Método

Era óbvio que os áudios Bolsonaro-Bebianno iriam aparecer. Não se humilha uma pessoa em praça pública sem troco, se essa pessoa puder dar o troco.

Pode até ter havido quebra de confiança, e os áudios indicam que potencialmente houve sim, com ou sem culpa de Bebianno, pouco importa.

Isso é uma coisa.

Outra coisa é a forma ginasiana como o assunto foi tratado. Qualquer neófito em política sabe como se demite um ministro: primeiro diz que está prestigiado, depois chama o dito-cujo, diz que ele está demitido e combina com o demitido a melhor forma de sair.

Chamar o demissionário de mentiroso em rede social é jogar gasolina na fritura. Uma falta de habilidade política espantosa.

A não ser que…

A não ser que seja método. Um aviso de que todo auxiliar que quebrar a confiança do presidente será pendurado pelado de cabeça para baixo em praça pública.

Bebianno é um personagem absolutamente irrelevante. A República não vai cair com ele. A vida continua. Mas o episódio serviu para mostrar que ou falta a Bolsonaro habilidade política ou o presidente tem um método de tratar auxiliares que pode se voltar contra ele ao longo do tempo. O vazamento dos áudios foi somente uma amostra.

O sigilo bancário do advogado

Mariz de Oliveira, dono de um dos mais prestigiados escritórios de advocacia do país, teve o sigilo bancário quebrado por um juiz de 1a instância.

Nem o próprio advogado teve acesso ao pedido, mas já adiantou que há pagamentos feitos ao doleiro Lúcio Funaro, seu ex-cliente e delator no caso contra o ex-presidente Temer, o qual também foi cliente do nobre advogado. Tudo limpo, comprovado por e-mails, segundo Mariz.

Houve uma gritaria geral da classe, em um raro momento de união entre todas as associações, de todas as colorações ideológicas. Um verdadeiro espírito de corpo.

Sim, a relação advogado-cliente deve ser preservada. Ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Isso é uma coisa.

Outra coisa é o escritório de advocacia se converter em um ponto cego do sistema financeiro nacional, inalcançável sob qualquer hipótese. Se assim fosse, se converteria no instrumento perfeito para lavagem de dinheiro.

A quebra de sigilo bancário é ato grave, não somente contra advogados, mas contra qualquer cidadão. É ato que deve ser acompanhada de sólido embasamento. No caso, deduzo, pela “confissão” de Mariz, tenha se baseado em delação de Lúcio Funaro.

Mariz de Oliveira diz que está absolutamente tranquilo com relação à quebra do sigilo, que pode explicar todas as movimentações. Inclusive, já adiantou uma, sem ninguém pedir nada. Então, por que o barulho?

Ao caracterizar a quebra do sigilo bancário como um ataque à relação cliente-advogado, Mariz e as associações de advogados estão tentando aumentar o custo político deste tipo de ação. Querem continuar sendo um ponto cego do sistema financeiro nacional. Se eu fosse um advogado honesto, que não pactua com relações pouco transparentes com seus clientes, estaria neste momento apoiando a iniciativa do juiz do caso.

Eu gostaria de ter escrito esse texto


Pare e pense: você seria capaz de viver com R$ 387,07 por mês?

Duro, não?

Mas acredite: há 52 milhões de brasileiros sobrevivendo com essa quantia por aqui. Se nós colocássemos todas essas pessoas numa ilha, ela seria mais habitada que o Canadá e a Espanha.

E R$ 220? Impossível?

Segundo o IBGE, há outros 24,8 milhões de brasileiros vivendo com ainda menos do que isso. Incríveis 12,1% da população.

Se você não tem muita dimensão do que isso significa, eu desenho: há uma Austrália vivendo no Brasil com dinheiro suficiente no mês apenas para abastecer um carro com 52 litros de gasolina, ou adquirir 14 Big Macs, ou ainda conseguir pagar a metade de uma cesta básica. E mais nada.

E tem gente em situação ainda pior. Outros 4,4 milhões de brasileiros – o equivalente a uma Croácia – se viram como podem todos os meses com o mesmo que dois ingressos de cinema: R$ 73.

Se você ainda tinha alguma dúvida é a hora do fim da inocência. Nós indiscutivelmente não somos um país rico – dos brasileiros que trabalham, metade recebe menos que um salário mínimo por mês.

É uma vida do cão. E nas piores condições.

São quase 100 milhões de pessoas (mais do que a população da Coreia do Sul e da Argentina somadas) sem coleta de esgoto, 17 milhões (uma Holanda) sem acesso à coleta de lixo e outras 4 milhões (mais que um Panamá) sem um mísero banheiro em casa.

Eu não faço ideia de quem você seja, mas a sua situação é certamente melhor do que essa. Só por estar lendo este texto tenho certeza que o seu futuro é mais promissor que o de 50 milhões de brasileiros analfabetos ou analfabetos funcionais que não seriam capazes disso.

Também sei que você é mais rico que 35% da população sem qualquer conexão à internet.

Com um salário de R$ 1.500 por mês você ganha mais que 84% dos baianos. Com R$ 2 mil você está melhor que 91% dos maranhenses. Com R$ 2.500 você está acima de 86% dos mineiros. Com R$ 3.500 você está na lista dos 10% com os maiores salários do Brasil.

E o pior: você provavelmente nem sabia disso.

9 em cada 10 brasileiros acham que estão na metade mais pobre do país. Nós somos tão ignorantes a respeito da nossa condição socioeconômica que 68% dos brasileiros que ganham ao menos R$ 4.700 por mês – ou seja, entre os 7% mais ricos do país – acham que estão na parte de baixo da pirâmide social.

E antes que me esqueça – nós evidentemente somos um país com diferenças salariais abissais entre a imensa maioria da população e uma pequena parcela de brasileiros que recebem bem acima desses valores.

Mas não é como se dividir o dinheiro de todo mundo de forma igual fosse uma opção. Primeiro porque esse dinheiro dividido não resolveria a vida de ninguém – a renda domiciliar per capita no Brasil é de R$ 1.268.

Segundo porque essa tentativa já foi realizada em mais de vinte países no século passado e resultou apenas em fuga em massa, desemprego, baixa produtividade, escassez de produtos básicos e violência generalizada.

A grana iria secar rápido.

Como resolver? Não tem outro jeito: aumentando a nossa produtividade.

E eu sei que isso soa economês castiço, mas é bem mais simples do que parece.

A produtividade geral do trabalho no Brasil está entre as mais baixas do mundo: US$ 19,52 por pessoa empregada por hora. A média dos países analisados pelo International Institute for Management Development é de US$ 40,54.

Ou seja: se colocar um brasileiro e um gringo para produzir um prego, eles produzirão o dobro da gente no mesmo espaço de tempo. Nós seremos humilhantemente derrotados.

E não será por acaso.

A nossa educação é pior que a deles. A nossa infraestrutura também. Mas especialmente: as nossas leis são as mais estúpidas do mundo.

Neste momento, cada empresa brasileira segue uma média de 3.796 normas tributárias, com mais de 11 milhões de palavras – o correspondente a quase 6 quilômetros de normas para cada uma delas; uma fila interminável de papel.

Literalmente não há nenhum outro lugar do planeta onde isso aconteça.

Segundo o Banco Mundial, nós estamos apenas na posição 109 no ranking de facilidade de fazer negócios – atrás de Zâmbia, Tonga, Guatemala e Namíbia.

Tudo isso bloqueia a nossa produção de riqueza. E essa não deveria ser uma posição ideológica: o maior programa social é o crescimento econômico. Mesmo os defensores de uma maior presença do Estado na vida das pessoas deveriam entender que a única maneira de construir bem-estar social sustentável é destravando os mecanismos capazes de aumentar a renda média da população.

Não existe milagre.

Passou da hora de medir riqueza pela sua régua. Você vive numa bolha de classe média. Tem gente lá fora sofrendo de verdade. Gente suja, ignorante e mal paga, abandonada por instituições com cada vez menos poder de proteção.

Essas pessoas deveriam ser a prioridade do país. É no colo delas que cai cada tragédia.

E aqui, só entre nós: redistribuição de renda não resolverá os nossos problemas. O esgoto neste país é muito mais baixo. E ele fede muito menos na sua casa.

Rodrigo da Silva, editor do Spotniks

A bolha nossa de cada dia

A colunista do Estadão canta em prosa e verso as vantagens de uma escola da periferia. De Nova York e por apenas um ano, que fique claro.

Quando se tratou da coisa pra valer, o ensino de seu filho aqui no Brasil durante vários anos, às favas a “diversidade” e a “experiência fora da bolha”. O filho da jornalista foi matriculado em uma boa escola classe média alta.

Não consigo pensar em exemplo mais acabado de esquerda caviar, aquela que canta as vantagens de um “outro mundo possível” enquanto não abre mão de todas as vantagens que o capitalismo mais selvagem lhe oferece.

A jornalista chega a criticar os pais nova-iorquinos que se mudam para tentar matricular seus filhos em escolas mais “brancas”, abrindo mão das supostas vantagens da diversidade sociocultural. Diversidade esta que certamente não existe na escola particular de seu filho no Brasil.

Não consigo deixar de comparar essa situação com as excursões organizadas por agências de turismo nas favelas do Rio. Os turistas visitam as favelas como se estivessem visitando um zoológico, para ver de perto aqueles bichos, como vivem, do que se alimentam. Os turistas têm, assim, uma experiência do que seja a “pobreza”.

A experiência do filho da jornalista foi como uma visita ao zoológico. Depois de ter a experiência de conviver com os bichos durante um ano, a vida real é uma boa escola particular branca. Dá asco.

Assim é se assim lhe parece

A última versão do pastelão que se tornou esse affair Bebianno é que Bolsonaro seria absolutamente irredutível quando se trata da lisura de seus auxiliares. Bebianno teria perdido a confiança do presidente por conta do laranjal de candidatos no diretório de Pernambuco.

Assim é se assim lhe parece.

Em primeiro lugar, seria a primeira vez que Bolsonaro estaria dando ouvidos à Folha de São Paulo. Vamos lembrar que a “denúncia” foi da Folha, até ontem uma fábrica de fake news. Deixou de ser?

Em segundo lugar, Ricardo Salles, ministro do meio-ambiente, foi CONDENADO por improbidade administrativa. Está recorrendo, provavelmente vai ser absolvido em 2a instância porque a acusação é fraca, mas vamos combinar que é algo muito mais grave do que uma reportagem da Folha (da Folha!). Salles continua merecendo a confiança do presidente.

Então, quem quiser acreditar que Bolsonaro demitiu Bebianno por “não tolerar corrupção”, que continue acreditando. A mim, me parece mais plausível a versão de que Bebianno ousou desafiar um dos filhos do presidente e se deu mal.

Todos quem, cara-pálida?

Se fosse verdade que “todos ganhariam se o BB fosse privatizado”, o BB já estaria privatizado.

Perderiam os políticos, que não teriam onde colocar seus apaniguados (este governo é uma exceção, vamos ver até quando).

Perderiam os funcionários, que são protegidos pelo status de “concursados”.

Perderiam os empresários, que dependem da meia-entrada dos recursos subsidiados.

Esse “todos” se refere a todos os brasileiros que não pertencem a nenhum dos grupos acima. Mas a maioria dos que seriam beneficiados são enganados pela cantilena do “patrimônio do povo”.

Como diz o presidente do BB, quem sabe um dia os maiores beneficiados acordem.

Idade mínima para todos

Artigo inatacável de Hélio Zylberstajn.

Eu pertenço ao terceiro grupo citado no artigo, o mais prejudicado pelo estabelecimento da idade mínima.

Poderia dizer que estou disposto a dar minha “cota de sacrifício” para o bem do país e blá, blá, blá. Bobagem.

Quem está no terceiro grupo, já deveria ter começado uma poupança previdenciária particular há muito tempo. Era óbvio que ou as regras para acesso à previdência pública iriam endurecer, ou a previdência iria quebrar, deixando de pagar os benefícios com regularidade.

Se você está no terceiro grupo e ainda conta com a previdência pública, melhor acordar.

O último apaga a luz

O presidente chamou publicamente de mentiroso um de seus ministros (ok, apenas retuitou, dá no mesmo). O ministro está demitido. Pode até continuar no governo, mas será um morto-vivo.

Mas não foi um ministro qualquer. Foi o seu ministro mais fiel, aquele que certamente daria sua vida pelo presidente.

Os outros auxiliares do presidente devem estar acompanhando o que acontece com alguém que atravessa o caminho de algum dos filhos do presidente.

Vamos ver quantos sobrarão até o fim do mandato.