Quem realmente faz a diferença

Reportagem do NYT (traduzida no Estadão) conta a triste história de Peter Ashlock, motorista do Uber desde 2012. Ashlock não vai ficar bilionário como os fundadores do Uber, nem vai ganhar rios de dinheiro como os investidores Softbank e Fidelity. Triste.

Seria trágico se não fosse cômico.

Isso me faz lembrar a introdução de um livro de Scott Adams, criador das tirinhas do Dilbert, chamado O Princípio Dilbert. A tese de Adams é simples: o mundo tem, no máximo, umas 10 mil pessoas realmente inteligentes. O restante são idiotas como eu e você (e o autor se coloca entre os idiotas), que são bem treinados para apertar botões e fazer funcionar as coisas criadas pelos 10 mil caras inteligentes. Este é o mundo.

Olhe o mundo à sua volta. Praticamente 100% do que você consome você não faz a mínima p. ideia de como chegou até você. O mundo todo é fruto do intelecto de uma meia dúzia de gênios que conseguiram transformar ideias em indústrias. E não se trata do tipo de gênio que tem uma brilhante ideia. Como diz o fundador do Nubank, em matéria de hoje no Valor Econômico, um produto é 5% ideia e 95% execução. Ideias são commodities, ele diz, todo mundo tem. O diabo está em transformá-las em algo que dê lucro e seja sustentável economicamente.

Voltando ao pobre Ashlock: motoristas de Uber se encontram aos milhões, basta estalar os dedos. Fundadores de Uber, por sua vez, fazem parte daquele universo de 10 mil inteligentes que mudam o mundo. Por isso, merecem ficar bilionários, enquanto nós, os intercambiáveis Peters do mundo, suamos para pagar as contas no final do mês.

Peter Ashlock dirige para o Uber há 7 anos. Não saiu do sistema, apesar de odiá-lo, porque certamente não encontrou algo melhor. Se o Uber não existisse, provavelmente Peter Ashlock estaria trabalhando em outro lugar, mas com o mesmo ressentimento. O problema não é o Uber. Peter estaria ressentido em qualquer lugar, achando que vale mais do que realmente vale.

Marx convocou todos os operários do mundo a se unirem. Onde isso aconteceu, a vida inteligente (os 10 mil que sustentam o mundo) desapareceu, e o sistema entrou em colapso. Este é o mundo onde “todos são iguais”.

Essa é a realidade. Se você acha muito dura, pode tomar a pílula azul e voltar ao seu mundo onde um motorista do Uber é equiparado ao fundador da empresa, como faz a reportagem do NYT.

Vai, PSDB!

Aécio Neves perdeu em MG para Dilma Rousseff em 2014. Foi eleito deputado federal em 2018 com a 19a votação do Estado.

O PSDB foi o partido que mais realizou privatizações na história do País. Qual a lógica de retirar o partido da base de apoio do Novo, que tem basicamente a mesma agenda? Existem duas explicações.

Primeiro, a explicação programática. O PSDB foi empurrado pelo PT para a direita do espectro político, contra a vontade de seus caciques tradicionais. É notório o esforço para disputar o eleitor do PT com um discurso “social”, razão pela qual perdeu 4 eleições seguidas. A vitória da direita é a oportunidade para vincar as diferenças e colocar-se no conforto do campo da esquerda. Doria, por outro lado, vislumbra a avenida de oportunidade à direita do espectro político, representado por não-partidos como o PSL, partidos nanicos como o Novo ou partidos ligados ao Centrão, como o DEM. Na visão de Doria, o PSDB pode fazer o contraponto ao PT, agregando a direita em um partido verdadeiramente nacional.

A segunda explicação é fisiológica: Aécio é um cacique em busca de sobrevivência política. O discurso de não “atrelar-se” a um partido nanico vai na linha de manter a “história” do PSDB, onde os velhos caciques ainda mandam e desmandam. O que Aécio e os outros caciques da velha guarda ainda não perceberam (ou fingem não perceber) é que o “velho” PSDB foi dizimado nas urnas. Apegar-se ao passado só interessa a essas velhas figurinhas carimbadas.

O risco de Bolsonaro

Tentei recortar algum trecho dessa entrevista, mas ela deve ser lida por inteiro. Não se trata de um representante da “velha política”, mas de um deputado fiel, um dos 4 que votaram em Bolsonaro para a presidência da Câmara em 2017. Acima, portanto, de qualquer suspeita.

Como já disse várias vezes aqui, Bolsonaro deve fazer a “boa política”, que é compartilhar espaços de poder, e não a “nova política”, que é colocar-se como a virgem no bordel. A outra alternativa é fechar o Congresso. Não há uma terceira.

Greve incompreensível

Eu realmente não consigo entender a lógica por trás de uma “greve” de motoristas de Uber.

Os aplicativos de transporte individual são das coisas que mais se aproximam do que chamamos de “livre mercado”. O Uber precisa lidar com duas forças competitivas: a concorrência com outros meios de transporte disputando seus passageiros e a concorrência com outros tipos de emprego disputando os seus motoristas. A empresa precisa cobrar o máximo de seus passageiros mas não a ponto de perdê-los para outros meios de transporte, e precisa pagar o mínimo para os seus motoristas, mas não a ponto de perdê-los para outros tipos de emprego.

Nesse contexto, a melhor greve dos motoristas é simplesmente abandonar o sistema. Mas, para isso, é preciso que esses motoristas tenham um emprego que remunere melhor o seu tempo. Ao fazer uma greve mas não abandonar o sistema, a mensagem que os motoristas estão passando para a empresa é que eles não estão contentes com a sua remuneração, mas não conseguem coisa melhor em outro lugar. A empresa agradece.

A remuneração dos motoristas somente vai melhorar quando a empresa começar a sentir dificuldade em atrair novos motoristas para o sistema, aumentando os preços dinâmicos e a insatisfação dos usuários. No Brasil, com 13 milhões de desempregados, parece que estamos muito, mas muito, distantes desse ponto. O que faz uma greve de motoristas ainda mais sem sentido.

Cenário se materializando

Ministério das Cidades recriado.

Cenário 2 se materializando.


Post de 23/03/2019

Cenário 1: Bolsonaro consegue impor a sua agenda com a força das ruas. 308 deputados votam a reforma da Previdência sem qualquer tipo de negociação. O pacote passa inteiro. A economia deslancha e Bolsonaro é reeleito em 2022.

Cenário 2: Bolsonaro cede e negocia cargos e pontos da reforma. A reforma passa com alguns descontos. A economia deslancha e Bolsonaro é reeleito em 2022.

Cenário 3: Bolsonaro, fiel à sua agenda, não negocia, e a reforma da Previdência não é aprovada. A economia vai para o buraco e Bolsonaro até tenta colocar a culpa no Congresso. Mas, como no Brasil, tudo é sempre culpa do presidente, Bolsonaro é derrotado em 2022. Se conseguir chegar até lá, claro.

Qual desses cenários é o mais provável?

Trabalho perseverante

Saitama é uma cidade-dormitório que fica a cerca de 20km ao norte de Tóquio. Tem cerca de 1,2 milhão de habitantes.

Saitama seria apenas mais uma cidade japonesa, não fosse por um detalhe: a cidade foi criada em 2001, a partir da fusão das cidades de Omiya, Urawa e Yono. Ou seja, para racionalizar os custos de administração, os japoneses criaram uma nova cidade no lugar de outras três.

No Brasil, foram criados 1.423 novos municípios desde a promulgação da Constituição de 1988, um crescimento de 34,3% sobre a base daquele ano. Ou seja, para cada 3 municípios existentes, um novo foi criado. O exato oposto do que aconteceu com os municípios japoneses de Omiya, Urawa e Yono.

A riqueza do Japão é obra de um trabalho perseverante. O mesmo se pode dizer da pobreza do Brasil.

República brasileira

Estou lendo o excelente livro (mais um) de Jorge Caldeira, História da Riqueza no Brasil.

Em determinado momento, durante a transição do reinado de Pedro I para o triunvirato que regeria o Brasil enquanto Pedro II não atingisse a maioridade, Caldeira descreve o embate das duas lógicas conflitantes que marcavam a Constituição de 1824, a primeira do Brasil.

“Para aqueles que pensavam e agiam segundo a lógica do Antigo Regime, o governo arrecadava um máximo de todos e distribuía esse dinheiro “fazendo justiça” para quem tinha “direitos adquiridos”. Já os novos dirigentes pensavam e agiam segundo a lógica iluminista de que a soberania popular restringia o governo, de modo que este arrecadava de todos e distribuía para todos apenas o arrecadado e seguindo uma lei votada pelos representantes eleitos – essa era a função do Orçamento.”

Passados quase 200 anos, estamos na mesma. Os novos representantes do Antigo Regime, a alta casta do funcionalismo público, reclama seus “direitos adquiridos”, independentemente de haver ou não Orçamento para tanto.

Do outro lado, temos a lógica iluminista, que confere poder aos representantes do povo de delimitar onde serão gastos os limitados recursos arrecadados, sem a existência de “direitos adquiridos” dos novos nobres que fazem parte da Corte Brasileira. Uma Corte que vive sem rei, como aquela que sobreviveu após a partida de Pedro I.

A República brasileira ainda precisa ser fundada.

Confraternização

A coluna de Sonia Racy nos informa que ontem houve um jantar de desagravo ao STF no Figueira Rubayat, restaurante para poucos em São Paulo.

Dias Toffoli e Gilmar Mendes confraternizaram com advogados com interesses em processos que correm no STF, como Dora Cavalcanti e Roberto Podval.

Somente no Brasil isso poderia estar em uma coluna social.

Honestidade intelectual

Tabata Amaral não consegue entender como a esquerda pode fechar questão contra a reforma da Previdência, um sistema iníquo de concentração de renda.

Eu explico pra você, Tabata: trata-se pura e simplesmente de luta política por espaços de poder. É o mesmo motivo pelo qual o Centrão vai votar uma reforma “desidratada”, para evitar o fortalecimento do governo. O povo que se exploda.

Parabéns Tabata, por não entrar nesse jogo. Posso não concordar com todas as suas ideias, mas o primeiro passo para o consenso é a honestidade intelectual. E isso você tem.