A justiça brasileira não falha

Em 14 de agosto de 1998, o Estadão publicou um editorial em que o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho se sentiu lesado, entrando com uma ação contra o jornal.

Ontem, 4 de abril de 2019, o Estadão foi condenado a publicar retratação na página A4, o que foi realizado hoje.

Hoje poucos se lembram de quem foi Luiz Antônio Fleury Filho e muito menos o contexto que deu origem ao editorial, mais de 20 anos depois do ocorrido.

A lentidão da justiça brasileira é um estudo de caso mundial. Lembre-se que é com isso que contam os advogados que defendem apaixonadamente a prisão apenas após o “trânsito em julgado”.

Propalado por alguns

Bem, eu particularmente nunca disse que conversar com político era o mesmo que negociar cargos e malas de dinheiro. Pelo contrário.

Deve ser um recado do presidente pra outros alguns.

A relação entre BC e Tesouro passada a limpo

Geralmente, as coisas mais importantes ocorrem fora dos holofotes.

Quando todas as atenções estão voltadas para a reforma da Previdência, a Câmara aprovou (seria mais adequado dizer “não bloqueou”) uma mudança importantíssima na relação entre o BC e o Tesouro.

Para entender rapidamente: quando o BC tem lucro em suas operações, transfere esse lucro para o Tesouro em dinheiro. Quando tem prejuízo, o Tesouro transfere títulos públicos para o BC. Como já disse Gustavo Franco, o BC paga em dinheiro e o Tesouro dá o troco em balinhas.

O resultado disso é que o BC tem um estoque gigante de títulos públicos em seu balanço, na prática financiando o Tesouro.

Por que isso é importante? Porque fecha mais um canal de financiamento espúrio do Tesouro. No limite, o Tesouro faz dívida com um banco controlado pelo própria União, em uma espécie de auto-financiamento.

O Tesouro deve se financiar com impostos e dívidas junto à iniciativa privada. Qualquer outra “mágica contábil” costuma não acabar bem.

Apoio e desagravo

“160 entidades declararam apoio e desagravo ao STF”.

Aí você vai ver, e dessas “160 entidades”, 122 são sindicatos ou federações sindicais.

Se o nosso egrégio colegiado mácsssimo da nação propalar decisão beneficiando os sindicatos nas próximas semanas ou meses, será uma mera coincidência.

Juscelino e o evento de 64

A seguir, vou transcrever o manifesto que Juscelino Kubitschek fez à Nação no dia 31/03/1964. Guardadas as devidas proporções, JK era o FHC da época: um democrata de esquerda, ex-presidente da República.

Para contextualizar, JK se refere à insubordinação dos marinheiros, apoiados por Jango. Com seu manifesto, JK iguala legalidade com hierarquia, colocando-se firmemente no campo daqueles que não viam outra saída a não ser depor Jango. A palavra “legalidade” é importante no contexto, pois Brizola usava esta palavra para defender a continuidade do governo, com tudo o que isto significava.

JK era um golpista? Julguem vocês mesmos.

“Na hora grave que vive a Federação brasileira, é meu dever e de todos os patriotas, dirigir apelo de paz ao governo e à Nação.

O divórcio que hoje separa brasileiros não poderá persistir sem risco de sangue generoso.

Apelo de paz que é imperativo que ela ressurja em todos os corações, inquietos e ameaçados, por ser sensíveis aos perigos colocando a frente dos inimigos de qualquer ordem e de qualquer paz.

Portanto o nosso apelo de paz é um apelo para que se restabeleçam em sua pureza total a disciplina e a hierarquia.

Tenho autoridade pelo meu passado de legalista, fiel a todas as regras da prática de Democracia representativa, e desvinculado por isso de qualquer suspeição de simpatias e tendências golpistas e reacionárias, político progressista tolerante, aberto às exigências da ascensão das massas populares, para dizer em voz alta e tranquila onde está a legalidade una e indivisível.

Neste momento, tenho a responsabilidade histórica de apontar onde está a legalidade, que cumpre defender com coragem e sem ódios.

É o que fazemos agora, na condição de ex-chefe de Estado e senador da República.

A legalidade está onde estão a disciplina e a hierarquia.

Não há legalidade sem Forças Armadas, íntegras e respeitadas em seus fundamentos.

A legalidade exige, pois que primeiro, se restabeleçam a confiança e paz nos quartéis, nos navios e nos aviões.

A casa brasileira estaria irremediavelmente dividida se as Forças Armadas se dividissem em lealdades distintas e antagônicas, geradoras de legalidades múltiplas e também antagônicas.

Salvemos a paz do Brasil, salvando a única legalidade possível.

Conclamamos todos os homens de boa vontade. Ainda é tempo de salvar a paz e a legalidade, restabelecendo a disciplina e a hierarquia por amor à Pátria, aos brasileiros e a Deus.”

Explicando o novo BPC

Faça a seguinte experiência. Pare qualquer pessoa na rua, que pareça estar na casa dos 50 e tantos anos (quanto mais pobre melhor), e pergunte:

Se você pudesse escolher entre:

a) receber R$400 a partir dos 60 anos até os 70 anos de idade, e a partir daí R$1.000, ou

b) receber R$1.000 somente a partir dos 65 anos

O que você escolheria?

Não tenho dúvida que a imensa maioria escolheria antecipar o recebimento do benefício, ao invés de esperar mais 5 anos, apesar de que o total a receber na alternativa (a) é de R$48.000 enquanto na alternativa (b) é de R$60.000 (estou aqui considerando apenas valores nominais, se considerássemos a taxa de juros do período essa diferença seria menor, pois receber dinheiro antes tem mais valor do que receber depois, a valor presente).

Por que? Porque as pessoas são conservadoras: entre receber um dinheiro hoje ou postergar o recebimento para o futuro, a imensa maioria optará por receber antes, mesmo que seja menos. O raciocínio é o seguinte: “sei lá se vou estar vivo amanhã”.

Pois bem: esta é a proposta do novo BPC. Trata-se de um benefício, não de um malefício. E sabemos que se trata de um benefício porque a maioria das pessoas escolheria a alternativa (a), que é o novo BPC, e não a alternativa (b), que é o atual BPC.

Se o governo não conseguiu defender algo que poderia ser vendido como um benefício, imagine como será defender os verdadeiros malefícios da proposta de reforma.

A conversa republicana

“Ah, mas a conversa será republicana, não haverá toma-lá-dá-cá”.

Ok. Não fui eu que disse aqui que a simples palavra “articulação” significava “malas de dinheiro”. Pelo contrário, sempre defendi a Política como a única saída, o que inclui conversar com os políticos. Quem afirmava que “conversar” significa “roubar” eram os bolsonaristas. Que certamente criarão uma versão edulcorada para essa “conversa”.

Brigando com os números

Minha esposa não está procurando emprego e não está empregada. Ela está desempregada?

Aliás, se todas as pessoas que não estão procurando emprego fossem consideradas desempregadas (metodologia Bolsonaro), o desemprego seria ainda maior!

O IBGE segue a mesma metodologia consagrada e usada nas principais economias do mundo para medir o desemprego.

No tocante a enganar a população, normalmente quem faz isso são os políticos.

Consertando o capitalismo

Com a queda do Muro de Berlim (já lá se vão 30 anos!), sumiram do mapa (com a exceção dos lunáticos de sempre) os que defendiam o socialismo como uma alternativa viável ao capitalismo.

Mas a academia é pródiga em criar “soluções” para “consertar” o capitalismo. A ideia mais nova na praça é a dos “leilões permanentes”.

O plano seria mais ou menos o seguinte: todas as propriedades precisariam necessariamente ter um “preço de venda” associado. O proprietário pagaria um imposto sobre este preço de venda, de modo que haveria um incentivo para que este preço não fosse demasiadamente alto. Assim, qualquer um que quisesse comprar aquela propriedade, poderia fazê-lo por aquele preço. Isto, em tese, aumentaria o giro da propriedade na economia, prevenindo a formação de monopólios e diminuindo as “desigualdades” (efeito mágico que logo chama a atenção dos militantes de sempre). Todos os bens privados passariam a ser, na prática, públicos, através de um mecanismo que é um dos motores do capitalismo: os leilões.

Tentei imaginar a coisa. Eu tenho um apartamento. Este meu apartamento, que comprei com anos de poupança do meu trabalho, deveria ter um preço associado. Como eu não quero vendê-lo, colocaria um preço não convidativo, pagando o respectivo imposto. O efeito líquido, no limite em que ninguém quisesse vender suas propriedades, seria o aumento da arrecadação de impostos. Até aqui, trata-se apenas de mais uma forma de tungar o cidadão.

Mas digamos que eu perca o emprego e não consiga mais pagar o imposto sobre a propriedade. Serei obrigado a baixar o preço para deixar de pagar o imposto, deixando de ter uma das poucas garantias de bem-estar durante o período de desemprego.

– Ah, mas o favelado ou o sujeito que mora de aluguel já não têm essa garantia.

Você pode ter certeza de que quem vai comprar o meu imóvel por esse sistema não será o favelado. O comprador será alguém capitalizado, só esperando o momento de dar o bote. O autor do livro diz que se inspirou nas desigualdades do Rio para parir suas ideias. Pois bem, não consigo pensar em nada mais concentrador de renda do que esse sistema: quem já tem capital claramente tem vantagem sobre quem não tem, se todas as propriedades devem ser vendidas compulsoriamente. Por um motivo simples: quem já tem capital, pode pagar impostos mais altos por mais tempo. Claro que a coisa mudaria de figura se todo o capital fosse redistribuído a zero de jogo. Mas aí voltamos ao bom, velho e utópico comunismo.

O problema comum a todas essas ideias “mágicas” para consertar o capitalismo ou a teoria econômica é que a prancheta não consegue mapear todas as consequências não intencionais das ações propostas. No caso, mapeei uma, mas certamente existem muitas outras.

Confesso que não li o livro ainda. Procurarei fazê-lo, porque posso estar sendo injusto e não ter entendido a ideia. Não dá para julgar alguém por uma reportagem de jornal. Depois de ler, volto aqui e comento.