A prepotência petista

“Por ter sistematicamente desrespeitado aqueles que não aceitaram sua busca por hegemonia, por ter jogado brasileiros contra brasileiros e por ter empobrecido a política por meio da corrupção e do populismo rasteiro, o PT colhe agora os frutos amargos – na forma de um repúdio generalizado ao partido em quase todo o País e da desmoralização de sua tentativa de vestir o figurino democrático, que nunca lhe caiu bem.”

Editorial dO Estado de São Paulo

O que aconteceu nos últimos 29 anos?

Em 1989, Brizola e Covas subiram no palanque de Lula contra Fernando Collor.

Em 2018, Ciro foi para a Europa e FHC mandou o PT para o inferno. E isso com um candidato bem menos radical como Haddad e contra um adversário como Jair Bolsonaro.

O que aconteceu nesses 29 anos?

Está aí uma boa matéria de reflexão para o PT.

Um símbolo

O RJ está quebrado.

Para fechar as contas, aprovou um empréstimo com o aval da União, tendo como garantia um dos poucos ativos do Estado com algum valor: a empresa de saneamento CEDAE.

Ou seja, se o Estado não conseguir honrar o empréstimo, a União terá o direito de executar a garantia: a CEDAE será federalizada e, posteriormente, vendida para o ressarcimento dos seus cofres.

Pois bem.

Os deputados estaduais fluminenses aprovaram, POR UNANIMIDADE, uma proibição à venda da CEDAE. Pezão vetou esta proibição. Agora, depois que os dois candidatos ao governo que chegaram ao 2o turno mostraram reticências em relação à venda da estatal, os deputados estaduais estão se preparando para derrubar o veto do governador.

O que acontecerá? Um imbróglio jurídico. A União tentará executar a garantia (claro, porque quem aí aposta que o Estado do RJ conseguirá honrar a dívida?) contra uma lei estadual. A coisa se arrastará por anos, ou mesmo décadas, no STF. Enquanto isso, adivinha quem financiará o rombo do RJ? Não precisa ser muito esperto, não é mesmo?

Imagine se a moda pega. A União financia o rombo de uma unidade da federação, tendo como garantia um ativo controlado por essa unidade. Posteriormente, o legislativo dessa unidade da federação proíbe a venda desse ativo. Na prática, trata-se de um calote antecipado. E a conta será paga pelos de sempre.

Como gostam de dizer, a CEDAE é um símbolo. Símbolo dos interesses corporativos e ideológicos que se unem para roubar o contribuinte.

Vida longa ao Real!

Hoje, 14/10/2018, o Real completa 8.871 dias de existência. Ou 24 anos, 3 meses e 13 dias.

Mas o que esta data tem de tão especial, poderão perguntar. E com razão.

Esta data é especial porque o Real, a partir de hoje, passa a ser o padrão monetário brasileiro mais longevo desde a substituição dos Réis pelo Cruzeiro em 01/11/1942, ainda no governo Getúlio Vargas.

O Cruzeiro, estabelecido por Getúlio Vargas, durou até 13/02/1967, quando outro governo ditatorial, o de Castelo Branco, cortou três zeros e substituiu a moeda pelo Cruzeiro Novo.]

A moeda criada por Getúlio Vargas durou exatos 8.870 dias, e era, até hoje, a moeda brasileira mais longeva da história, depois dos réis. Até hoje.

A seguir, um breve resumo dos padrões monetários brasileiros desde a criação do Cruzeiro (considerei mudança de moeda somente quando houve corte de zeros):

Cruzeiro: 01/11/1942 a 13/02/1967 (8.870 dias)

Cruzeiro Novo (e depois, Cruzeiro novamente): 13/02/1967 a 28/02/1986 (6.955 dias)

Cruzado: 28/02/1986 a 16/01/1989 (1.053 dias)

Cruzado Novo (e depois, Cruzeiro novamente): 16/01/1989 a 01/06/1993 (1.658 dias)

Cruzeiro Real: 01/06/1993 a 01/07/1994 (334 dias)

Real: 01/07/1994 até hoje (8.871 dias, and counting)

A moeda é a expressão da respeitabilidade de um país. Hoje em dia, nada lastreia uma moeda, a não ser a confiança de que o seu emissor vai respeitá-la. Aceitamos receber um pagamento em reais porque temos confiança de que estes reais serão aceitos por um terceiro logo adiante. E, importante, pelo mesmo valor pelo qual os recebemos.

Isto pode parecer uma bobagem, mas em países como a Argentina, o dólar tem mais curso do que a própria moeda. Isso significa que as pessoas aceitam melhor o dólar do que o peso.

Um país avilta a sua moeda quando o seu governo, responsável último por emiti-la, inflaciona o seu valor para financiar seus próprios gastos. Quando isso acontece, o dinheiro passa a ser um mero papel pintado, com escasso valor.

Quando Fernando Henrique colocou em prática a ideia do Real, deixou muito claro que aquilo só funcionaria se a realidade sobre as contas públicas não fosse escondida. O nome “real” não foi escolhido à toa: a ideia era que representasse a realidade, a coisa real.

Assim, o real foi uma construção baseada na realidade. Nesse contexto, vários esqueletos foram tirados dos seus armários. O maior deles foi o rombo dos bancos públicos estaduais. O governo FHC patrocinou a renegociação dessas dívidas, federalizando e privatizando esses bancos. Em outras palavras, aquela dívida, que estava escondida nos balanços desses bancos, foi explicitada e incorporada na dívida da União. O PT acusa o governo FHC de ter aumentado a dívida pública de 30% do PIB para 60% do PIB em seu governo, o que é verdade. O que não falam, no entanto, é que esta dívida já existia, escamoteada em mil e uma artimanhas usadas para esconder a real condição das contas públicas brasileiras.

Dilma Rousseff tentou fazer o mesmo quando a coisa começou a sair do controle. Usou o balanço dos bancos públicos para esconder o rombo das contas públicas, além de tocar um verdadeiro orçamento paralelo no BNDES. Caiu diante da Lei de Responsabilidade Fiscal, instituição criada no governo FHC justamente para evitar que o orçamento público se tornasse novamente uma peça de ficção.

A mentira sobre as contas públicas é a verdadeira causa da inflação e da falência da moeda de um país. No Brasil, antigamente, quando faltava dinheiro para pagar as contas do governo, sempre havia um banco públicos para salvar o dia. O dinheiro aparecia como que por mágica. Hoje, o salário e a aposentadoria dos funcionários públicos dos estados estão sendo atrasados. Falta dinheiro, e os estados não têm mais como gerá-lo do nada.

O teto de gastos é a simples constatação da realidade das coisas. Quando vejo candidatos à presidência dizendo que o teto é inexequível, no fundo vejo a resistência à realidade, como se os problemas pudessem ser resolvidos com a força do pensamento mágico.

O Real é a moeda mais longeva dos últimos 75 anos porque conseguimos montar um arcabouço institucional que nos prende à realidade das coisas. Arcabouço este, inclusive, que serviu de base técnica para o impeachment de um presidente. Não é pouca coisa.

A discussão sobre a reforma da previdência em particular e sobre o equilíbrio das contas públicas em geral é apenas a continuação desse esforço de construção de uma moeda respeitável. Fazer de conta que o problema não existe, que os credores de nossa dívida têm paciência infinita com a leniência, é não se render à realidade das coisas. É, em última instância, minar a credibilidade da moeda.

A moeda de um país é o fruto de muitos anos de respeito às instituições. Sofremos muito com a inflação no passado. Espero sinceramente que tenhamos aprendido a lição.

Vida longa ao Real!

FHC, o PT e o inferno

FHC mandando o PT para o inferno, em entrevista hoje no Estadão.

Isso tem história.

Há longínquos 29 anos, Mário Covas subiu no palanque de Lula, para apoiá-lo contra Collor. Era a aliança daqueles que fizeram oposição ao regime militar.

O tempo passou e Fernando Henrique elegeu-se presidente. Enfrentou, desde o início, feroz oposição do PT, incluindo 4 pedidos de impeachment patrocinados pelo partido. Isso não impediu que FHC passasse a faixa presidencial com incontido júbilo para o seu oponente, em 2002. Dizem, inclusive, que Lula era o seu candidato “in pectore” naquelas eleições.

Aparentemente, FHC viu aquela oposição como parte do jogo político, algo legítimo em uma democracia. Contava, inclusive, com interlocutores no partido, que o ajudavam a fazer alguma contraposição à sanha predatória de seus aliados do então Centrão, sempre ele.

Lula não esperou recolherem as sobras da festa da posse, para iniciar a sua peroração sobre a “herança maldita” do governo FHC. Passou seus dois mandatos amaldiçoando o PSDB e FHC pelos males do país. O PSDB virou a representação do “inimigo” a ser combatido.

Mesmo assim, FHC sempre poupou o PT, apesar de reconhecer sua deslealdade. No mensalão, foi um dos artífices do movimento anti-impeachment de Lula. E suas declarações sempre foram no sentido de colocar “panos quentes”.

FHC é um homem de esquerda. Ele nunca escondeu isso de ninguém. Mandar o PT para o inferno por estarem tentando coagi-lo moralmente é um passo gigantesco por vir de quem veio. Significa que, finalmente, o PT está só. Só com sua arrogância e seu projeto hegemônico de poder. Só com seu discurso excludente. Só com suas práticas anti-democráticas.

Não importa se FHC vai apertar o 13 na cabine de votação. Isso pertence à sua consciência e somente a ela. O que importa para o homem público FHC, é que ele mandou o PT para o inferno. Antes tarde do que nunca.

Republiqueta desordeira

Bolivar Lamounier escreve um bom artigo hoje no Estadão, a respeito dos caminhos que o novo presidente, qualquer que seja ele, deveria seguir para obter um mínimo de concórdia.

O primeiro é simplesmente a obediência à Constituição. O articulista enche a boca para dizer que não somos uma “republiqueta desordeira”, que temos uma norma que nos rege a todos enquanto Estado Democrático de Direito.

Lembrei imediatamente do “fatiamento” da pena imposta a Dilma Rousseff por ocasião do impeachment, quando o presidente do Congresso uniu-se ao presidente do Supremo para preservar os direitos políticos da presidente então cassada, em claro, claríssimo, desrespeito à letra da Constituição.

Naquela ocasião, o país presenciou, ao vivo e a cores, como as forças políticas podem rasgar a Santa Constituição, esteio da nossa sacrossanta democracia, assim, sem cerimônia. E nada aconteceu, o país continuou a viver como se Constituição houvesse.

Desculpe-me Bolívar, mas vou discordar: somos uma “republiqueta desordeira”. Se não fôssemos, nem Bolsonaro e nem o PT existiriam.

Bolsonaro é fruto da esquerda

Da página de Gustavo Bertoche.

De onde surgiu o Bolsonaro?

Desculpem os amigos, mas não é de um “machismo”, de uma “homofobia” ou de um “racismo” do brasileiro. A imensa maioria dos eleitores do candidato do PSL não é machista, racista, homofóbica nem defende a tortura. A maioria deles nem mesmo é bolsonarista.

O Bolsonaro surgiu daqui mesmo, do campo das esquerdas. Surgiu da nossa incapacidade de fazer a necessária autocrítica. Surgiu da recusa em conversar com o outro lado. Surgiu da insistência na ação estratégica em detrimento da ação comunicativa, o que nos levou a demonizar, sem tentar compreender, os que pensam e sentem de modo diferente.

É, inclusive, o que estamos fazendo agora. O meu Facebook e o meu WhatsApp estão cheios de ataques aos “fascistas”, àqueles que têm “mãos cheias de sangue”, que são “machistas”, “homofóbicos”, “racistas”. Só que o eleitor médio do Bolsonaro não é nada disso nem se identifica com essas pechas. As mulheres votaram mais no Bolsonaro do que no Haddad. Os negros votaram mais no Bolsonaro do que no Haddad. Uma quantidade enorme de gays votou no Bolsonaro.

Amigos, estamos errando o alvo. O problema não é o eleitor do Bolsonaro. Somos nós, do grande campo das esquerdas.O eleitor não votou no Bolsonaro PORQUE ele disse coisas detestáveis. Ele votou no Bolsonaro APESAR disso.

O voto no Bolsonaro, não nos iludamos, não foi o voto na direita: foi o voto anti-esquerda, foi o voto anti-sistema, foi o voto anti-corrupção. Na cabeça de muita gente (aqui e nos EUA, nas últimas eleições), o sistema, a corrupção e a esquerda estão ligados. O voto deles aqui foi o mesmo voto que elegeu o Trump lá. E os pecados da esquerda de lá são os pecados da esquerda daqui.

O Bolsonaro teve os votos que teve porque nós evitamos, a todo custo, olhar para os nossos erros e mudar a forma de fazer política. Ficamos presos a nomes intocáveis, mesmo quando demonstraram sua falibilidade. Adotamos o método mais podre de conquistar maioria no congresso e nas assembleias legislativas, por termos preferido o poder à virtude. Corrompemos os veículos de mídia com anúncios de empresas estatais até o ponto em que eles passaram a depender do Estado. E expulsamos, ou levamos ao ostracismo, todas as vozes críticas dentro da esquerda.

O que fizemos com o Cristóvão Buarque?

O que fizemos com o Gabeira?

O que fizemos com a Marina?

O que fizemos com o Hélio Bicudo?

O que fizemos com tantos outros menores do que eles?

Os que não concordavam com a nossa vaca sagrada, os que criticavam os métodos das cúpulas partidárias, foram calados ou tiveram que abandonar a esquerda para continuar tendo voz.

Enquanto isso, enganávamo-nos com os sucessos eleitorais, e nos tornamos um movimento da elite política. Perdemos a capacidade de nos comunicar com o povo, com as classes médias, com o cidadão que trabalha 10h por dia, e passamos a nos iludir com a crença na ideia de que toda mobilização popular deve ser estruturada de cima para baixo.

A própria decisão de lançar o Lula e o Haddad como candidatos mostra que não aprendemos nada com nossos erros – ou, o que é pior, que nem percebemos que estamos errando, e colocamos a culpa nos outros. Onde estão as convenções partidárias lindas dos anos 80? Onde estão as correntes e tendências lançando contra-pré-candidatos? Onde estão os debates internos? Quando foi que o partido passou a ter um dono?

Em suma: as esquerdas envelheceram, enriqueceram e se esqueceram de suas origens.

O que nos restou foi a criação de slogans que repetimos e repetimos até que passamos a acreditar neles. Só que esses slogans não pegam no povo, porque não correspondem ao que o povo vivencia. Não adianta chamar o eleitor do Bolsonaro de racista, quando esse eleitor é negro e decidiu que não vota nunca mais no PT. Não adianta falar que mulher não vota no Bolsonaro para a mulher que decidiu não votar no PT de jeito nenhum.

Não, amigos, o Brasil não tem 47% de machistas, homofóbicos e racistas. Nós chamarmos os eleitores do Bolsonaro disso tudo não vai resolver nada, porque o xingamento não vai pegar. O eleitor médio do cara não é nada disso. Ele só não quer mais que o país seja governado por um partido que tem um dono.

E não, não está havendo uma disputa entre barbárie e civilização. O bárbaro não disputa eleições. (Ah, o Hitler disputou etc. Você já leu o Mein Kampf? Eu já. Está tudo lá, já em 1925. Desculpe, amigo, mas piadas e frases imbecis NÃO SÃO o Mein Kampf. Onde está a sua capacidade hermenêutica?).

Está havendo uma onda Bolsonaro, mas poderia ser uma onda de qualquer outro candidato anti-PT. Eu suspeito que o Bolsonaro só surfa nessa onda sozinho porque é o mais antipetista de todos.

E a culpa dessa onda ter surgido é nossa, exclusivamente nossa. Não somente é nossa, como continuará sendo até que consigamos fazer uma verdadeira autocrítica e trazer de volta para nosso campo (e para os nossos partidos) uma prática verdadeiramente democrática, que é algo que perdemos há mais de vinte anos. Falamos tanto na defesa da democracia, mas não praticamos a democracia em nossa própria casa. Será que nós esquecemos o seu significado e transformamos também a democracia em um mero slogan político, em que o que é nosso é automaticamente democrático e o que é do outro é automaticamente fascista?

É hora de utilizar menos as vísceras e mais o cérebro, amigos. E slogans falam à bile, não à razão.