Patinetes burocráticos

A prefeitura de Bruno Covas entrou em campo ontem para nos proteger desses malditos capitalistas que “só pensam no lucro”. Recolheu mais de 10% da frota de patinetes porque não havia “cadastro” das empresas junto à prefeitura.

A regra de não poder andar nas calçadas parece razoável. Afinal, trata-se de um veículo que pode andar com velocidade de ate 25 km/h e pode machucar quem não tem nada a ver com a escolha por esse meio de transporte. Quem usa o patinete (e o mesmo vale para bikes) deveria utilizar somente as ciclofaixas e ruas, e andar o “last mile” a pé. Até aí, parece de bom senso.

Outra coisa é recolher patinetes por falta de “cadastro na prefeitura”, em um mal disfarçado viés burocrático-estatista do atual prefeito. O resultado será a eliminação de mais uma opção de transporte em uma cidade ávida por soluções desse tipo. Estamos anotando, senhor prefeito.

PS: não uso patinete. Estou apenas defendendo o direito de empresas funcionarem sem exigências absurdas por parte do Estado.

Coerência

Ao proibir o trabalho insalubre de gestantes, o STF reconhece o status legal dos nascituros. Sim, porque a única diferença entre uma mulher grávida e uma não grávida é o nascituro. Se a primeira não pode trabalhar em condições insalubres e a segunda pode, então só pode ser por causa da existência do nascituro.

O ministro Marco Aurélio Mello foi o único a divergir, defendendo a “liberdade da mulher no sentido maior”. Nenhuma referência ao nascituro. Marco Aurélio Mello passa a ser o único ministro do STF que pode defender o aborto sem cair em contradição.

A economia real

Anselmo é o vigia noturno no escritório onde trabalho. Funcionário exemplar.

Nas “horas vagas” é também motorista do Uber e do Cabify.

Agora, está começando um novo “negócio” de transporte executivo. Onde o único motorista é ele. Por enquanto.

Anselmo é dessas pessoas que se recusam a se dobrar para a crise.

Apesar do Brasil Oficial insistir em colocar obstáculos, os Anselmos do Brasil Real sustentam a economia do jeito que dá.

Encosto

E o STF vai melar a venda da TAG! Que surpresa, que plot twist nesse roteiro!

Tem que ter autorização legislativa, dizem Lewandovsky e Fachin. Pergunto: o legislativo autorizou a Petrobras a construir a TAG? Por que então cargas d’água precisa de autorização pra vender?

Mas o STF tá certo. É preciso esfregar na cara dos brasileiros que, ou privatizamos de vez esse elefante branco, ou devemos nos conformar em carregar esse encosto por toda a eternidade.

Extrema esquerda!

Extrema esquerda!

Confesso que é a primeira vez que leio essa denominação para algum partido de esquerda.

Não que eu concorde ou deixe de concordar, mas sinto um certo alívio em saber que o espectro político vai até os extremos nas duas pontas, e não apenas para a direita.

A Alemanha aprende com o Brasil

Luis Eduardo Assis, ex-diretor do BC, escreve artigo com um assunto sobre o qual já havia lido em outros lugares: o estímulo estatal a indústria local anunciado pelo ministro das finanças da Alemanha.

Segundo Assis, deveríamos aprender com a Alemanha. Afinal, eles têm um sucesso incontestável na indústria e, se eles estão planejando suporte estatal, então deve estar certo!

Seria assim se fosse assim.

O próprio artigo aponta que, de 1991 para cá, a representatividade da indústria no PIB da Alemanha caiu levemente, de 24,9% para 21,1%, enquanto no Brasil despencou de 22,1% para 10,5%. O que deveríamos estar investigando, então, é o que a Alemanha fez de diferente do Brasil nesse período, não aquilo que foi anunciado pelo ministro, cujos resultados conheceremos apenas nos próximos anos.

Confesso que não sei o que a Alemanha fez, mas nós sabemos o que fizemos para destruir a nossa indústria nos últimos 30 anos. O próprio autor do artigo descreve: “juros subsidiados, incentivos fiscais e reservas de mercado”, em grande parte aproveitados por “lobbies poderosos que capturaram o Estado”. Perfeito. E o que temos a aprender com o neo-intervencionismo alemão? Na verdade, parece que eles têm mais a aprender conosco nesse quesito.

O Valor traz uma reportagem sobre como a indústria 4.0 tem tido uma implementação muito lenta no Brasil.

O diagnóstico é a falta de mão de obra qualificada. Talvez a intervenção estatal seja por aí, na formação da mão de obra, e não um fundo para evitar a desnacionalização de empresas, que é o que a Alemanha acabou de fazer. Fora resolver o pesadelo tributário, a infraestrutura precária e todos os outros obstáculos que fazem do industrial brasileiro um herói da sobrevivência.

Há muito o que fazer para chegarmos ao patamar onde hoje se encontra a Alemanha, para daí pensarmos em estímulos diretos à indústria. Os quais, como vimos no caso brasileiro, não servem de nada. O autor do artigo diz que os alemães nos ensinaram a jogar futebol. Não custa lembrar que a seleção alemã foi humilhada na última Copa, sendo eliminada na primeira fase. Arrisco a dizer que, adotando a receita brasileira, a Alemanha arrisca a sua indústria ao mesmo destino.

A voz do povo

Um dos argumentos mais utilizados pelos apoiadores de Bolsonaro é o número de votos que recebeu. O Congresso estaria obrigado a obedecer a “voz do povo”, traduzido em mais de 58 milhões de votos no 2o turno.

Pois bem, fiz um levantamento da “voz do povo” traduzido no número de votos recebidos pelos congressistas. Para tanto, dividi o Congresso grosseiramente em 4 grandes blocos: Governo (PSL), Centrão (PSD, PP, MDB, PL, PRB, DEM, PTB e SD), Oposição (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, Rede, PCB, PSTU e PCO) e Independentes (todo o restante).

Os votos recebidos pelos deputados (considerando todos os votos, mesmo daqueles que não foram eleitos), foram os seguintes:

  • Centrão: 35.443.197 (36,0%)
  • Independentes: 26.346.424 (26,8%)
  • Oposição: 25.069.407 (25,5%)
  • Governo: 11.458.238 (11,7%)

Considerando-se apenas os votos daqueles que foram eleitos, o resultado seria:

  • Centrão: 21.819.375 (41,7%)
  • Oposição: 13.916.617 (26,6%)
  • Independentes: 9.023.974 (17,2%)
  • Governo: 7.517.669 (14,4%)

Ou seja, o partido do governo (PSL) recebeu apenas 11,5 milhões de votos. Todo o restante foi para outros partidos. A “voz do povo”, que se fez ouvir com muito vigor na eleição majoritária, foi apenas um sussurro quando se tratou de eleger os deputados. Mesmo considerando-se somente os deputados que estão no Congresso, os votos dados ao partido do governo representam apenas 14,4% do total.

Cada congressista deve satisfação ao seu próprio eleitor, não ao eleitor de Bolsonaro. Os partidos do chamado Centrão, por sinal, receberam o maior número de votos. Portanto, “a voz do povo” foi muito clara: Bolsonaro presidente, mas Congresso diversificado e sem apoio automático.

Nas próximas eleições, se quiserem um Congresso que apoie sem condições as iniciativas do presidente, é necessário votar nos candidatos do partido do presidente. Caso contrário, a negociação para formar uma base de apoio é condição sine qua non para governar.