A volta dos que não foram

Essa história do imposto sindical me faz lembrar aquela da CPMF: balões de ensaio e, depois, “nunca ninguém disse isso”.

A seu favor, Rogério Marinho realmente tem em seu histórico a defesa intransigente do fim dessa excrescência. É justo o contrário de Marcos Cintra, que construiu a sua carreira na defesa do “imposto único”. Portanto, deve ter sido um mal-entendido mesmo, ou a tentativa de tumultuar o ambiente da reforma sindical.

De qualquer forma, foi útil toda essa confusão: a exemplo do caso da CPMF, ficou claro para todos os envolvidos que o imposto sindical não tem espaço sequer para discussão.

Falando sério sobre distribuição de renda

Eliane Catanhêde dá a sua dose de contribuição para o debate sobre o IDH. Destaquei sua opinião porque representa a média do que se ouve falar por aí: o Brasil é um país rico, mas injusto. O problema é distribuir essa riqueza mais igualmente.

Que a distribuição de renda no Brasil é uma vergonha não se discute. Ninguém em sã consciência é contra redistribuir riquezas. O problema é a premissa anterior, a de que somos um país rico. Ouço essa afirmação muitas vezes: com tantas riquezas minerais, florestas, produção agrícola, mar, etc, o Brasil é muito rico. Só [preencha com o que preferir aqui] impede o país de deslanchar. A desigualdade é a última moda em “causas para o nosso subdesenvolvimento”.

Não, o Brasil não é um país rico. Nem no século XVI se media riqueza pelos recursos naturais, quanto mais hoje, em uma sociedade tecnológica. Somos um país remediado, que faz questão de redistribuir migalhas enquanto castas públicas e privadas sugam o orçamento público sob os mais diversos argumentos de “direitos adquiridos”. Ninguém quer ceder um milésimo de sua posição para melhorar as condições do todo.

Como jornalista, Eliane não deve ser CLT. Portanto, paga menos imposto do que minha empregada doméstica. O que ela não paga de imposto é compensado com impostos sobre bens de consumo, que minha empregada compra. Injustiça na ida e na volta. Vamos começar a falar a sério sobre redistribuição de renda?

O IDH e o PIB/capita

O IDH foi criado para servir como substituto do PIB/capita como medida do bem-estar de um povo. Assim, ao PIB/capita somaram-se a expectativa de vida e os anos de escolaridade para compor o IDH. Desse modo, sociedades que conseguissem maior longevidade e mais anos de estudos de sua população poderiam compensar o fato de serem, afinal, pobres.

Montei um pequeno gráfico que mostra o óbvio: quanto mais rico um país, maior o seu IDH. Não há, via de regra, como escapar da lógica da pobreza: quanto mais pobre, menor o nível educacional e menor a longevidade. Não estou aqui estabelecendo causalidades, estou apenas constatando um fato.

O gráfico foi construído com o logaritmo do PIB/capita. Ou seja, o que importa não é tanto o NIVEL da riqueza, mas a sua VARIAÇÃO. Em outras palavras, um país tende a crescer 1 ponto no IDH se sua renda/capita crescer um certo percentual, independentemente do nível atual. Portanto, o CRESCIMENTO econômico é o que manda. O coeficiente de determinação dessa regressão é de 0,9.

Assim como o PISA, daqui a 50 anos “especialistas” estarão discutindo como melhorar o IDH de um país que caiu na armadilha da “renda média”, que distribui suas riquezas antes de produzi-las.

A diferença entre a Noruega e o Brasil

A Noruega encontrou petróleo no mar do Norte. Foi um bilhete de loteria. Então, estabeleceram um Fundo Soberano, onde guardam as receitas geradas pela exploração do petróleo, e gastam apenas os rendimentos financeiros gerados pelo Fundo. Resultado: o capital fica lá, intacto, para as próximas gerações usufruírem.

O Brasil encontrou petróleo na camada do pré-sal. Foi um bilhete de loteria. Então, a União fez uma capitalização da Petrobras que reforçou o caixa do governo com uma contabilidade criativa, o RJ entrou em uma orgia de gastos públicos antes que o primeiro real dos royalties entrasse no seu caixa, usaram a Petrobras como vaca leiteira da corrupção do sistema político e dividiram as receitas da concessão de exploração da área antes mesmo do leilão. Resultado: as gerações futuras já nascem endividadas.

O problema de fundo é que na Noruega nascem noruegueses, enquanto no Brasil nascem brasileiros. Se pudéssemos dar um jeito nisso, haveria esperança.

Fica Sampaoli!

O Santos não ganhou nada esse ano. A julgar pelos resultados frios, a torcida deveria estar pedindo a cabeça de Sampaoli.

Não foi o que se viu ontem na Vila Belmiro. A torcida entoou várias vezes o coro “fica Sampaoli!”. Por que outros times, com resultados tão pífios quantos os do Santos, trocaram de técnicos como se troca de camisa, enquanto Sampaoli é idolatrado pela torcida?

Falo como torcedor santista: ganhando ou perdendo, dá gosto de ver o Santos jogar. Sempre com vontade, sempre pra frente, sempre agudo, nunca burocrático. Em entrevista ao Estadão ontem, Rodrygo afirmou que chamou sua atenção a intensidade do futebol europeu. Mas, como era o mesmo tipo de treinamento que fazia com Sampaoli no Santos, não teve dificuldade de adaptação. Coincidência ou não, Rodrygo vem brilhando.

Claro que todo mundo gosta de título. Mas ganhá-los depende de uma série de fatores, às vezes se perde no detalhe. Agora, jogar um bom futebol é obrigação de todo time de futebol profissional. E a torcida reconhece o bom futebol quando o vê. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, diz a música dos Titãs.

Se eu fosse a diretoria do Santos, entregava toda a premiação pelo vice-campeonato para Sampaoli e sua equipe. Esse título é dele. Fica Sampaoli!

As coisas sempre podem piorar

A página Inflacionistas descobriu essa relíquia, uma matéria com a visita de Joseph Stiglitz à Venezuela nos idos de 2007. Destaquei o trecho acima, em que Stiglitz defende que o BC não pode ter “autonomia excessiva”. A Venezuela implementou os ensinamentos de Stiglitz, e hoje, como sabemos, tem a maior inflação do mundo.

Argentinos, as coisas sempre podem piorar.

Pancadões e cidadãos de segunda classe

O seu direito termina onde começa o meu.

Esse princípio basilar da justiça é colocado em cheque com os pancadões. Festas realizadas nas ruas, os pancadões opõem o direito à diversão dos jovens ao direito ao silêncio dos moradores. Todos os artigos que li até o momento sobre o assunto glamurizam os pancadões: seriam autênticas expressões da cultura brasileira ou, o que é mais comum, a única forma de diversão para uma juventude desempregada. Segundo reportagem do Estadão, serve também para movimentar a economia das comunidades.

Estou seguro de que todos os que escreveram essas análises moram confortavelmente em seus apartamentos de classe média, e não precisam conviver com som nas últimas até altas horas da madrugada. Na prática, tratam os seus concidadãos que vivem nas comunidades como cidadãos de segunda classe, pessoas que não teriam direito ao silêncio como todos os outros.

Não se tratam os pancadões como o que são: crime. Assim como roubos e assassinatos, os pancadões são tratados como “falhas da estrutura da sociedade”. “Os jovens não têm onde se divertir” é o equivalente para “o jovem não tem emprego” que justifica os outros crimes. Sem dúvida há problemas sociais que devem ser endereçados. Mas nunca devem ser usados para justificar crimes. A polícia existe para combater crimes. Portanto, estão cumprindo o seu dever ao atender chamados para coibir os pancadões. Óbvio que isso não justifica agressões deliberadas contra inocentes, e a corporação tem um belo quebra-cabeça para resolver, compatibilizando a repressão ao crime com o direito de inocentes não serem importunados. Mas é óbvio também que caracterizar a atuação policial como um crime em si, como repressão a uma “manifestação cultural”, está fora de lugar.

Os pancadões não podem ser tratados como “terra sem lei”, funcionando como “pics” de bandidos, onde esses seriam inalcançáveis pelo longo braço da lei. A primeira coisa que faz uma sociedade democrática é tratar todos as pessoas como cidadãos de primeira classe, com direitos iguais. O fato de uma pessoa morar em uma favela não a faz ter menos direito ao silêncio do que qualquer outra.

O jovem economista heterodoxo

Para a nossa total não surpresa, Alberto Fernandez nomeou um “jovem ministro heterodoxo” para a Economia, discípulo de Joseph Stiglitz, um dos dois prêmios Nobel da área (o outro é o Krugman) que defende que imprimir dinheiro faz as pessoas ficarem mais ricas.

Uma das primeiras ideias do “jovem economista” é a óbvia “reestruturação” da dívida da Argentina, nome mais bonito para calote. Essa é uma medida que qualquer governo, de qualquer coloração, tomaria, dada a completa impossibilidade do país continuar pagando uma dívida impagável. O problema é o que vem depois.

Como bom discípulo de um desenvolvimentista raiz, o “jovem economista” deverá aplicar a cartilha já conhecida: gastos governamentais para “estimular” o crescimento econômico. Daí, o crescimento geraria as receitas para o governo pagar as suas dívidas. É a velha ilusão do moto-perpétuo fiscal, que só funciona, segundo os próprios proponentes da Moderna Teoria Monetária, se o governo fosse “eficiente” nos seus gastos. Aí é que mora o problema, como todos sabemos.

O “jovem economista”, no entanto, vai enfrentar um pequeno problema: convencer o FMI a continuar a financiar déficits primários. Segundo dados do FMI, o déficit primário da Argentina chegou a 4,8% do PIB em 2016! Só para comparar, o déficit primário brasileiro atingiu o pico de 2,5% do PIB no mesmo ano, e já foi um Deus-nos-acuda. Macri, com sua abordagem “vamos devagar com o andor”, reduziu o déficit para 4,2% em 2017 e, com a piora da crise e o acordo com o FMI, teve que acelerar o ajuste, fechando 2018 com um déficit de 2,2%. Para este ano, a previsão é de um déficit de 0,6% (menos negativo que o brasileiro).

Um país que gera déficits não tem capacidade de pagar suas dívidas. A matemática, neste ponto, independe de ideologia. O que os heterodoxos propõem é que se deixe a geração de superávits mais para frente, quando a economia voltar a crescer. Muito lógica essa abordagem anti-cíclica, desde que se acreditasse que governos populistas vão realmente economizar quando a economia estiver crescendo. Aliás, qual o nível de crescimento que seria o “suficiente” para começar a gerar superávits primários? São só pequenos “detalhes”.

Stiglitz sempre foi crítico aos termos desse acordo com o FMI. Para ele, essa abordagem ortodoxa não levaria a Argentina a lugar nenhum. Bem, agora teremos a oportunidade de ver o “jovem economista heterodoxo” aplicando as ideias de Stiglitz na vida real. Na minha bola de cristal, caso o FMI continue dando suporte, vejo um surto de crescimento econômico de curto prazo, seguido de nova crise da dívida, com empobrecimento geral da população. Esse é o verdadeiro moto perpétuo dos heterodoxos.