Já ouvi essa ideia de alguns amigos que considero inteligentes e de muito bom-senso: uma nova Constituição elaborado por “notáveis”. Assim, pelo menos em tese, teríamos uma Carta Magna livre dos interesses venais que supostamente regem a atuação dos políticos de carreira.
Vejo dois problemas insuperáveis com essa ideia.
O primeiro, de ordem teórica, é achar que o “melhor” para o país sairá da cabeça de um grupo de notáveis. Cada um tem, em sua mente, um modelo do que seria um país ideal. A campanha da Globo, “o país que eu quero”, mostra parcialmente isso. Digo parcialmente, porque aqueles filmetes são filtrados pelo “padrão Globo de qualidade”. No final, resulta o país que a Globo quer. Duvido que não haja, por exemplo, depoimentos pedindo a pena de morte pra vagabundo que estupra e mata. Mas isso, obviamente, a Globo não mostra.
Quando pensamos em notáveis, vêm à mente pessoas que conseguem traduzir em palavras as ideias que temos do que seja “o bom, o justo e o belo”. No entanto, há “notáveis” que, se tivessem suas ideias implementadas, seriam a receita do desastre. Consigo pensar, por exemplo, em Luiz Gonzaga Belluzzo ou Bresser-Pereira, para ficar apenas no campo das ideias econômicas.
Assim, passamos para o segundo problema com essa idea, dessa vez de ordem prática: o processo de escolha desses “notáveis”. Como seria esse processo, se não há votação popular, se não são eleitos? Seria pela quantidade de artigos publicados em jornais ou revistas científicas? Pelas suas ações filantrópicas? Pelo número de citações na Wikipédia?
E o estabelecimento de critérios para a escolha seria apenas um problema de 2a ordem. O principal problema é QUEM estabelece esses critérios. Os políticos atuais? A Rede Globo? Um outro conjunto de notáveis, dando origem a um problema recursivo?
Alguém poderia sugerir que esses notáveis, estes sim, poderiam ser eleitos. Mas isso só transferiria o problema de lugar: como evitar que “não notáveis” também se candidatassem? Quem definiria os notáveis que poderiam se candidatar? Com que critérios? Como veem, o problema continua existindo da mesma maneira.
Muitas vezes, quando pensamos em uma Assembleia de Notáveis, vem à mente a experiência dos Founding Fathers nos EUA, que desenharam uma Constituição enxuta, e que já dura mais de 200 anos. Esquecemos, no entanto, que os Founding Fathers eram políticos eleitos, não “notáveis”. Talvez a restrição do voto aos mais instruídos tenha tido o seu papel na qualidade daquela Assembleia Constituinte. Mas não creio que tenha sido o ponto fundamental. Mesmo porque, todos conhecemos pessoas inteligentes e instruídas que têm ideias estapafúrdias (do nosso ponto de vista, claro).
A experiência americana funcionou porque o mindset da população, que ELEGEU os Founding Fathers, era de uma determinada forma. Os países são o que o seu povo é. Chicanas, como uma Assembleia de Notáveis, mesmo que fosse viável do ponto de vista operacional, não entregaria uma Constituição muito diferente da que está aí. Exemplo disso é a crença de que o povo tem direitos a que o Estado deve atender, crença esta que vai do trabalhador rural mais humilde até a agora ex-presidente do STF. Uma assembleia de notáveis brasileiros produziria uma Constituição eventualmente até mais enxuta, mas com os mesmíssimos problemas da atual. (Problemas do meu particularíssimo ponto de vista, claro. Como eu disse, há muita gente boa que acha que o Estado tem que ser provedor mesmo).
Então, não tem solução? Solução mágica, aquela que resolve o problema da noite para o dia, evidentemente não. O que existe é um trabalho de formiguinha, de mudança de mentalidade ao longo de gerações.
De nossa parte, o que podemos fazer é eleger pessoas que possam levar as ideias que consideramos acertadas para o Congresso, o lugar onde se dão os embates dessas ideias. Qualquer outra solução mal esconde o seu viés autoritário.