Bolsonaro e Amoêdo: semelhanças e diferenças

Por que a candidatura Amoêdo incomoda de maneira crescente os apoiadores de Bolsonaro? (Até o momento só os apoiadores, não vi nenhum ataque do próprio candidato).

Tentaremos entender esse fenômeno investigando as semelhanças e as diferenças entre as duas candidaturas.

1) Uma primeira semelhança é que se trata de duas candidaturas de fora do establishment, que nasceram como uma reação ao establishment. No entanto, há nuances importantes: Bolsonaro é político há 30 anos. Baixo clero, ok, mas político profissional, vive disso. Amoêdo, pelo contrário, está chegando agora à política. Nunca teve cargo público, sempre trabalhou na iniciativa privada. Eu, particularmente, não gosto de gente sem nenhuma experiência política, acho que a política precisa de profissionais do ramo para funcionar. Mas, para quem quer uma renovação radical, Amoêdo é mais radicalmente anti-establishment, ainda que Bolsonaro também o seja.

2) Uma segunda semelhança é o pensamento liberal. Ambos se proclamam liberais, mas Bolsonaro é cristão-novo, e suas convicções liberais ainda não foram colocadas à prova. Amoêdo, por sua vez, criou-se em ambiente liberal, este é o seu ponto forte para quem não quer surpresas nesse campo.

3) Ambos são conservadores, mas as credenciais de Bolsonaro, neste caso, são bem mais fortes. Difícil pensar em um mote mais conservador do que “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A defesa da família, da propriedade, dos costumes estão muito mais presentes no discurso de Bolsonaro. Amoêdo dá muito mais ênfase à economia, sendo às vezes ambíguo na área dos costumes, o que já lhe valeu a pecha de “comunista”, dada pelos bolsonaristas mais exaltados.

4) Amoêdo é candidato por acaso, porque foi o líder da criação do Novo. O importante é a consolidação do Novo, a candidatura à presidência é função disso. Já a candidatura de Bolsonaro é personalista. O PSL é apenas uma barriga de aluguel, porque no Brasil não existem candidaturas independentes.

5) Amoêdo é muito menos polêmico. Suas falas são mais anódinas, mais técnicas. Bolsonaro é mais “povão”, não tem medo do politicamente incorreto. Até por conta disso, desperta paixões contra e a favor, fazendo com que seu capital de votos esteja consolidado, mas sua rejeição seja das mais altas.

6) Por fim, tanto um quanto o outro, até por suas características anti-establishment, terão imensas dificuldades de lidar com o Congresso. Bolsonaro tem a vantagem de conhecer o jogo parlamentar, apesar de se dizer fora do jogo. Já a vantagem de Amoêdo é seu temperamento mais conciliador, o que, teoricamente, favoreceria composições em torno de projetos.

Com esses elementos, podemos entender porque a candidatura de Amoêdo vem incomodando. Para alguns bolsonaristas, Amoêdo rouba votos que, de outra forma, iriam para o ex-capitão. Essa convicção tem como pressuposto os itens 1 e 2 acima: Amoêdo é anti-establishment e liberal, assim como Bolsonaro.

Roubando votos de Bolsonaro, o candidato do Novo e seus eleitores estariam agindo de modo pouco estratégico: afinal, este seria o momento de “unir as forças da direita” para nos livrarmos dos “comunistas”. Bolsonaro, por estar melhor colocado nas pesquisas, seria o estuário natural desses votos, não fosse a presença incômoda dessa outra candidatura semelhante. Ou seja, os bolsonaristas pregam o voto útil no 1o turno.

Esse argumento não faz sentido, nem do ponto de vista teórico, nem do ponto de vista prático.

Do ponto de vista teórico, Amoêdo é bem diferente de Bolsonaro. Dos 6 itens acima, nenhum é absolutamente comum, há nuances ou diferenças que podem ser importantes no momento da decisão do voto. Portanto, votar em Bolsonaro não é o mesmo que votar em Amoêdo, e existem pessoas que não votam útil de jeito nenhum (não é o meu caso).

Do ponto de vista prático, o argumento é contrário a Bolsonaro. Os bolsonaristas gostariam de receber os votos dos amoedistas para que fosse possível a vitória já no 1o turno ou, no limite, para garantir a passagem de um “candidato de direita anti-establishment” ao 2o turno. Ora, o primeiro motivo é tosco. Se fosse possível a Bolsonaro ganhar no 1o turno com os votos dos amoedistas, então será possível ganhar no 2o turno com os mesmos votos, se o próprio Bolsonaro não perder os votos que ganhou no 1o turno (tipo Alckmin em 2006). Trata-se de uma questão matemática.

Já o segundo motivo é mais relevante: e se a divisão de votos entre Amoêdo e Bolsonaro impedir que ambos alcancem o 2o turno? Isso sim pode acontecer e, em tese, justificaria o voto útil no candidato com mais chances.

Digo em tese porque depende das preferências de cada um. Se o fato de ser “anti-establishment de direita” é a coisa mais importante, então, de fato, o voto útil em Bolsonaro no 1o turno se justifica.

Se, por outro lado, o eleitor é, antes de tudo, anti-petista (como é o meu caso), então o voto em Bolsonaro não é tão óbvio assim. Bolsonaro sofre alta rejeição (que tende a aumentar durante a campanha), o que o torna presa fácil no 2o turno, inclusive para um improvável Haddad. Assim, para pessoas que dão mais valor ao anti-petismo do que ao anti-establishment, o voto útil em Alckmin poderia fazer mais sentido. Enfim, uma mensagem aos “estrategistas da candidatura Bolsonaro”, repetindo o que já disse aqui: esta eleição é cheia de nuances e pegadinhas. A decisão sobre voto útil tem mais variáveis do que o maniqueísmo de alguns bolsonaristas admitem. O mundo é um pouco mais complexo.

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