Hoje, 14/10/2018, o Real completa 8.871 dias de existência. Ou 24 anos, 3 meses e 13 dias.
Mas o que esta data tem de tão especial, poderão perguntar. E com razão.
Esta data é especial porque o Real, a partir de hoje, passa a ser o padrão monetário brasileiro mais longevo desde a substituição dos Réis pelo Cruzeiro em 01/11/1942, ainda no governo Getúlio Vargas.
O Cruzeiro, estabelecido por Getúlio Vargas, durou até 13/02/1967, quando outro governo ditatorial, o de Castelo Branco, cortou três zeros e substituiu a moeda pelo Cruzeiro Novo.]
A moeda criada por Getúlio Vargas durou exatos 8.870 dias, e era, até hoje, a moeda brasileira mais longeva da história, depois dos réis. Até hoje.
A seguir, um breve resumo dos padrões monetários brasileiros desde a criação do Cruzeiro (considerei mudança de moeda somente quando houve corte de zeros):
Cruzeiro: 01/11/1942 a 13/02/1967 (8.870 dias)
Cruzeiro Novo (e depois, Cruzeiro novamente): 13/02/1967 a 28/02/1986 (6.955 dias)
Cruzado: 28/02/1986 a 16/01/1989 (1.053 dias)
Cruzado Novo (e depois, Cruzeiro novamente): 16/01/1989 a 01/06/1993 (1.658 dias)
Cruzeiro Real: 01/06/1993 a 01/07/1994 (334 dias)
Real: 01/07/1994 até hoje (8.871 dias, and counting)
A moeda é a expressão da respeitabilidade de um país. Hoje em dia, nada lastreia uma moeda, a não ser a confiança de que o seu emissor vai respeitá-la. Aceitamos receber um pagamento em reais porque temos confiança de que estes reais serão aceitos por um terceiro logo adiante. E, importante, pelo mesmo valor pelo qual os recebemos.
Isto pode parecer uma bobagem, mas em países como a Argentina, o dólar tem mais curso do que a própria moeda. Isso significa que as pessoas aceitam melhor o dólar do que o peso.
Um país avilta a sua moeda quando o seu governo, responsável último por emiti-la, inflaciona o seu valor para financiar seus próprios gastos. Quando isso acontece, o dinheiro passa a ser um mero papel pintado, com escasso valor.
Quando Fernando Henrique colocou em prática a ideia do Real, deixou muito claro que aquilo só funcionaria se a realidade sobre as contas públicas não fosse escondida. O nome “real” não foi escolhido à toa: a ideia era que representasse a realidade, a coisa real.
Assim, o real foi uma construção baseada na realidade. Nesse contexto, vários esqueletos foram tirados dos seus armários. O maior deles foi o rombo dos bancos públicos estaduais. O governo FHC patrocinou a renegociação dessas dívidas, federalizando e privatizando esses bancos. Em outras palavras, aquela dívida, que estava escondida nos balanços desses bancos, foi explicitada e incorporada na dívida da União. O PT acusa o governo FHC de ter aumentado a dívida pública de 30% do PIB para 60% do PIB em seu governo, o que é verdade. O que não falam, no entanto, é que esta dívida já existia, escamoteada em mil e uma artimanhas usadas para esconder a real condição das contas públicas brasileiras.
Dilma Rousseff tentou fazer o mesmo quando a coisa começou a sair do controle. Usou o balanço dos bancos públicos para esconder o rombo das contas públicas, além de tocar um verdadeiro orçamento paralelo no BNDES. Caiu diante da Lei de Responsabilidade Fiscal, instituição criada no governo FHC justamente para evitar que o orçamento público se tornasse novamente uma peça de ficção.
A mentira sobre as contas públicas é a verdadeira causa da inflação e da falência da moeda de um país. No Brasil, antigamente, quando faltava dinheiro para pagar as contas do governo, sempre havia um banco públicos para salvar o dia. O dinheiro aparecia como que por mágica. Hoje, o salário e a aposentadoria dos funcionários públicos dos estados estão sendo atrasados. Falta dinheiro, e os estados não têm mais como gerá-lo do nada.
O teto de gastos é a simples constatação da realidade das coisas. Quando vejo candidatos à presidência dizendo que o teto é inexequível, no fundo vejo a resistência à realidade, como se os problemas pudessem ser resolvidos com a força do pensamento mágico.
O Real é a moeda mais longeva dos últimos 75 anos porque conseguimos montar um arcabouço institucional que nos prende à realidade das coisas. Arcabouço este, inclusive, que serviu de base técnica para o impeachment de um presidente. Não é pouca coisa.
A discussão sobre a reforma da previdência em particular e sobre o equilíbrio das contas públicas em geral é apenas a continuação desse esforço de construção de uma moeda respeitável. Fazer de conta que o problema não existe, que os credores de nossa dívida têm paciência infinita com a leniência, é não se render à realidade das coisas. É, em última instância, minar a credibilidade da moeda.
A moeda de um país é o fruto de muitos anos de respeito às instituições. Sofremos muito com a inflação no passado. Espero sinceramente que tenhamos aprendido a lição.
Vida longa ao Real!