Escrevi aqui, há três dias, sobre o artigo de Lara Rezende, propondo expansão fiscal como solução para todos os nossos problemas. Mas é sempre melhor ler quem realmente entende do assunto.
Estelionato eleitoral
Pra discutir a privatização das estatais com os funcionários pendurados em suas folhas de pagamento, teria sido melhor eleger o Haddad. Pelo menos não haveria esse gosto de estelionato eleitoral.
O mais letrado dos petistas
“FHC é o mais letrado dos petistas”
Pachoal, Janaína
Enxugando gelo
Mansueto faz um apanhado abrangente de todos os socorros concedidos aos Estados desde 1996. E os Estados continuam quebrados.
Existe uma lógica inescapável da psiquê humana, e que vale tanto para os governos quanto para as famílias: você sempre vai gastar o dinheiro disponível, qualquer que seja o montante, e sempre vai sobrar mês no final do seu salário.
Isso acontece porque as necessidades humanas são infinitas. Nunca estamos satisfeitos com o que temos, sempre queremos mais. Quando ganhamos um pouco mais, temos um alívio temporário, para voltar a sofrer dentro de pouco tempo.
A solução é apontada por Mansueto no artigo: gastar menos, controlar as despesas. Senão, estaremos enxugando gelo, como já estamos fazendo nos últimos 25 anos.
País sério
Eduardo Bolsonaro defende que o Brasil tenha armas nucleares, para que o País seja “levado a sério”.
Alemanha e Japão não têm armas nucleares, mas são levados a sério.
Coreia do Norte tem arma nuclear, mas não é levada a sério. (Ter medo de um maluco não é o meu conceito de ser “levado a sério”).
Um país é “levado a sério” quando age com seriedade.
Construímos com afinco e perseverança nossa imagem de país pouco confiável, que não pode ser levado a sério, ao longo de décadas. Não será uma arma nuclear que dará jeito nisso.
Greve dos professores federais
O orçamento do MEC para as universidades federais é de R$33 bilhões, já descontando o contingenciamento.
Isso dá R$90 milhões por dia, considerando sábados, domingos e feriados.
Com R$90 milhões, seria possível construir 2.000 casas populares.
Não, os professores e estudantes que não trabalharão amanhã não irão devolver esse dinheiro para a sociedade que os financia.
Leitura isenta da História do Brasil
Os trechos que vocês estão lendo abaixo não foram retirados de um dos livros aprovados pelo MEC. Estes trechos vieram direto da página da Câmara dos Deputados dedicada a explicar História do Brasil para crianças.
Com o Plenarinho, a petizada poderá aprender que Getúlio Vargas liderou uma Revolução em 1930, enquanto os militares deram um Golpe em 1964. E os militares, como você sabe, são muito maus, e torturaram e mataram gente. Já Getúlio Vargas liderou uma “ditadura”, assim, entre aspas, e não torturou nem matou ninguém.
A gurizada também vai aprender que Luís Carlos Prestes queria somente melhorar a vida dos brasileiros, enquanto os fascistas queriam…, bem queriam mandar sozinhos.
A Câmara dos Deputados está de parabéns por proporcionar às crianças do nosso Brasil uma leitura isenta da história do País.
Vai, FHC!
Além de elogiar um charlatão como o Eduardo Moreira, FHC, pra não variar, não coloca na reta. Afinal, ele é contra ou favor da reforma que está no Congresso? Muro, ninguém sabe. Só sabemos que FHC se tornou o rei das platitudes.
E ainda tem gente perplexa com a motoniveladora que passou por cima do PSDB nas eleições.
Temos espaço para enganar, mas não por muito tempo
Lara Rezende volta a atacar.
Estamos rodando déficit primário de quase 2% do PIB há 5 anos e André Lara vê “austeridade fiscal”.
Interessante que, neste artigo, Lara Rezende faz a ligação entre austeridade fiscal e ascensão de regimes populistas. O curioso é que os países citados (Polônia, Turquia, Venezuela (!), EUA (!!)) não passaram por nada parecido com o que a Grécia fez, seja porque suas contas já estavam relativamente em ordem, seja porque, como no caso da Venezuela, o receituário adotado foi exatamente o prescrito por Lara Rezende. A Grécia, curiosamente, não é citada no grupo, pelo contrário: seu governo, de esquerda, é citado elogiosamente.
Mas o que mais me chamou a atenção foram os trechos abaixo. Foi realizado um referendo que deu como resultado (surpresa!) a rejeição da austeridade fiscal. Mas os maldosos tecnocratas não deixaram a Grécia realizar a “vontade do povo”, e o país não teve outra saída a não ser jogar a vontade do povo no lixo e obedecer os tecnocratas.
Que poder é esse que têm os tecnocratas, que conseguem passar por cima da “vontade do povo”? No caso da Grécia chama-se Euro. A conta a ser paga pelos gregos para adotar menos austeridade fiscal era sair da zona do Euro e voltar a adotar a velha moeda do país, o dracma. O resultado disso seria uma moeda desvalorizada e dívidas denominadas em Euro, que seriam, obviamente, objeto de calote. Como consequência do óbvio fechamento do mercado de capitais para o país, as únicas alternativas viáveis seriam um brutal ajuste fiscal de curto prazo para equilibrar as contas (uma vez que fazer novas dívidas não estaria entre as opções viáveis) ou rodar a maquininha de dracmas loucamente, com os efeitos inflacionários conhecidos.
Os membros do Syriza sabiam de tudo disso e ESCOLHERAM por permanecer no Euro. A permanência no Euro não foi uma imposição dos tecnocratas, mas da realidade. Obviamente, os tecnocratas fizeram o máximo para que a Grécia permanecesse na moeda única, injetando recursos e renegociando a dívida, pois a saída do Euro teria um impacto negativo também para a moeda única. Mas a porta sempre esteve aberta.
Vamos agora ao caso do Brasil. O País não está atrelado a nenhuma moeda única, não existem tecnocratas estrangeiros ditando o que temos que fazer. Então, pergunta-se Lara Rezende, o que nos impede de descartar essa “austeridade suicida”?
Eu respondo: o mesmo que fez a Grécia ficar na zona do Euro. Estar atrelado a uma moeda estável é apenas o modo de explicitar o compromisso de que todas as suas dívidas serão pagas algum dia, e de que o país não vai rodar a maquininha de papel colorido que alguns insistem em chamar de moeda.
O Brasil não está atrelado a uma moeda forte, mas os efeitos de não se adotar austeridade fiscal seriam os mesmos que a saída de uma moeda única. Com um déficit crescente, o calote da dívida entraria no radar dos investidores, que encurtariam os prazos e, no limite, deixariam de financia-la. Assim, seria necessário um ajuste fiscal ainda mais brutal para zerar o déficit primário (pois tomar novas dívidas já não seria uma opção), ou rodar a maquininha, com os efeitos inflacionários conhecidos. Exatamente os mesmo efeitos de sair de um padrão monetário estável.
Mas, digamos que Lara Rezende esteja correto em seu modelo de MMT: os agentes sabem que o governo não dá calote em sua dívida denominada em moeda local, e continuam financiando sem problemas o governo. Qual seria o efeito de déficits e dívida crescentes? Mais dinheiro vai da iniciativa privada para o governo, com sua notória incapacidade de investir bem os recursos. Repito: déficits crescentes significam transferência de recursos da iniciativa privada para o governo. Isso é bom?
Não, nós não estamos vivendo um regime de “austeridade fiscal”. Ou melhor, estamos apenas da boca para fora. Temos um déficit de quase 2% do PIB e que não está diminuindo. Estamos adotando o mesmo receituário de Macri, na Argentina: um ajuste bem, mas bem, gradual. Funciona no início, pois os agentes acreditam nas promessas. Depois de algum tempo, no entanto, percebem o engodo, e voltam a precificar um calote e/ou a inflação sobe. A Grécia não teve essa alternativa, porque os tecnocratas (leia-se Alemanha) não deixaram. Aqui, temos espaço para enganar. Mas não por muito tempo.
Regra de ouro
A chamada “regra de ouro” determina que o governo não pode emitir dívida para pagar despesas correntes. Somente pode assumir novas dívidas para investimentos e pagamento de juros das dívidas atuais.
Comparando-se com uma família, é o mesmo que dizer que a família não pode tomar empréstimos para pagar comida, roupa e escola. Só pode assumir novas dívidas para comprar casa ou para pagar os juros das dívidas atuais.
Trata-se de uma regra prudencial. Imagine uma família que não consegue pagar comida, roupas, escola, saúde com o seu próprio salário, e precisa tomar empréstimos. Está claro que é uma questão de tempo para esta família quebrar. Mais cedo ou mais tarde, vai precisar apertar os cintos. Com um agravante: os gastos com os juros da dívida tornarão a tarefa muito mais difícil.
Chegou a hora dolorosa da família Brasil apertar os cintos. Todos os que dependem do Estado para a sua sobrevivência (educação pública, saúde pública, subsídios, aposentadorias, funcionários públicos), todos serão cortados. Não há alternativa para esta família.
Há os que dizem que comparar um país com uma família não é totalmente adequado, pois um país pode emitir seu próprio dinheiro, seja via emissão de novas dívidas, seja impressão de papel moeda mesmo. Só que não.
Imagine que não existisse a “regra de ouro”. Assim, o Tesouro poderia emitir dívida quanto quisesse, mesmo que fosse para pagar escolas, saúde e aposentadorias. Faltaria combinar com os russos que financiam a dívida. Estes precisam confiar que a dívida eventualmente será paga sem precisar lançar mão da emissão de moeda. Claro, podemos acreditar que os credores estarão sempre dispostos a rolar as dívidas, bastando, para isso, pagar uma taxa de juros compatível com o risco. Obviamente, esta taxa de juros será crescente, na medida em que o risco aumenta.
O Japão parece desmentir a tese acima. Com mais de 250% do PIB em dívida doméstica, o Japão paga taxa de juros próxima de zero para os seus credores. Existe, no entanto, uma diferença fundamental: a poupança japonesa é gigantesca, enquanto a poupança brasileira é bem ridícula. Assim, faltariam financiadores locais (que o Japão tem de monte), e precisaríamos de financiadores estrangeiros. Que podem não acreditar que o governo não vai dar calote na dívida. Se nem os locais acreditam…
Voltando ao leito. Só existem duas alternativas à austeridade: calote ou inflação, o que vem a dar no mesmo. Não, não existe a alternativa de uma infinita paciência dos credores a juros módicos.
A necessidade de que o Congresso aprove verba suplementar de R$250 bi (na verdade, permissão para aumentar a dívida nesse montante) para pagar despesas básicas é apenas o primeiro sinal de que realmente acabou o dinheiro do governo. A coisa só vai piorar.