Das 54 cadeiras do Senado que estavam em disputa nas últimas eleições, 46 foram ocupadas por nomes novos. Assim, 57% dos votos para presidente da Casa são de novatos.
O fato de Renan Calheiros chegar forte na disputa mostra que a renovação do Congresso foi só de nomes, não de mentalidade.
Muitos são os sentimentos que brotam de uma tragédia como a de Brumadinho. Mas uma palavra se destaca nas análises que li até o momento: punição.
O resumo é basicamente o seguinte: se tivesse havido punição no caso de Mariana, Brumadinho não teria ocorrido. Os responsáveis teriam pensado duas vezes antes de deixar a coisa chegar onde chegou.
Permitam-me discordar.
Em primeiro lugar porque, mesmo que as penas fossem muito duras, cerca de três anos depois da tragédia de Mariana não haveria ninguém preso. Lembrem-se de que nosso sistema de justiça é amigo de quem pode pagar bons advogados. E a Vale certamente pode. Recursos dos recursos dos recursos estariam sendo interpostos, discussões infindáveis sobre a responsabilização deste ou daquele e outras chicanas estariam sendo usadas para livrar da punição quem sabe usar o sistema judiciário brasileiro, uma verdadeira fábrica de impunidade, com raras e honrosas excessões.
Agora, mesmo que o judiciário brasileiro fosse um exemplo de rapidez e justiça, duvido que isso teria algum efeito relevante sobre as atitudes que levaram a Brumadinho. Explico.
Imagine-se você como diretor da Vale, tendo que tomar decisões sobre as barragens. Se você tomar as decisões erradas, centenas de vidas serão ceifadas, um desastre ambiental de dimensões cósmicas ocorrerá, a empresa poderá 20% do seu valor, provavelmente uma parte relevante de sua remuneração será cortada e você terá que passar pela vergonha de admitir erros em cadeia nacional de rádio e TV. Difícil imaginar que alguém pense: “bem, tudo certo. Como eu não vou ser preso, vamos continuar fazendo a coisa errada”.
Veja, não estou defendendo que não haja punições. Deve haver por uma questão de justiça. Mas achar que isso, colocar os diretores na cadeia, será suficiente para evitar novas tragédias, parece-me ingênuo.
Qualquer pessoa avalia os riscos de suas decisões. Nós estamos fazendo isso o tempo inteiro. Quando decidimos atravessar a rua fora da faixa, ponderamos o risco de sermos atropelados em função do benefício de andar menos. De vez em quando, o risco não compensa. Parece-me pouco provável que os responsáveis pela decisão de manter a barragem de Brumadinho tenham dado de ombros para a possibilidade de centenas de mortes, desastre ambiental etc e tenham seguido com um procedimento arriscado, mas se houvesse a ameaça de prisão não teriam seguido em frente. O “downside”, mesmo sem a pena de prisão, já é suficientemente grande.
O que provavelmente aconteceu é que houve uma falha da avaliação do risco. Foi colocado sobre a mesa de quem tomou a decisão um panorama que subestimou os riscos. Este panorama seria considerado para decisão mesmo que houvesse a perspectiva de punição com prisão dos envolvidos. Pessoas atravessam fora da faixa, subestimando o risco de serem atropeladas. Quer maior punição do que a própria morte?
Novamente, que se aumentem as penas e que se punam os responsáveis, por uma questão de justiça. Mas evitar novas Brumadinhos passa por uma avaliação mais adequada dos riscos envolvidos no sistema de barragens. Quando um avião cai, a indústria aérea procura aprender com aquela tragédia, para que o sistema seja aperfeiçoado. Foi assim que chegamos a um índice realmente baixo de acidentes aéreos. É isso o que de melhor podem fazer a empresa e as autoridades competentes.
Em engenharia não há nada 100% seguro. Os engenheiros sempre trabalham com probabilidades. Desde manter um avião no ar, passando pela integridade de um viaduto até a solidez do prédio onde você mora. Qualquer obra de engenharia é um desafio à natureza e, portanto, tem risco. A exigência de construir algo 100% seguro em qualquer cenário tornaria inviável qualquer obra de engenharia.
A Vale afirmava que a barragem de Brumadinho tinha “risco baixo”. Notem que não é risco zero, mas risco baixo. E devia ser mesmo. Uma série de eventos improváveis deve ter desencadeado o colapso.
Por isso existem os planos de contingência. Para o caso de aquela probabilidade remota ocorrer, todos saberem o que fazer. A questão não é saber porque a barragem colapsou. A questão é entender porque o plano de contingência não funcionou.
1. Os governos Lula e Dilma (que curtiu o tuite) tiveram mais de 13 anos para reestatizar a empresa mas não o fizeram. Por que?
2. Quantas barragens teriam cedido se a Vale fosse estatal?
3. Alguém duvida de que se a Vale ainda fosse estatal teria entrado no esquema de corrupção do PT? Teríamos o “mineirão”.
É óbvio que há falhas graves na gestão de riscos da Vale, não é isso que se está discutindo. Que se tomem as devidas providências de punição aos culpados e mitigação de riscos futuros.
Isso é uma coisa. Outra coisa é usar essa tragédia como crítica às privatizações. Isso só tem um nome: canalhice.
Segundo Mourão e vários outros próceres do governo, o decreto que permite que assessores de 1o escalão decretem dados como ultrassecretos serviria para eliminar a burocracia.
No entanto, ainda segundo Mourão, dados ultrassecretos seriam “raríssimos”. Ora, se é assim, onde está a burocracia? Um fast track do processo só se justificaria se houvesse um grande fluxo. Com o novo decreto haverá?
Além do mais, é curioso que a bem-vinda cruzada pela desburocratização tenha começado por algo que não tenha nada a ver com as agruras do cidadão no seu dia-a-dia. Na verdade, esse é o tipo de burocracia do bem, que torna o governo mais transparente.
Diz o Ministro da Transparência (!), em outro ponto da reportagem, que o acesso continua o mesmo, pode-se entrar com um recurso para se levantar o sigilo, como já acontece hoje. Ora, como serão mais dados sigilosos, vai na verdade aumentar a burocracia de quem quiser ter acesso aos dados. Falar em “desburocratização”, neste caso, é de uma cara-de-pau sem limites. Que seja o Ministro da Transparência a defender a limitação da transparência é coisa digna da George Orwell.
Além disso, não consigo pensar em nenhum dado governamental que devesse ficar sob sigilo por 25 anos, a não ser aqueles que potencialmente envolvam segurança nacional e governos estrangeiros. Que tanto “dado ultrassecreto” existe que demande um decreto desse tipo? Empresas mantém seus “segredos industriais” guardados a sete chaves, para defenderem-se da concorrência. O Brasil, no entanto, não é uma empresa competindo no mercado. A que tipo de segredo o governo não quer que seus cidadãos tenham acesso?
Bolsonaro elegeu-se com o versículo João 8,23: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Talvez tenhamos que adapta-lo aos novos tempos: “conhecereis a verdade, desde que não seja ultrassecreta, e a verdade vos libertará”.
Depois de ler vários análises sobre o discurso de ontem do Bolsonaro, essa foi a que mais se aproxima daquilo que penso.
Complemento: quem está cobrando um discurso de estadista de Bolsonaro (Bolsonaro!) são as viúvas de um político que não existe, a saber, uma estrela de alta grandeza do PSDB que encarnasse o anti-petismo furioso do capitão.
Um recado para as viúvas: a indigência da presidência Bolsonaro é consequência direta da indigência política do PSDB, que não foi capaz de entender em que país se encontrava. Agora, o melhor que têm a fazer é conformar-se em serem representados pelo simplório Bolsonaro, que sequer sabe comer com talheres de prata. Lembrando sempre que a alternativa seria o boneco de ventríloquo do presidiário, que certamente faria um “discurso de estadista” em Davos.
Há 20 anos Itamar Franco declarava a moratória da dívida de MG junto ao governo federal. Era a forma Itamariana de renegociar a dívida do Estado. Na reportagem são citados os culpados de sempre: além de Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também pretendiam renegociar suas dívidas.
Um ano depois era aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, celebrada como o remédio que daria fim à irresponsabilidade dos governantes dos entes subnacionais. 20 anos depois, voltamos à estaca zero: há uma fila de Estados pedindo o penico para a União. O que aconteceu?
Aconteceu que, se dependesse de lei, o Brasil seria o melhor país do mundo. Não faltam leis, falta aplica-las. Quantos ex-governadores perderam seus direitos políticos por não terem cumprido a LRF? Dá uma pesquisada aí depois você me conta. Cabral e Pezão não valem, estes foram presos pela Lava-Jato, a única vez que alguma lei alcançou políticos poderosos em 130 anos de República.
O Brasil é o país onde a lei, para valer, precisa “pegar”. A LRF, infelizmente, não pegou. Prova disso é que, 20 anos depois, há uma fila de governadores com o pires na mão em Brasília. A realidade dos salários atrasados e dos serviços públicos em petição de miséria se impõe à letra fria da lei. Uma grande renegociação vem aí, certamente acompanhada por uma nova e grandiosa “lei” que anunciará uma nova alvorada.
Tenho uma revelação a fazer, e que certamente chocará a muitos: eu fui um dos responsáveis, através do meu voto, de ter colocado Eduardo Suplicy no Senado brasileiro. Isso foi nas eleições de 2006. Sim meus amigos, caí no conto do “petista com quem se pode conversar”. Achava que Suplicy fazia um bom contraponto ao próprio PT do Senado, pois era alguém mais “razoável”. Uma espécie de cavalo de Tróia. Sua postura no mensalão havia sido de crítica, tendo sido o único parlamentar do PT a assinar a petição pela CPI dos Correios.
Meu mundo caiu e percebi a besteira que fiz quando Suplicy colocou-se como defensor número 1 de Césare Battisiti durante o processo de extradição, em 2010. Como seu eleitor, escrevi-lhe uma carta, cobrando-lhe por sua posição. Para minha surpresa, Suplicy respondeu. Deve ter sido uma resposta padrão, mas de qualquer modo foi uma resposta.
Suplicy argumentava que a condenação de Battisti havia sido injusta e blábláblá. Os mesmos argumentos destruídos por Maierovitch no artigo abaixo e que foram fartamente refutados pela imprensa à época.
Uma coisa, no entanto, me deixou triste no artigo: no parágrafo final, Maierovitch lista os maiores derrotados pela extradição de Battisti: Tarso Genro, Lula, o “defensor do combate à impunidade” Luís Roberto Barroso. Suplicy, meu petista favorito, não mereceu sequer uma nota de rodapé na História. Uma completa irrelevância.
No ano passado, quando vi Eduardo Suplicy liderando as intenções de voto para o Senado em São Paulo, pensei cá com meus botões: “isso está errado. Ele não tem mais os votos de pessoas como eu, que não são petistas mas que votam em ‘petistas com quem se pode conversar’. Sem esses votos, ele não se elege.”
Cada um tem sua história no caminho do antipetismo. O seu momento de “iluminação”. O meu não foi no mensalão, pois aquilo realmente não me surpreendeu. Eu já era antipetista na época. A exceção foi Suplicy. O caso Battisti foi o meu Damasco no caminho do antipetismo, onde descobri que “petista com quem se pode conversar” non ecziste, como diria o saudoso Padre Quevedo.
Reportagem hoje no Estadão descreve o surgimento de grupos “marxistas radicais”. Formados por estudantes das melhores universidades chinesas, esses grupos pregam a volta ao “marxismo puro”, aquele que “nunca foi implementado direito”.
Esses grupos reconhecem que a implementação de reformas capitalistas ajudou no crescimento econômico chinês das últimas décadas, mas os frutos desse crescimento não estão de acordo com a cartilha marxista, que é a da “distribuição igualitária” da riqueza gerada.
A apoiar seu raciocínio, nada melhor do que uma estatística que, como diria Roberto Campos, “como um biquíni, mostra tudo, mas esconde o essencial”. Segundo a reportagem, citando dados da World Inequality Database, os 1% mais ricos da China detinham 15% da renda em 1995 e hoje (suponho 2017), os mesmos 1% detém 30% da renda. Um escândalo, que deve estar fazendo Marx revirar-se no túmulo.
No entanto, vamos colocar alguns números nessa análise, para torná-la, digamos assim, mais completa.
Segundo dados do FMI, em 1995, a renda per capita dos 99% chineses mais pobres era de 1,8 mil dólares internacionais, que medem o poder de compra dos habitantes de um determinado país, o Purchase Power Parity. Usando o PPP, isolamos a questão cambial da análise. Em 2017, esta mesma renda per capita era de 11,8 mil dólares internacionais, o que resulta em um aumento do poder de compra dos 99% mais pobres de 635% neste período, ou 9,5% ao ano.
Mas, dirão os marxistas, o crescimento de renda dos mais ricos foi muito maior! Sem dúvida: os 1% mais ricos aumentaram a sua renda, no mesmo período, em 1.686%, ou 14% ao ano.
Os marxistas puros têm a ilusão de que se fossem dadas as condições para diminuir a concentração de renda neste período, os 99% estariam hoje mais ricos. Não conseguem entender que as reformas capitalistas que concentraram a renda são as mesmas que fizeram a China crescer de maneira espetacular nas últimas décadas. Hoje, os chineses mais pobres estão 6 vezes mais ricos do que estavam há pouco mais de 20 anos. E isto não teria sido possível sem as reformas capitalistas que concentraram a renda.
Um contraexemplo é o caso brasileiro. Desde 1995, tivemos TODOS os governos muito preocupados com a distribuição de renda. Proteções trabalhistas, aumento real do salário mínimo, bolsa-família, foram todas políticas que tiveram como objetivo melhorar a vida dos mais pobres. O que se conseguiu?
O World Inequality Database nos informa que o 1% mais rico concentrava 26% da renda em 2001 e 28% da renda em 2015. Esse é um primeiro dado interessante: anos de “políticas distributivas” não fizeram cócegas nos dados de distribuição de renda.
Vamos assumir, só para efeitos de simulação, que a concentração de renda no Brasil tenha ficado constante entre 1995 e 2017 (mesmo período do estudo chinês) em 27%. Sendo assim, em 1995, os 99% mais pobres no Brasil tinham uma renda per capita de 7,0 mil dólares internacionais, contra 1,8 mil dos chineses. Em 2017, a renda per capita tinha subido para 13,1 mil dólares internacionais, contra 11,8 mil dos chineses. O crescimento da riqueza dos 99% foi de 87% neste período, ou 2,9% ao ano.
Ou seja, mesmo com um aumento brutal da concentração de renda, os chineses mais pobres melhoraram seu padrão de vida quase 3 vezes mais que os brasileiros. Quem se saiu melhor, os pobres chineses ou os pobres brasileiros?
A ênfase na distribuição de renda não funcionou nos últimos 30 anos. Será que não está na hora de mudar o disco, e concentrar esforços no crescimento da economia?