Os EUA contam com dois partidos principais, que dominam a vida política do país quase desde sempre: Republicanos e Democratas.
A Inglaterra conta com dois partidos principais, que dominam a vida política do país: Conservadores e Trabalhistas.
Assim ocorre, em maior ou menor grau, em países com vida democrática normal. Há mais partidos na França, na Alemanha, na Itália e no Japão, mas o espectro ideológico todo acaba tendo representação, da esquerda para a direita.
Nos países com dois partidos dominantes, como EUA e Inglaterra, os mais moderados e os mais radicais de ambos os espectros convivem dentro do partido. Assim, temos Bernie Sanders e Hillary Clinton dentro do Partido Democrata, e temos (ou tínhamos) John McCain e Trump dentro do Partido Republicano. Isso se repete no legislativo também, com todo o espectro ideológico mais ou menos representado.
No Brasil isso era verdade também. Antes de 1964, tínhamos desde o PCB de Prestes até a UDN de Carlos Lacerda. Todo o espectro ideológico dos cidadãos estava representado na política.
O golpe civil-militar de 64, sabiamente, manteve dois partidos: a Arena e o MDB. Genericamente, na Arena abrigavam-se os políticos de direita, enquanto para o MDB iam os políticos da oposição, de esquerda. Em ambos os partidos havia os moderados e os radicais, como ocorre em qualquer partido ocidental. Obviamente, por muitos anos tratou-se de uma pantomima para inglês ver, pois o poder era exercido, de fato, de maneira ditatorial pelas Forças Armadas. Mas foi esse arranjo que, por fim, conseguiu forçar a volta do funcionamento normal das instituições democráticas.
Com o fim do período ditatorial, a direita encolheu e tornou-se marginal. Ninguém queria ser identificado com os algozes daquele período. Os dois partidos que dominaram a política brasileira desde então foram o PT e o PSDB. O PT sempre foi o que podemos considerar a esquerda radical, enquanto o PSDB representava a esquerda moderada. Com o “amaciamento” do PT, principalmente depois da eleição de Lula em 2002, o PSDB foi “empurrado”, contra a sua vontade, para a direita, mas nunca assumiu, de fato, este papel. Esconder a herança liberal de FHC, por exemplo, foi um sintoma dessa má vontade do partido.
Ocorre que a sociedade brasileira continuou a mesma: as pessoas continuaram se dividindo entre esquerda e direita, alguns mais radicais, outros mais moderados. Curiosamente, esta distribuição ideológica não esteve representada politicamente nos últimos 30 anos. A consequência disso foi a criação de uma jabuticaba: se você não é petista, você é anti-petista. A direita passou a existir somente como uma referência negativa ao petismo.
Bolsonaro, por sorte ou por tirocínio, tanto faz, ocupou este espaço vazio. Além de aproveitar-se da má vontade geral com os políticos, que vem desde as manifestações de 2013 e foram agravadas com o petrolão, Bolsonaro também faz um discurso indubitavelmente à direita. Não à toa, o PSDB ficou sem discurso nessa eleição: seus próceres prefeririam ser identificados como esquerda moderada, mas o PT tomou esses espaço. A alternativa seria apresentar-se como direita moderada, mas não se faz isso de improviso, é preciso construir esta identidade ao longo do tempo, com atos, mais do que com palavras.
Assim, os órfãos da direita migraram em massa para o ex-capitão. Em política, não existe isso de Centro. Os moderados gostam de se ver e de se autodenominar de “centro”. Gostariam de se aproveitar do melhor dos dois mundos e, supostamente, angariar maioria eleitoral. O que conseguem, no entanto, é apenas serem vistos pelo “outro lado” como pusilânime.
Tudo indica que o PSDB será o grande perdedor dessa eleição. Mas a perda eleitoral é apenas um sintoma. O PT mostrou que perdas eleitorais são provisórias. O que importa é manter uma identidade coerente ao longo do tempo, o sucesso eleitoral vem a reboque. A grande perda do PSDB, principalmente em sua cidadela de São Paulo, já ocorreu: foi perder o eleitor de direita. Os tucanos descobrem, horrorizados, que recebiam votos por pura falta de outra opção melhor para os eleitores de direita.
Bolsonaro é um surfista da onda direitista no Brasil, que vai quebrar a cara mais à frente. Não terá a mínima condição de governabilidade. No entanto, tem o grande mérito de ter devolvido a direita ao espectro político. Daqui para frente, uma nova geração de políticos perderá o receio de serem estigmatizados por representarem a direita, e surgirão pessoas de melhor qualidade neste campo.
PS.: aos que acharem a análise acima muito “simplista”, vou dizer que concordo. Há muitas nuances envolvidas, as classificações “esquerda” e “direita” estão longe de esgotar a realidade. No entanto, acho que são úteis para a discussão do que está acontecendo. Se não esgotam a realidade, pelo menos dão algumas pistas.