Não sou especialista em processo legal, então não posso dar uma opinião técnica sobre esse assunto do repasse de dados do COAF. O que posso fazer é raciocinar em termos lógicos.
Existem duas grandes partes envolvidas nessa história: governo e cidadãos. Todos os atores envolvidos na decisão de Toffoli são governo: COAF, Receita, Polícia Federal, Procuradoria. Quando o COAF repassa dados para a Receita, os dados continuam dentro dessa grande entidade chamada governo. Há dois pontos nevrálgicos no caminho desses dados: o momento em que eles adentram a esfera governamental e o momento em que são usados para processar cidadãos.
O governo toma conhecimento dos dados sigilosos dos cidadãos através de vários canais: declaração do IR, registro de imóveis e automóveis e, o mais importante aqui, o reporte que os bancos fazem de movimentações acima de um determinado patamar para o COAF. Essas sim, representam invasão de privacidade dos cidadãos pelo governo. Não vi Toffoli preocupado com esse ponto.
O segundo ponto é ainda pior: a Receita Federal pode usar esses dados para autuar os cidadãos, ao largo do Poder Judiciário. A Receita multa os cidadãos em um processo administrativo, sem a autorização de um juiz. O cidadão pode entrar na justiça a posteriori, como fizeram os donos do posto de gasolina autuados. Mas a dor de cabeça já está instalada.
Agora, vamos ao caso em tela: a Polícia Federal e a Procuradoria não podem, ao contrário da Receita, iniciar processo sem autorização judicial. Esses órgãos usam os dados do COAF justamente para instruir esses processos. Ou seja, impedir o repasse de dados do COAF para órgãos de investigação sem autorização judicial é simplesmente antecipar a autorização à etapa anterior à própria investigação. O efeito prático disso será entupir o judiciário com um monte de pedidos de quebra de sigilo que eventualmente não chegariam à fase processual. Tornará a justiça ainda mais lenta no combate à corrupção.
Novamente: o sigilo já foi quebrado, sem autorização judicial, no momento em que os bancos repassam dados para o COAF. Que o COAF repasse dados para órgãos de investigação é apenas o corolário natural do processo. Exigir decisão judicial nessa fase da investigação servirá apenas aos interesses dos corruptos e sonegadores.