Ontem escrevi um post curto, registrando e comemorando o fim do DPVAT. Foi uma reação de quem já faz seguro e, portanto, vê no DPVT apenas um imposto a mais. Recebi críticas de amigos que respeito, então fui estudar o assunto.
Em primeiro lugar, pensei na natureza da coisa. Trata-se de um seguro obrigatório, que procura compensar o fato de que o brasileiro não faz seguro. Em todas as reportagens que li, o número de veículos sem cobertura chega a 80% da frota. Não tive como verificar este número, mas digamos que seja isso mesmo. Isso por si só justifica a adoção de um seguro obrigatório? Penso que não.
Vamos pensar em sua alternativa. Digamos que, na hora de licenciar o veículo, ao motorista lhe fosse oferecida a seguinte alternativa: pagar R$45 por ano (para carro) e R$185 (para moto) para ter uma indenização de R$13,5 mil em caso de morte, até R$13,5 mil em caso de invalidez e R$2,7 mil para despesas médicas e hospitalares. Alguns motoristas topariam, outros não. A escolha por fazer ou não passa pela avaliação pessoal do risco envolvido. Ao tornar a contratação obrigatória, o governo toma a decisão pelo cidadão, tratando-o como menor de idade.- Ah, mas você está falando como alguém bem instruído, que sabe calcular riscos. A maioria da população não sabe, precisa que o governo lhe enfie o seguro goela abaixo.
Pois é. Eu tenho o péssimo hábito de acreditar que as pessoas, independentemente de sua renda, sabem onde o calo aperta. E também tenho o estranho pensamento de que as pessoas devem pagar pelas suas decisões. Não fez o seguro? Que pague pelas suas despesas hospitalares. O SUS deveria cobrar de quem não fez o seguro. Mas como o SUS é “de graça” para todo mundo, obriga-se todo mundo a pagar seguro. É uma forma de construir o mundo, tutelando os cidadãos. Depois reclamamos da estatolatria que nos cerca.
Além disso, o fato de haver um seguro obrigatório inibe o surgimento de um mercado privado de seguros de acidentes de trânsito. Quem disse que R$45 é o prêmio justo pelo tamanho da indenização? Sim, é verdade que o monopólio da seguradora Líder não tem nada a ver com a obrigatoriedade. Poderia haver, em tese, a convivência de um mercado competitivo com a obrigatoriedade. No entanto, não sei qual seria a complicação burocrática da coisa, como administrar isso. O fato de ser um monopólio deve ter relação com a dificuldade de administrar um mercado livre, competitivo.
A questão do prêmio justo nos leva a outra questão importante: metade dos prêmios arrecadados vão para financiar o SUS (45%) e o Denatran (5%). Portanto, trata-se de um imposto disfarçado. O fato de ser um dinheiro carimbado para o SUS não torna o DPVAT menos imposto. O IPVA é carimbado para a melhoria de vias e estradas, e ninguém acha que o IPVA deixa de ser um imposto por conta disso. Para os que estão preocupados com o buraco no orçamento do SUS, sugiro a criação de uma “Contribuição Sobre Veículos Automotores para Financiamento da Saúde – CSVAFS”, imposto a ser cobrado no licenciamento no valor de R$22 para automóveis e R$92 para motos. Não, não se trata de um imposto adicional, é apenas a explicitação do imposto embutido no DPVAT.
Tem ainda o aspecto dos danos a terceiros. O motorista corre um risco calculado ao não contratar o seguro, mas o pedestre atropelado assume este risco involuntariamente. Bem, isso não é verdade, por dois motivos: 1) o motorista continua sendo responsável por indenizar a vítima. Azar se não tiver o seguro, terá que se virar para pagar de qualquer maneira e 2) o próprio pedestre pode contratar um seguro de acidentes pessoais. Que provavelmente sairá mais barato do que os R$45 anuais cobrados do motorista.
O DPVAT é uma mistura de tutela do Estado sobre o cidadão com imposto disfarçado. As repercussões que li e ouvi sobre a medida tinham o tom de “prejuízo aos pobres, que não mais receberão indenização em caso de acidentes, principalmente os motociclistas”. Como se a indenização fosse uma dádiva do céu, e não fruto de um imposto disfarçado e de um prêmio pago a uma seguradora, que nem sabemos se seria o prêmio justo, pois não há concorrência.
Queremos que os cidadãos estejam protegidos contra acidentes? Sugiro a substituição do DPVAT por uma combinação de um imposto para financiamento do SUS com o oferecimento de um seguro livremente fornecido pelo mercado no momento do licenciamento. O que não é obrigatório terá um escrutínio maior do cidadão, e a concorrência fará caírem os prêmios do seguro. E que cada um pague pelas suas decisões.