Mídia e popularidade

Pesquisa da XP mostra mais uma queda na popularidade de Bolsonaro. Pela primeira vez, os que avaliam o governo de forma negativa (ruim e péssimo) ultrapassaram os que avaliam o governo de forma positiva (bom e ótimo). Para se ter uma ideia, esse nível de aprovação é o mesmo do governo Dilma após os protestos de junho de 2013 e o de Lula no auge do mensalão. A diferença é que estamos com menos de 5 meses de mandato e não aconteceu nada. Absolutamente nada.

A primeira reação é desqualificar a pesquisa. Afinal, a mídia está interessada em que este governo fracasse, e manipula essas pesquisas para mostrar o resultado desejado. No entanto, no caso, trata-se de uma pesquisa patrocinada pela XP, que não tem interesse em minar o governo, muito pelo contrário: o sucesso de seu negócio será tanto maior quanto mais o governo tiver sucesso em sua agenda.

A segunda reação possível também tem relação com a mídia. Afinal, com o bombardeio que a mídia tradicional vem fazendo, por ter perdido as verbas publicitárias do governo, não há popularidade que resista. O que dizer?

Em primeiro lugar, e menos importante, é o tal “corte de verbas para a mídia tradicional” que teria sido feita pelo governo. Trata-se de uma falácia. Em primeiro lugar, porque em qualquer lista dos principais anunciantes do país, somente a Caixa aparece de vez em quando. Então, qualquer corte de verbas não seria suficiente para “quebrar” uma Globo, por exemplo. Em segundo lugar, temos o discurso de cortes por parte do governo, mas números mesmo, ainda não vi. O que vi sim foi o bafafá em torno do anúncio do BB, que foi veiculado normalmente na mídia tradicional. Então, aparentemente está tudo normal.

Mas esse ponto da publicidade estatal é secundário. A falácia do argumento está na hipótese de que a mídia teria a capacidade de mudar a cabeça do brasileiro. Seríamos como que teleguiados da mídia. Achamos uma coisa, mas o editor do jornal acha outra, e nos convence a mudar de opinião.

Por que trata-se de uma falácia? Porque, por essa linha, teríamos que aceitar que o governo do PT não fez nada de errado, e fomos todos nós manipulados pela mídia para pensar mal do PT. Os petistas se referem à Globo como Globolixo até hoje, porque defendem essa tese. O que achamos?

Por trás dessa tese, está mal disfarçada uma hipótese de superioridade intelectual: a mídia faz a cabeça das mentes mais fracas, mas eu não me deixo enganar, sou mais esperto. Ok, assim é se assim lhe parece.

Veja, não estou negando que a mídia tenha uma agenda própria. Por exemplo, a Globo e toda a mídia tradicional está em campanha descarada pela reforma da previdência, o principal ponto da agenda econômica do governo. O meu ponto é outro.

As pessoas não são folhas em branco, onde a mídia escreve o que quer a seu bel prazer. As pessoas têm ideias e pensam certas coisas e procuram a mídia para confirmar suas ideias, rechaçando aquilo que não lhes agrada. É o que chamamos em finanças comportamentais de “viés de confirmação”. Em relação às “opiniões fortes” que as pessoas têm, a mídia não consegue influenciar, por mais que tente.

Mas existe uma zona cinzenta, onde as pessoas não têm ideias fortes, e onde as notícias podem sim influenciar opiniões. Vou dar um exemplo recente. O ministro da educação afirmou que iria cortar verbas das faculdades que fazem “balbúrdia” e o presidente chamou os estudantes que foram protestar de “ignorantes úteis”. Esses dois são fatos incontestáveis, a mídia não inventou, apenas noticiou. Quem não gosta do governo a princípio achou um absurdo, e quem é fechado com o governo vibrou com essas afirmações. Mas deixando de lado as torcidas organizadas, temos um pessoal no meio, que avalia o governo como regular, e que provavelmente se deixou influenciar por essas falas reverberadas de forma negativa pela mídia tradicional. Esse pessoal do meio não concorda nem discorda dessas falas, apenas pode ter ficado com a impressão de um governo que perde tempo com picuinhas ao invés de trabalhar. Provavelmente, essas falas ajudaram alguns que avaliavam o governo como “regular” a migrar para “ruim”.

Obviamente, a influência da mídia não é zero. Há sim alguma influência, principalmente sobre aquela parte das pessoas que não têm uma ideia firme formada sobre determinados assuntos. Mas é preciso não exagerar essa influência, a ponto de torná-la decisiva para a queda de popularidade de Bolsonaro. É necessário analisar o que está acontecendo. Varrer a coisa para debaixo do tapete da mídia não vai resolver os problemas. Na verdade, vai piorá-los. Foi o que tentaram fazer os petistas, quando a popularidade de Dilma despencou. Espero sinceramente que Bolsonaro não caia nessa armadilha.

O ingresso na OCDE

Hoje finalmente os EUA confirmaram oficialmente o apoio à candidatura do Brasil à OCDE. Vi muito site de esquerda tripudiando o governo por conta da demora nessa confirmação, dizendo que Trump havia enganado o Bolso e coisa e tal. Precipitaram-se na comemoração da desgraça alheia e do Brasil. Golaço de Bolsonaro, que conseguiu transformar uma afinidade ideológica em algo útil, muito útil, para o Brasil.

Não nos esqueçamos também que foi o governo Temer que iniciou o processo, tentando recuperar um tempo miseravelmente perdido pelos governos do PT. Há 10 anos tínhamos muito mais condições de pleitear uma vaga na organização, em termos comparativos com outros países. Mas não adianta chorar o leite derramado, agora é bola pra frente. Que venha a admissão, daqui a dois, três ou cinco anos. O Brasil tem muito a ganhar.

Meu ditador favorito

Aos que pedem o fechamento do Congresso e do STF, uma pergunta: se Lula tivesse feito este movimento, teria o seu apoio? Afinal, o Congresso e o STF tinham os mesmíssimos defeitos.

– Ah, mas Lula resolveu o problema “comprando” o Congresso.

Sim. Outra alternativa, se ele não quisesse fazer aquilo, seria fechá-lo. Teria o apoio daqueles que defendem que a única solução hoje é fechar o Congresso? Ou o fechamento só vale para o meu ditador favorito?

Fazer pressão sobre o Congresso é da regra do jogo. Pedir o seu fechamento, não.

Artigo de republiqueta

Maria Cristina Fernandes escreve hoje um artigo no Valor que, a pretexto de defender Bolsonaro daqueles que começam a namorar a ideia de um impeachment do presidente, na verdade quer mesmo voltar a dizer que o impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe. Um golpe de republiqueta.

A tese é a mesma de sempre: não há provas. Não há “um crime de responsabilidade que tenha convencido toda a nação”, diz a colunista.

Imagine um jogo de futebol em que cada lance decidido pelo juiz tenha que convencer todos os torcedores. Não haveria jogo, por óbvio. O que Maria Cristina defende é isso: deveria haver provas que “convencessem a nação inteira”. Como se a nação fosse formada, toda ela, por juízes neutros e que pudessem concordar sem sombra de dúvida sobre a justeza das provas. Mas se nem com o VAR os torcedores chegam a um acordo, imagine em casos como o impeachment.

Não é assim que a coisa funciona. Por isso existe a figura do juiz constitucionalmente constituído. É sobre ele que recai a responsabilidade de examinar as provas e condenar ou absolver o réu. No caso de Lula, por exemplo, os seus seguidores podem gritar e esgoelar que “não há provas”. Os juízes que o julgaram (e, por enquanto, foram 9), avaliaram unanimemente que há provas sim. Não é necessário que as provas “convençam toda a nação”. Basta que convençam os juízes.

No caso do impeachment, cansei de escrever aqui, os juízes são os congressistas. São eles que definem se as provas são suficientes ou não para decretar o impeachment. Pouco importa o que a “nação” (no caso de Maria Cristina, nação é outro nome para os petistas) pensa ou não. E, por óbvio também, trata-se de um julgamento político, onde os congressistas-juízes avaliam também o conjunto da obra, além do aspecto especificamente técnico.

O interessante é que a desqualificação do instituto do impeachment por parte de certa imprensa é recente. Não se ouvia nada sobre isso quando se fez o impeachment de Collor.

O impeachment é sim uma saída democrática para um impasse político sob um regime presidencialista. Compará-lo a um golpe de republiqueta por interesse partidário é um desserviço à democracia. Bolsonaro não precisa dessa ajuda “desinteressada” dos intelectuais petistas.

Hora do saneamento básico

Raquel Balarin escreve hoje excelente artigo sobre a MP do saneamento. Destaco o último parágrafo, no texto anexo.

O grande entrave para a aprovação da MP é o fim da contratação sem licitação, por parte dos municípios, das empresas estatais de saneamento. Essas empresas não teriam como competir com a iniciativa privada em um certame de igual para igual. Essa resistência nada mais é do que uma confissão de ineficiência por parte dessas estatais, com seus quadros inchados de funcionários e seus cabides de emprego para apaniguados dos diversos governos.

Está na hora de olhar para a população que sofre sem saneamento básico. Chega de ceder a querelas ideológicas e pressões corporativistas. Esta sim é uma MP que valeria uma manifestação de rua.

O novo comunista

William Waack já foi considerado um ícone da direita. Tanto que participou do filme sobre 1964 produzido pelo pessoal do Brasil Paralelo.

Agora, deve ser considerado kombista, isentão ou, anátema dos anátemas, comunista.

Sinto-me cada vez mais dentro do conto O Alienista.

A minha corporação

O que é uma corporação? Podemos definir uma corporação como um conjunto de pessoas com interesses comuns, e que defendem esses interesses de maneira organizada junto ao Estado, extraindo desse benesses negadas ao restante da sociedade. Concordamos?

Desde a distribuição daquele texto do técnico da CVM, as corporações passaram a ser, juntamente com a classe política, o mal a ser combatido no Brasil.

Seria muito bom se fosse verdade. De fato, as corporações sequestram o Estado brasileiro para os seus próprios interesses. Esse é um mal que vem de longe.

Mas na primeira oportunidade que o governo teve de enfrentar uma corporação, fugiu da raia. Ou melhor, tratou a corporação como aliada, mostrando que há “corporações do bem” e “corporações do mal”.

Refiro-me aos caminhoneiros. Os caminhoneiros, como categoria, formam uma corporação, que conseguiu sequestrar o país em uma greve criminosa (criminosa porque impediu quem queria trabalhar de trabalhar), extraindo do Estado benesses negadas ao restante da sociedade.

Então, a depender da cor e dos instrumentos de pressão da corporação, o governo apoia ou ataca. Os caminhoneiros, no caso, contam com um aliado no Palácio. Faltou humildade ou faltou coragem?

Cálculo político

– Bolsonaro pede reunião com Toffolli.

– Flávio Bolsonaro elogia a política, os políticos e a negociação em pronunciamento no Senado.

– Maia e o Centrão decidem, ao que tudo indica, aprovar a MP da reforma ministerial.

– O porta-voz da presidência afirma que as manifestações de domingo devem ser a favor das reformas e não contra as instituições.

São os lances de hoje nessa peça onde cada ator estica a corda mas toma o cuidado de não arrebenta-la.

Faz-me lembrar, por contraste, os momentos finais de João Goulart. Imprudentemente, Goulart esticou a corda demais, acreditando que o povo estava com ele. Resultado: acabou arrebentando para o seu lado.

Bolsonaro e o Congresso, aparentemente, não estão dispostos a cometer o mesmo erro de avaliação. Por isso, esse “morde e assopra”. Hoje foi o dia do “assopra”. Tudo é cálculo político.