A inutilidade do VAR

O VAR veio com a promessa de acabar com os “erros” da arbitragem. Afinal, não tem como errar vendo um lance em câmera lenta varias vezes.

Será?

Quem assiste futebol pela TV sabe que isso é balela. A interpretação dos lances pelos comentaristas muitas vezes é contraditória, e às vezes ficamos em casa nos perguntando que jogo o comentarista está assistindo ao comentar determinados lances, de tão esdrúxula é a interpretação.

O VAR serviu apenas para acrescentar mais uma polêmica a um jogo já cheio delas. Existe a ilusão da verdade absoluta, aquela cientificamente provada, acima de qualquer interpretação humana. Uma ilusão, como disse, pelo menos no futebol. Se assim fosse, não precisaríamos de árbitro em campo, bastaria o VAR.

Além de ser caro e chato bagarai, com suas longas interrupções em momentos decisivos do jogo, o VAR representa uma promessa de justiça que, no final, não consegue entregar, o que somente piora a situação.

Espero que essa experiência com o VAR seja útil pelo menos para convencer a todos os que amamos o futebol de que erros de arbitragem são parte inseparável do esporte, com ou sem VAR. E que, portanto, o VAR pode ser dispensado pela sua completa inutilidade.

Mistérios da mente humana

Pense em um número de 1 a 50.000.000. Peça a um amigo para adivinhar o número que você pensou. É tão improvável ele acertar o número que você pensou quanto ganhar na Mega-Sena com uma aposta simples.

A aposta simples na Mega-Sena custa R$3,50. Para cobrir 100% das possibilidades, seria necessária gastar cerca de R$ 175 milhões. Que é mais ou menos o prêmio acumulado para o próximo sorteio. Ou seja, se você tiver esse dinheiro, pode fazer 50 milhões de apostas e ter o mesmo dinheiro de volta. Se ganhar o prêmio sozinho, é óbvio.

E não adianta achar que cartões com 7, 8 ou 10 números melhoram as suas chances. A probabilidade continua exatamente a mesma, e a proporção é de R$ 175 milhões para cobrir 100% das chances.

– Ah, mas alguém sempre ganha!

Sim, é verdade. Assim como alguém sempre morre atropelado ao sair de casa. A chance disso acontecer, no Brasil, é de uma em 25 mil a cada ano (são 8.500 mortes para 210 milhões de habitantes). Ou seja, a chance de ganhar na Mega-Sena com um bilhete simples é 2.000 vezes menor do que a chance de morrer atropelado ao sair de casa. Mas as pessoas acham que têm mais chance de ganhar na Mega-Sena do que de serem atropeladas. São os mistérios da mente humana.

Boa sorte a todos!

Escassez fabricada

Na Venezuela, não se encontra o pão tabelado. Isso significa que os donos de padaria são gananciosos? Não. Significa apenas que os donos de padaria não são obrigados a abrir as portas para gerar prejuízo para si mesmos.

Quem tem menos de 40 anos não se lembra, mas vivemos isso no Plano Cruzado. Os venezuelanos (e agora os argentinos) ganhariam muito em estudar esse período da história econômica brasileira.

Coerência, artigo em falta

Esse é um trecho da entrevista com a brasileira Maria Dantas, eleita deputada para o parlamento espanhol. Seu partido, Esquerda Republicana da Catalunha, é o PSOL de lá.

Maria Dantas quer uma sociedade “mais justa e solidária, sem desigualdades entre pessoas e territórios”, o mesmo blá, blá, blá da esquerda tupiniquim. O detalhe, que obviamente passou em branco na entrevista, é que a Catalunha é a região mais rica da Espanha.

Imagine você se uma deputada do PSOL de São Paulo defendesse a separação do estado em nome da “igualdade”. Sem pé nem cabeça, né? Pois é isso que a deputada brasileira propõe: a Catalunha se separar da Espanha em nome de uma sociedade “mais solidária”! É do balacobaco.

Sem contar que essa pauta nacionalista é normalmente associada à tal “direita radical”: America First, Brexit, Brasil acima de tudo, são alguns dentre tantos exemplos do que a esquerda acusa de ser uma pauta egoísta, que não dá a mínima para um mundo “mais solidário”, sem divisões.

Cobrar coerência da esquerda é sempre um exercício complexo.

O financiamento das universidades públicas

O reitor da Unicamp foi entrevistado pelo Valor. É contra a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, e dá como exemplo o MIT. Segundo o reitor, apenas 10% das receitas vêm das mensalidades. O restante seria “dinheiro público”.

De fato, o reitor da Unicamp está correto em relação aos 10%. O problema são os outros 90%, que têm sua origem em outras fontes. Não são “dinheiro público”

A maior fonte de receita (27%) é o Lincoln Laboratory, que presta serviços de pesquisa para empresas e o governo, e é remunerada por isso. É conhecida a ojeriza das nossas universidades públicas, com poucas e honrosas exceções, de se “subordinarem ao interesse do capital”. Faça uma enquete no próximo evento da SBPC sobre o assunto, e veja quantos professores topam fazer pesquisas remuneradas para empresas.

A segunda maior fonte (23%) são os retornos dos investimentos. O MIT conta com um endowment de aproximadamente US$17 bilhões. A receita de US$830 milhões representa um rendimento de 5% desse investimento, que é usado para bancar a universidade.

– Ah, mas aqui a elite não está disposta a doar para a universidade!

Verdade. Nem tampouco os americanos estariam dispostos a doar se as regras de governança fossem as mesmas da universidade pública brasileira. No MIT existe um conselho, chamado MIT Corporation, formado por 73 membros, reconhecidos como líderes em seus campos de atuação (iniciativa privada, serviço público, educação). Esta conselho é o responsável por cobrar resultados do braço executivo, que dirige a universidade. Pergunta: a universidade pública brasileira estaria disposta a se submeter a um conselho formado por pessoas de fora da universidade, incluindo pesos pesados do PIB nacional?

Enfim, o reitor da Unicamp só mostra o quão distante estamos de uma universidade capaz de gerar Prêmios Nobel (o MIT tem 90 entre os seus professores).

PS.: na mesma entrevista, o reitor da Unicamp também disse que é falsa a ideia de que a universidade seja um celeiro da esquerda. Mas este é um assunto para outro post.

Quanto vale a vida?

A coluna de hoje da Claudia Safatle no Valor Economico aborda o espinhoso tema dos preços dos remédios.

A indústria farmacêutica sofre do mesmo estigma do sistema bancário. No caso dos bancos, trata-se de condenar o lucro com atividades meramente especulativas, que sugam recursos das atividades produtivas. No caso da indústria farmacêutica, a condenação se refere ao lucro com um artigo que não tem preço: a saúde humana.

Especificamente, a discussão é sobre o limite para a compra, por parte dos governos, de remédios para doenças raras. Como o próprio nome diz, a doença é rara e, portanto, a demanda é muito baixa. Faz sentido que o governo compre esses remédios, em uma espécie de “seguro saúde” universal para quem teve o azar de ser sorteado nessa loteria da vida invertida.

A questão é: qual seria o “preço justo” para esses remédios? A única maneira de testar é através do estabelecimento de um preço-teto e verificar se a oferta do remédio permanece. Mas essa ideia tem dois problemas: 1) o preço-teto, na prática, tabela o preço por cima. Um laboratório que estivesse disposto a praticar um preço menor vai imediatamente subir o preço até o teto. 2) se o preço-teto estiver abaixo do nível economicamente viável para a produção do remédio, o governo e os pacientes ficam sem o remédio.

Mas a coisa é um pouco mais complexa. Novos remédios são fruto de anos de pesquisa. O estabelecimento de “preços justos” para os remédios mais caros pode até funcionar no curto prazo, porque o laboratório já desenvolveu aquele remédio e não vendê-lo significa prejuízo. No entanto, esse processo desencoraja novas pesquisas, pois o retorno econômico de um laboratório é formado por alguns sucessos e por muitos fracassos. Um remédio que cura uma doença rara é caro também porque deve pagar pelos inúmeros fracassos ao longo do caminho da pesquisa.

Chegar a um “preço justo” por meio de debates patrocinados por governos é o mesmo que tentar dirigir um carro por meio de um comitê sentado no banco de trás. Somente quem está com a pele no negócio, sofrendo concorrência e tendo que justificar cada dólar de investimento sabe quanto custa cada decisão sobre os preços dos remédios.

Saúde tem preço sim. Cabe aos governos buscar formas de tornar acessíveis os tratamentos mais caros sem, no entanto, matar a galinha dos ovos de ouro, sem a qual os remédios mais caros sequer existiriam.

A capitalização “esperta”

No novo regime de capitalização, 70% dos recursos depositados em minha conta individual de aposentadoria seriam “emprestados” para o governo, e seriam remunerados a uma taxa “abaixo da Selic”. Além disso, uma parcela desses depósitos seria utilizada para formar uma espécie de “fundo garantidor de benefícios”, subsidiando as aposentadorias abaixo de um salário mínimo.

Bem, este é o desenho de um segundo FGTS, só que dessa vez com o dinheiro saindo da conta do empregado.

Isso aí só funciona se for compulsório. E aí teríamos, na prática, a criação de um gigantesco novo imposto, que serviria para fazer a transição do regime de repartição para o regime de capitalização. Esse esquema é o reconhecimento de que essa transição tem um custo enorme, e somente é viável tungando o contribuinte.