Com esse STF não há luz no fim do túnel. Os governadores podem continuar sendo irresponsáveis no trato do dinheiro público, pois sempre haverá um ministro que lhes dê razão. A mensagem é a seguinte: pode fazer dívida e gastar todo o dinheiro que tem e que não tem. No final, o dinheiro aparecerá por obra e graça da caneta mágica de um ministro do STF.
Às vezes me questiono o por quê do atual otimismo do mercado financeiro.
Como sabem, a Mangueira foi campeã do Carnaval do Rio, cantando as glórias de Marielle Franco. A distância foi de 0,3 pontos sobre a segunda colocada. Se alguém acredita que é possível distinguir uma escola de outra por 0,3 pontos em 300 possíveis, parabéns. Uma outra hipótese é de que o tema teve influência decisiva na escolha da campeã. É apenas uma hipótese.
Marielle foi eleita com votos da Zona Sul do Rio. Isso não é figura de linguagem, aconteceu assim mesmo: suas maiores votações foram nas zonas 17, 206 e 252, que engloba Gávea, Ipanema, Copacabana, Leblon e Lagoa. Enquanto a vanguarda do proletariado estava elegendo Marielle, o proletariado mesmo estava votando em Crivella. Seria interessante fazer um censo entre os passistas da escola e descobrir quantos votaram em Marielle, ou mesmo no PSOL, o seu partido. Mas para ganhar o Carnaval nada como seguir a agenda da Zona Sul carioca.
O presidente da escola, deputado estadual, está preso em uma investigação sobre corrupção na Assembleia Legislativa. Todo apoio da Escola ao seu presidente. Afinal, o tema foi Marielle, não a corrupção que assola a política do RJ. Como se as duas coisas não estivessem interligadas. É o maior espetáculo (de hipocrisia) da Terra.
Bacana o PR nessa sua cruzada pela moralidade e pelos bons costumes.
Sinto falta desse mesmo “sangue nos olhos” na defesa da reforma da Previdência. O último tuite do PR sobre o assunto foi no dia 20/02, há exatas duas semanas, quando a proposta foi enviada ao Congresso. Desde então, foram 69 tuítes e retuítes, uma média de quase 5 por dia, divididos entre anúncios de obras e agenda cultural e de costumes. Custava ter, sei lá, um tuite por dia sobre o assunto? Sobravam ainda 4 para os temas preferidos do PR.
Aprovar a reforma já é difícil com o engajamento pessoal do presidente, sem isso a coisa fica complicada.
Algum amigo precisa avisar o PR que o governo dele acaba se a reforma da Previdência não for aprovada. Mesmo com a aprovação há ainda muito trabalho a fazer, mas sem a aprovação é game over.
Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor Econômico.
Hoje, Pedro comete uma coluna mais ou menos assim:
– O liberalismo tomou conta do governo brasileiro. E isso é bem-vindo, dado que o Estado brasileiro está falido e não consegue mais cumprir com suas obrigações.
– No entanto, seria bom olhar para o que está acontecendo lá fora: Trump e até a liberal Alemanha estão mudando as regras do jogo e protegendo suas indústrias “estratégicas”.
– Pausa na coluna para a descrição da “experiência” e do “orgulho” de voar em uma aeronave da Embraer na África do Sul. Uma “emoção”.
– Depois de demonstrar, com essa “experiência”, o quanto a Embraer é “estratégica” para o Brasil, o articulista volta a falar da tal “onda antiliberal” no mundo e como o Brasil, com o novo governo, está na contramão.
– Por fim, questiona se este seria o melhor momento para vender as estatais brasileiras. Afinal, se a joia da tecnologia brasileira foi vendida por “míseros” US$ 5 bilhões, quanto valeriam as outras joias?
Vou começar a descascar a partir desse “míseros” na frente dos 5 bi. O editor-executivo do Valor, o maior jornal de finanças do país, não sabe o que é valuation de uma empresa. Trata seus acionistas como um bando de idiotas, que não sabem fazer contas, e estivessem vendendo o “patrimônio brasileiro” a preço de banana. Segundo Cafardo, o Estado brasileiro precisa intervir, impedindo que os acionistas façam essa besteira. Afinal, só o Estado sabe o quanto realmente vale esse “orgulho nacional”.
O final dessa história já sabemos: sem condições de competir no mercado global, em determinado momento a Embraer fecharia fábricas, demitindo milhares de empregados. Clamores se levantariam para que o governo “fizesse alguma coisa” para preservar os empregos e subsídios seriam dados para manter uma empresa zumbi, sem condições de sobrevivência.
Protegemos indústrias ao longo de décadas e os resultados estão aí para quem tem olhos para ver. Queremos fazer o que supostamente estão fazendo agora EUA e Alemanha, sem ter antes colocado as condições para a acumulação de capital físico e humano, coisa abundante nos dois países. O resultado é o crony capitalism, uma corruptela do capitalismo. Aliás, não deixa de ser curioso um editor do Valor elogiando a política de Trump no que ela tem de mais imbecil.
Por fim, de maneira marota, Cafardo dá um salto quântico no artigo, passando para a venda das estatais. O único link possível entre os dois casos, Embraer e estatais, é o seu valor estratégico. Mas o colunista não cita o valor estratégico, mesmo porque é difícil defender que, por exemplo, os Correios tenham algum valor estratégico. Cafardo vai pela linha do valor da venda: a Embraer, joia da tecnologia nacional, foi vendida por míseros 5 bilhões. Seria este o momento de vender as estatais? Como se o Estado brasileiro estivesse nadando em dinheiro e tivesse escolha. E, pior, como se as empresas estatais, continuando nas mãos do Estado, pudessem algum dia valer mais.
A coluna de Pedro Cafardo tem sua utilidade. Quando um editor-executivo do maior jornal de finanças do país comete um artigo desse naipe, tomamos consciência da lama em que nos encontramos.
Se não me engano era 2001. Silvio Santos havia sido feito refém em sua própria mansão no Morumbi. O então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, havia participado pessoalmente das negociações com os bandidos.
Em uma entrevista coletiva, um dos jornalistas fez a clássica pergunta: no meio de tanta violência, com tanta gente sendo sequestrada dia e noite, por que o tratamento especial para Silvio Santos? Ao que Alckmin respondeu, desnudando a hipocrisia da pergunta: se ele não fosse especial, os senhores não estariam aqui fazendo essa coletiva.
Há pessoas especiais no mundo. Lula é uma delas. Nada do que acontece com ele passa despercebido. Houve quem criticasse o forte esquema de segurança que o acompanhou para o velório do neto (desperdício de dinheiro público!), mas não havia outro jeito para que se cumprisse um direito seu. Ele é especial, e merece medidas especiais.
Somente no mundo socialista perfeito, aquele que só existe na cabeça dos desmiolados, todos os homens são iguais. No mundo real, os homens são iguais em sua dignidade de seres humanos, mas diferentes em sua importância para o mundo. É daí que nascem as diferenças de riqueza e tratamento, aquilo que costumamos chamar de “meritocracia”.
Lula é um sujeito que, com base em seus méritos, tem mais importância do que todos os outros brasileiros. Nenhum outro brasileiro, hoje, desperta tanto amor e ódio. Isso não tem nada a ver com sua inocência ou culpa, nada a ver com o bem ou com o mal que fez. É assim porque é assim.
Sim, Lula fez por merecer o tratamento especial que recebe. É mérito dele.
Reportagem de hoje no Estadão sobre os supostos “dissabores” de Moro em Brasília. Um dos exemplos seria a separação do crime de Caixa 2 do restante do pacote anticorrupção.
Como “prova” de que Moro voltou atrás em um posicionamento histórico, o jornalista contrapõe duas falas do atual ministro.
Aí você vai ler, e não é nada disso.
Na primeira fala, mais atual, Moro distingue os dois crimes, afirmando que ambos são graves. Na segunda, mais antiga, Moro diz que o caixa 2 é um crime grave, uma espécie de “trapaça eleitoral”. Fiquei procurando onde Moro dizia que caixa 2 é o mesmo que corrupção.
Que caixa 2 não é o mesmo que corrupção parece claro. Recursos de doações podem não ser contabilizados porque sua origem pode ter sido fruto de crime, qualquer crime, inclusive corrupção, mas não necessariamente. Pode ser, por exemplo, sonegação fiscal por parte do doador.
Que caixa 2 é uma “trapaça” eleitoral também parece claro. Um partido que não contabiliza os recursos que recebe tem vantagem ilícita sobre outro que contabiliza, pois amplia irregularmente o leque de potenciais doadores. Novamente, isso pode ou não ter a ver com corrupção, a depender da origem do dinheiro, mas são crimes diferentes.
Os dois textos de Moro, separados por 3 anos, são claros: ambos condenam o caixa 2 e nenhum deles diz que caixa 2 é equivalente a corrupção. Das duas uma: ou o jornalista que escreveu a matéria não consegue fazer a interpretação do texto e realmente acredita naquilo que escreveu, ou está de má fé. Assim como caixa 2 e corrupção, incapacidade de ler um texto e má fé são crimes diferentes, ainda que possam ser correlatos.
O editor do Valor, César Felício, lembra a experiência de Portugal no corte das aposentadorias. Perto do que foi feito na Metrópole, a proposta do governo é um passeio no parque.
Mas Portugal não tinha saída: por pertencer à zona do Euro, tinha que resolver seu problema fiscal do modo clássico: cortando despesas. Não havia jeitinho.
No Brasil, não chegaremos a esse ponto. Se não conseguirmos equacionar a dívida pública cortando despesas, o confisco das aposentadorias se dará pelo método brasileiro: inflação. E, como sempre, quem pagará a conta são os mais pobres, pois inflação é o confisco do dinheiro do pobre.
Espero sinceramente que este governo, que se diz o único verdadeiramente liberal da história do Brasil, não continue com essa historinha petista de que “não precisa privatizar, basta ter uma gestão técnica e livre de influências políticas”.