O seu direito termina onde começa o meu.
Esse princípio basilar da justiça é colocado em cheque com os pancadões. Festas realizadas nas ruas, os pancadões opõem o direito à diversão dos jovens ao direito ao silêncio dos moradores. Todos os artigos que li até o momento sobre o assunto glamurizam os pancadões: seriam autênticas expressões da cultura brasileira ou, o que é mais comum, a única forma de diversão para uma juventude desempregada. Segundo reportagem do Estadão, serve também para movimentar a economia das comunidades.
Estou seguro de que todos os que escreveram essas análises moram confortavelmente em seus apartamentos de classe média, e não precisam conviver com som nas últimas até altas horas da madrugada. Na prática, tratam os seus concidadãos que vivem nas comunidades como cidadãos de segunda classe, pessoas que não teriam direito ao silêncio como todos os outros.
Não se tratam os pancadões como o que são: crime. Assim como roubos e assassinatos, os pancadões são tratados como “falhas da estrutura da sociedade”. “Os jovens não têm onde se divertir” é o equivalente para “o jovem não tem emprego” que justifica os outros crimes. Sem dúvida há problemas sociais que devem ser endereçados. Mas nunca devem ser usados para justificar crimes. A polícia existe para combater crimes. Portanto, estão cumprindo o seu dever ao atender chamados para coibir os pancadões. Óbvio que isso não justifica agressões deliberadas contra inocentes, e a corporação tem um belo quebra-cabeça para resolver, compatibilizando a repressão ao crime com o direito de inocentes não serem importunados. Mas é óbvio também que caracterizar a atuação policial como um crime em si, como repressão a uma “manifestação cultural”, está fora de lugar.
Os pancadões não podem ser tratados como “terra sem lei”, funcionando como “pics” de bandidos, onde esses seriam inalcançáveis pelo longo braço da lei. A primeira coisa que faz uma sociedade democrática é tratar todos as pessoas como cidadãos de primeira classe, com direitos iguais. O fato de uma pessoa morar em uma favela não a faz ter menos direito ao silêncio do que qualquer outra.