito caro.

Proposta: acabar com o monopólio da Petrobras sobre toda a cadeia de produção de gás.

Comentário: todo fim de monopólio é bem-vindo.

Comentário final: as propostas econômicas ocupam, de longe, a maior parte do programa. Talvez porque Bolsonaro sabe que precisa ganhar a confiança nesta área de potenciais indecisos. O ponto fraco é justamente como lidar com o déficit fiscal: o programa nesta área é uma mistura de boas intenções com contradições. Dá para dar um desconto, dado que se trata de um assunto complicado mesmo. A direção geral está correta, melhor do que não reconhecer que Houston, we have a problem.

Trata-se de um programa, sem sombra de dúvida, liberal. Resta saber quão sincera e perseverante é a conversão do capitão ao ideário liberal. Pois será necessária muita convicção para obter o apoio do Congresso ao programa e para manter a rota quando os resultados demorarem a aparecer.

Economia = Matemática + Bom Senso

Certa vez, um professor meu da Poli definiu Engenharia como Física mais bom senso. Poderíamos fazer o mesmo paralelo entre Matemática e Economia: a Economia seria Matemática mais bom senso.

Uma das críticas mais comuns dos “desenvolvimentistas” é que os economistas ortodoxos seriam “cabeça de planilha”, ou seja, estariam presos à Matemática, não deixando espaço ao bom senso que faz a boa economia.

No entanto, ao ouvir certas propostas de “desenvolvimentistas”(como por exemplo, o governo tirar todos os nomes do SPC), parece o contrário: da Matemática retira-se o bom senso, e resta uma peça de ficção.

Um exemplo é a resposta universal que todo economista heterodoxo dá quando lhe perguntam de onde sairá o dinheiro para as suas políticas. Ora, do próprio crescimento econômico gerado pela política adotada, respondem. É o moto-perpétuo das políticas que estimulam a demanda. Se funcionassem, não haveria país pobre nesse mundo de Deus.

Quando não funcionam, os culpados são “a má-vontade da mídia”, “as pautas-bomba do Congresso”, “a sabotagem da plutocracia”, etc. Nunca as políticas adotadas.

Claro, a Economia é uma ciência humana, não se resume à Matemática. Mas assim como a Engenharia não pode desafiar a Física, a Economia não pode desafiar a Matemática. Mas desafiar a Matemática não é a única proeza dos economistas heterodoxos. A própria Economia sofre nas mãos desse pessoal. São sempre propostas de uma nota só: estimular o consumo e o investimento com recursos governamentais. Não consideram nada sobre o comportamento dos consumidores e das empresas, as consequências não intencionais das políticas adotadas, as expectativas racionais dos agentes, o papel das instituições, enfim, tudo que é mainstream nas economias mais desenvolvidas lhes é estranho.

Adaptando a equação do meu professor da Poli, a Economia seria Matemática mais bom senso. Para Ciro Gomes e os economistas do PT, a equação é outra: Economia não é nem Matemática e nem bom senso.

O STF que elege Bolsonaro

Ontem, a trinca Gilmar, Toffoli e Lewandovsky fatiou mais um pouco as delações da Odebrecht contra Lula, tirando de Moro as menções, por exemplo, ao “departamento de operações estruturadas” da empreiteira. A coisa foi tão descarada, que fez renascer a esperança do advogado do presidiário de Curitiba.

Depois não sabem porque Bolsonaro não derrete nas pesquisas.

O PSDB perdeu o bonde da história

O Estadão traz uma reportagem sobre a filiação recorde no PSL, o partido de Bolsonaro. A declaração abaixo é de um dos recém-filiados.

Lula ganhou as eleições de 2002 com folga. Sem bolsa-família e sem a máquina do governo. Ganhou no país inteiro, e não apenas no Nordeste, onde ainda estava longe de ser um mito. Dizem que ganhou, entre outras coisas, porque era o candidato “in pectore” de FHC, que teria feito corpo-mole na campanha do candidato de seu próprio partido. Mas isso pode ser apenas uma lenda.

Em 2006, apenas um ano depois do mensalão, Lula se reelegeu. Saiu do quase-impeachment para uma vitória eleitoral consagradora. Aí entra o trecho destacado acima.

O PSDB, com raríssimas exceções, não soube capitalizar o sentimento anti-petista surgido com o mensalão. Digo “surgido” não porque não existisse antes, mas era um fenômeno muito mais restrito. O mensalão mostrou a verdadeira cara desse partido, mas um não sei que de cumplicidade ideológica misturada com o receio de parecer troglodita aos olhos da inteligentzia nacional, fez com que o PSDB colocasse panos quentes sobre o mensalão, sovando o que seriam mais 10 anos de governos petistas.

Hoje, o discurso do PSDB não é muito diferente. “A lei é para todos” é um mote que está longe de satisfazer o anti-petismo. Levar um saco de lixo com a estrela do PT como fez Bolsonaro é o mínimo que se esperava. Não fizeram em 2005, não estão fazendo hoje. Aliás, hoje seria tarde demais. O PSDB perdeu o bonde da história.

Jogo de palavras

Quando você ouvir os termos “choque de liberalismo” ou “choque de capitalismo” da boca de alguém de esquerda, saiba que está diante apenas de um jogo de palavras.

Todo mundo é trouxa

Esta proposta do Ciro é errada de várias maneiras combinadas.

1. O Banco do Brasil e a Caixa serão obrigados a aceitar um desconto sobre a dívida inscrita no SPC. Não será como em um feirão de renegociação, como na comparação mal-intencionada do candidato. Em um feirão, os bancos negociam um a um, e têm um budget para negociar. Na renegociação do Ciro, a ordem vem de cima para baixo, forçando um cancelamento de dívida que pode estar acima de sua capacidade de conceder. No final, o governo precisará capitalizar seus bancos. Com que dinheiro? Já vimos BB e Caixa sendo usados para implementar políticas de juros no governo Dilma, e o resultado não foi dos melhores.

2. Os bancos privados também serão chamados a colaborar, mediante uma redução do depósito compulsório. Ou seja, além de liberar espaço no balanço das famílias, os bancos privados terão mais dinheiro para emprestar. Será um novo voo de galinha, baseado exclusivamente no crédito, e que termina em mais inflação. Novamente, já vimos esse filme antes.

3. É o governo que vai pagar a dívida dos inadimplentes (“são só R$1.800 por família!”), não são os próprios, como em um feirão de renegociação. De onde sairá o dinheiro?

4. Mas talvez o efeito mais deletério seja sobre o comportamento do devedor. Se eu sei que não precisarei pagar a dívida, então vou me endividar pra valer! No final, o governo paga. É o efeito Refis. “Ah, mas nunca mais o governo vai fazer isso, é só uma vez!” Quem disse? Se fez uma vez, por que não pode fazer de novo? Os endividados sempre esperarão outro “limpa-nome”. E, enquanto isso, se endividarão mais.

Ciro está comprando os votos dos endividados com o dinheiro de todos os contribuintes. Aqueles que não se endividaram ou que pagam suas dívidas em dia são trouxas, no final do dia.

É isso: Ciro é o candidato que acha que todo mundo é trouxa.