Enem e o “jeitinho” brasileiro

Minha filha voltou irritada da prova do ENEM ontem. Pelo segundo domingo consecutivo, o mesmo rapaz vizinho a ela abriu a prova antes de começar o tempo da prova. Como se trata de uma competição por vagas, como garantir que aquele rapaz não iria conseguir uma vaga que era de alguém que respeitou as regras?

A irritação da minha filha se deu não tanto pela atitude do rapaz, mas pela dos monitores que estavam acompanhando a prova. Segundo ela, viram e fizeram de conta que não viram.

A leniência dos monitores pode ser explicada por dois motivos. O primeiro é o temor de criar um barraco e, no limite, colocar em risco a sua própria integridade física. Nunca sabemos qual será a reação da pessoa que teve a sua prova suspensa. O segundo é a leniência própria do brasileiro com relação às leis: ok, tem horário pra abrir a prova, mas não vamos levar assim tão a ferro e fogo, não vai fazer tanta diferença assim.

O antídoto para o primeiro é simples: basta deixar o candidato fazer a prova toda, entrega-la, e anular depois. Este procedimento seria informado de antemão, de modo que ninguém deveria ficar surpreso se sua prova fosse anulada por trapaça. É assim que funciona, por exemplo, na prova para a obtenção do CFA (Chartered Financial Analyst), a maior certificação internacional de finanças. Essa prova é um grande ENEM global, e os monitores vêm de outros países. Como seria impossível discutir com os candidatos no momento da prova, aqueles que tentam trapacear são marcados e recebem uma cartinha posteriormente informando de sua desclassificação e o motivo.

Com relação à leniência, infelizmente não existe antídoto. Faz parte do DNA do brasileiro. “É assim mesmo, não vamos fazer uma tempestade em copo d’água”. O brasileiro é cordato e não quer entrar em conflito. E assim, o jeitinho e a malandragem preenchem o vácuo criado pela passividade e pela leniência.

Tenho quase certeza que as fotos da prova do ENEM vazaram por uma combinação de farra dos candidatos com leniência dos monitores, que certamente viram a coisa acontecer mas não quiseram interferir. O ministro minimizou o fato porque provavelmente não se trata de um esquema elaborado de fraude, mas apenas uma brincadeira boba de alguns imbecis.

No entanto, ao invés de minimizar o fato, o ministro deveria pensar em modos de treinar e dar poder aos monitores, para que candidatos cumpridores das regras não tenham desvantagem em relação àqueles que trapaceiam. Afinal, este é um governo que diz dar valor à meritocracia.

Qual a diferença entre Evo e Maduro?

Por que Evo aceitou renunciar após somente alguns dias de protestos, enquanto Maduro continua firme e forte à frente do governo venezuelano?

A resposta parece simples: Evo perdeu o apoio do exército, enquanto Maduro não só tem o apoio das Forças Armadas como controla forças paramilitares. Estas são até piores, pela sua capilaridade.

Evo está pagando o preço de não ter montado um Estado policial. A tecnologia, típica de Estados totalitários, foi importada de Cuba, e tem como objetivo tocar o terror naqueles que são contra o regime. Precisa ter coragem para se juntar a manifestações contra o governo, sabendo que seu vizinho pode denunciá-lo à polícia do regime.

Maduro não seguirá o rumo de Evo, a não ser que a Venezuela receba uma “ajudinha” externa.

Bolsonaro e o desastre educacional brasileiro

A articulista Renata Cafardo escreve uma coluna sobre educação no Estadão. Seu esporte preferido, como aliás o de todos os militantes da área, tem sido atacar o governo Bolsonaro.

A questão óbvia, e que fica mais óbvia quanto mais esse pessoal escreve sobre as mazelas da educação, é como chegamos a este ponto depois de décadas de políticas implementadas por governos que supostamente têm preocupação social. Bolsonaro está há menos de um ano no poder, e gostemos dele ou não, o fato é que a tragédia educacional brasileira não foi construída por este governo.

Vejamos o exemplo deste artigo. Renata desfila uma série de estatísticas horrorosas, mostrando a desigualdade social que a educação supostamente deveria diminuir. Mas, e essa é a conclusão universal, o governo Bolsonaro está trabalhando na direção oposta, de aumentar a desigualdade. Como se estas estatísticas horrorosas não tivessem sido produzidas pelos governos anteriores.

O exemplo mais recente: o governo agora inventou de unir os orçamentos de saúde e educação em um só, o que supostamente faria aumentar as verbas de saúde e diminuiria as verbas de educação. Sem entrar no mérito de que esta decisão entre saúde e educação deveria sim ser discricionária dos governos e não uma previsão constitucional, o exemplo usado por Renata carece de lógica.

Segundo a articulista, foi a destinação constitucional de verbas para a educação que permitiu o surgimento de certas ilhas de excelência educacional no Nordeste. Ela se refere a Sobral, no Ceará, exemplo nacional de como se pode fazer muito com pouco. Fica o mistério de porque o dinheiro carimbado para a educação conseguiu produzir somente uma ilha de excelência no país inteiro. Será que foram realmente os 25% constitucionais que fizeram a diferença? Se sim, por que não há outras ilhas de excelência? Aliás, por que a educação no Brasil não se transformou em uma grande Sobral e continua essa josta? Afinal, 25% do orçamento todo mundo tem.

Agora que o governo Bolsonaro propõe juntar os dois dinheiros carimbados em um só, passa a ser o grande vilão, aquele que vai acabar com a educação brasileira. Olha, vai ter que trabalhar muito para superar a obra de seus antecessores.

Direito de defesa ad aeternum

Hoje fomos brindamos com mais um artigo no Estadão defendendo o “direito de defesa ad aeternum” (último parágrafo acima). Desta vez, no entanto, a abordagem foi diferente: ao invés de defender seu ponto com argumentos, o autor vale-se do argumento de autoridade: trata-se de assunto complexo, muito técnico, fora do alcance da gentalha aqui da superfície, que não entende o que são “embargos infringentes” ou “o efeito suspensivo de recurso em sentido estrito oponível contra a sentença de pronúncia”.

Trabalho em uma empresa de gestão de investimentos. Imagine só se, quando perdemos dinheiro, tentássemos o seguinte argumento com o cliente: “investimentos é um tema técnico muito complexo. Enquanto você não entender o que é um ‘flattening da curva de juros hedgeado com um put spread com opções fora do dinheiro para evitar um cenário de calda’, mantenha-se na sua reles condição de leigo”. É óbvio que o cliente sacaria todo o dinheiro e sairia batendo a porta.

Não estou aqui minimizando as dificuldades técnicos dos assuntos. São séculos de conhecimentos acumulados e é impossível que uma pessoa saiba tudo de tudo, quanto mais a sociedade inteira. Mas alguns princípios básicos são sim compreensíveis e cabe aos especialistas procurar explicar sem lançar mão de jargões herméticos.

Sou professor também, com mais de 30 anos de experiência em sala de aula. Se eu aprendi uma coisa durante esse tempo, foi que se os alunos não entenderam um conceito é porque o professor também não entendeu. Se o professor realmente entende o núcleo do conceito, saberá simplifica-lo a ponto do aluno mais leigo entendê-lo. Quem não entende, se esconde atrás de jargões. Aliás, dar aula é a melhor maneira de estudar, pois fica claro o que você não sabe.

Tudo isso pra dizer que a sociedade pode não saber o que é um “embargo de declaração” ou uma “sentença de pronúncia”, mas sabe muito bem que um réu condenado por 4 juízes (um de primeira instância e 3 revisores) deveria estar preso. Ao invés de brandir jargões e mandar a sociedade colocar-se em seu devido lugar, o nobre causídico (tá vendo como eu também sei usar palavras difíceis?) poderia tentar explicar para a sociedade com palavras simples e compreensíveis porque é justo que um assassino confesso como Pimenta Neves tenha sido condenado e preso somente 11 anos depois do crime, e tenha sido libertado tendo cumprido somente 5 anos de pena.

E para terminar: no mundo dos investimentos, existe um conceito importante chamado “conflito de interesses”. Por exemplo: o gerente do banco ou o assessor de investimentos está recomendando aquele investimento porque é bom pra você ou é bom pra ele? Quem realmente vai ganhar dinheiro com aquilo? Cabe a mesma questão aqui: quem ganha com o “direito de defesa ad aeternum”, a sociedade ou o advogado criminalista autor do artigo?

Depoimento do repórter da Globo que cobriu a queda do Muro de Berlim, que completa 30 anos amanhã.

Conta de sua emoção de estar testemunhando a história, apesar de “outros muros ainda estarem sendo construídos hoje”.

É do balacobaco!

O sujeito quer comparar o Muro de Berlim com o muro do Trump entre EUA e México. É mais ou menos como comparar o muro de um presídio com o muro que certamente protege o condomínio onde o repórter mora. E essa comparação não é nem a ideal, pois os condenados estão cumprindo pena pelos seus crimes, enquanto os alemães orientais só tiveram o azar de cair no lado errado da história.

O repórter celebra a queda do Muro de Berlim como um “congraçamento dos povos”, o que justificaria a comparação. Nada de muros que dividem as pessoas!

Congraçamento meus ovo. A queda do muro foi a libertação dos alemães orientais de um regime opressor, com resultados econômicos pífios. Até hoje os alemães orientais são mais pobres que os ocidentais, apesar dos esforços hercúleos de integração.

A queda do muro de Berlim deixou desorientada a esquerda no mundo inteiro. Transformar este evento em um “congraçamento dos povos” é uma forma de atenuar o seu real significado: o fracasso do socialismo como sistema econômico e de governo. Assim como dizer que o socialismo soviético não foi o “verdadeiro socialismo”, trata-se de uma forma de lidar com uma realidade muito dura, que destrói convicções longamente formadas.

O socialismo caiu com o muro, mas ainda vive nos corações e mentes de muitos.