Anteontem, na cerimônia de formatura da minha filha no colegial, o discurso mais aplaudido foi o de um professor que pediu aos alunos que não acreditassem nessa falácia chamada “meritocracia”. Segundo o professor, eles seriam “privilegiados”, pois certamente haveria outros estudantes tão capazes como eles, mas que não tiveram as mesmas oportunidades. Detalhe: trata-se de escola técnica, onde se entra através de um vestibulinho dos mais concorridos.
Ele está certo. E, ao mesmo tempo, está errado.
Como em tudo o que é humano, há muitas armadilhas escondidas em qualquer raciocínio simplista. Certamente, aqueles estudantes desfrutaram de melhores condições que outros que se esforçaram igualmente. Ao mesmo tempo, certamente aqueles estudantes se esforçaram mais do que outros que desfrutaram de condições iguais ou ainda melhores.
A posição que cada ser humano ocupa na sociedade é uma mistura de condições iniciais e esforço pessoal. Impossível dizer quanto é um, quanto é outro. Óbvio que, se fizermos uma regressão simples, condições iniciais piores levarão, na média, a posições finais piores. Por isso, sem dúvida, procurar mitigar as diferenças de condições iniciais tem o seu mérito. Por outro lado, reduzir as diferenças entre as pessoas somente às suas condições iniciais pode inibir o esforço individual, aquilo que faz as pessoas se superarem e resulta no avanço da sociedade.
As pessoas já nascem em condições diferentes no próprio nível biológico: algumas são mais inteligentes que outras, outras nascem com defeitos que irão determinar um teto para as suas ambições. Também, obviamente, nascem diferentes pela qualidade do berço, não só em relação à riqueza, mas também à estabilidade familiar. Tudo isso é verdade.
Mas também é verdade que as pessoas se esforçam de maneira diferente. Os colegas de minha filha tiveram, todos, a oportunidade de estudar em uma boa escola. Alguns, no entanto, vão se esforçar mais durante a vida, outros vão se esforçar menos. Há também mérito envolvido no sucesso pessoal. Reduzir tudo às condições iniciais reduziria a sociedade a um grande Admirável Mundo Novo, em que o destino da pessoa é selado na concepção.
A humanidade está repleta dessas contradições. O ser humano tem livre-arbítrio ou é condicionado pelas circunstâncias? A sociedade é moldada pela mídia ou é a mídia que reflete a sociedade? A economia segue modelos racionais ou as pessoas tomam decisões econômicas irracionais? Poderíamos seguir ad infinitum. A dicotomia entre mérito e circunstâncias é apenas mais uma entre tantas.
Por isso, não me parece que o professor, em seu discurso, estivesse completamente errado ou completamente certo. O ser humano é uma mistura de anjo com animal, o que resulta em uma criatura contraditória por natureza. Faríamos bem em ter isso em mente quando discutimos essas coisas.