A amiga Katia Izumida me pede para explicar o conceito de teto de gastos de maneira simples. Como essa deve ser uma dúvida de mais pessoas, afinal trata-se de um assunto muito técnico, vou tentar aqui.
Gosto de pensar no orçamento federal nos mesmos termos do orçamento doméstico. Afinal, é tudo dinheiro que entra e dinheiro que sai.
No nosso orçamento, uma grande parte é engessado. As despesas com escola, com o convênio de saúde, com o supermercado, com luz, água e gás, com aluguel ou prestação do apartamento, gastos com transporte, enfim, com as coisas essenciais, normalmente mexemos muito pouco, se é que mexemos.
Aí você tem uma outra categoria de gastos, que não são necessariamente menos essenciais, mas que podem ser adiados. Roupas, restaurantes, viagens. A gente pode adiar essas coisas, mas não muito. Quem aguenta ficar muito tempo sem uma roupa nova? Ou sem viajar ou se divertir de alguma maneira? São os falsos adiáveis, coisas com que um dia você vai precisar gastar.
O orçamento das pessoas, geralmente, é em grande parte formado pelo primeiro tipo de gasto, que são “incompressíveis”. Mais do que incompressíveis, eles se expandem no tempo. Queremos sempre algo melhor no supermercado, uma escola melhor para os filhos, um convênio melhor (na verdade, o preço do convênio aumenta sem ficar melhor rsrsrs).
Enquanto as receitas estão aumentando, tudo bem. O problema é quando param de aumentar ou cessam de uma vez por conta de uma demissão, por exemplo. Aí, os gastos “incompressíveis” vão tomando conta do orçamento e expulsando os gastos adiáveis. Só que tem uma hora que a coisa estoura! Como eu disse, é muito difícil ficar sem comprar uma roupa ou sem se divertir durante muito tempo.
O que fazemos com nosso orçamento, neste caso? Podemos, por exemplo, comprimir as despesas “incompressíveis”: compramos coisas mais baratas no supermercado, mudamos as crianças de escola, rebaixamos o convênio médico. Podemos também vender bens ou nos endividar. Claro que vender bens e endividar-se não resolve o problema, somente o adia. O problema somente será resolvido quando a receita for maior que a despesa.
O orçamento doméstico tem um teto de gastos natural, dado pela receita que temos. Mas isto é uma grande armadilha: aumentar as despesas acompanhando o aumento das receitas fará qualquer ajuste no futuro ser muito mais doloroso. A família se acostuma com um certo padrão de vida e, caso a receita caia abruptamente, a adaptação é muito difícil. O ideal é utilizar qualquer aumento de receita para fazer um pé-de-meia para um eventual tempo de vacas magras. Há duas vantagens nesta postura: a primeira é ter esta poupança. A segunda é viver com um padrão de vida um pouco menor do que a receita permitiria, o que torna uma eventual adaptação menos dolorida.
O governo caiu nessa armadilha com as quatro patas. Houve um aumento de receitas espetacular no grande ciclo das commodities (de 2003 a 2007). O que fez o governo, em todos os níveis? Aumentou despesas como se não houvesse amanhã. E quando falamos de governo, é bom lembrar que boa parte das despesas é “incompressível” por força de lei. Ou seja, os gastos “incompressíveis” são incompressíveis mesmo. Nada neste mundo consegue comprimi-los. Está escrito na lei e, para eliminar gastos incompressíveis é preciso mudar a lei. O resultado disso é que os gastos “adiáveis” são comprimidos até desaparecerem. Estes são os chamados “gastos discricionários”, aqueles para os quais não há uma lei forçando a mão do presidente. Para estes gastos, o executivo pode contingenciar, ou seja, deixar de gastar.
A lei do teto de gastos veio para tentar barrar o aumento desenfreado das despesas. Na verdade, é mais suave do que a lei que deveria existir e realmente resolveria o problema, que é gastar menos do que se arrecada. O governo está rodando com déficit! Em outras palavras, mesmo com o teto de gastos, a situação continua a se deteriorar! Este é o resultado de anos de aumento irresponsável de despesas.
O governo, assim como as famílias, pode vender bens (privatizar) ou se endividar para cobrir o rombo do orçamento. Mas a capacidade de se endividar termina quando os credores decidem que terminou. Isso não acontece da noite para o dia. No início, as taxas de juros cobradas sobem. Aos poucos, os credores dispostos a rolar a dívida vão diminuindo. Até que ocorre uma crise da dívida. Se você não sabe o que é isso, dê uma olhada na Argentina hoje.
Ao contrário do orçamento doméstico, os governos têm à mão a alternativa de imprimir o dinheiro com que pagam as suas dívidas e suas compras. Só que isso é uma ilusão: esse dinheiro sem lastro acaba perdendo o valor e, no final, não passa de papel pintado que ninguém quer. A isso chamamos de inflação.
Então, Katia, resumindo:
– O governo elevou despesas ao longo dos anos, com base em receitas crescentes. Quando as receitas caíram, descobrimos que as despesas são “incompressíveis”. Resultado: déficit nas contas e aumento da dívida.
– A lei do teto de gastos procura diminuir o ritmo de aumento das despesas. Trata-se de uma terapia suave, se comparado com o que deveria ser realmente feito, que é eliminar o déficit.
– A gritaria toda está nos gastos “adiáveis”, quando o problema real está nos gastos “incompressíveis”. Aí estão as vacas sagradas.
Isso tudo porque estamos falando somente do rombo primário, ou seja, sem considerar o pagamento de juros da dívida. A dívida acumulada por décadas de irresponsabilidade é tão gigantesca, que o pagamento dos juros é um capítulo à parte. E, mesmo que a dívida desaparecesse do dia para a noite (um calote, por exemplo), não teríamos nossos problemas resolvidos, pois ainda gastamos mais do que arrecadamos. Quem iria nos emprestar dinheiro para continuar a farra?