Economia é uma ciência humana. Portanto, não é exata. Nem por isso se pode ignorar os dados objetivos e inventar uma narrativa conveniente que não converse com a realidade.
A ressurreição do documentário de ficção indicado para o Oscar fez ressurgir também outra narrativa muito conveniente: o desastre econômico do governo Dilma foi, em grande parte, fruto da queda dos preços das commodities entre 2014 e 2016. Ignorar esse contexto global seria pura e simples má fé.
Destaquei dois tuítes de uma professora da FGV que resumem o, digamos, raciocínio. Até admite-se que a resposta à crise global por parte do governo Dilma não tenha sido das melhores. Mas é indisfarçável o desejo de livrar a cara da presidenta. Afinal, se Lula teve sorte, por que Dilma não teria simplesmente tido azar?
Bem, se alguém teve azar nessa narrativa foi a realidade. A forma mais fácil de entender quanto da crise brasileira foi causada pela queda dos preços das commodities e quanto foi obra nossa é comparar o nosso desempenho com um grupo de países comparáveis. Para tanto, peguei os dados do FMI de crescimento do PIB do Brasil e comparei com a média da América Latina (isso inclui Venezuela e Argentina!) entre os anos de 2003 e 2016 (governos Lula e Dilma). Nos anos em que o número é positivo, o Brasil cresceu mais do que a média, e vice-versa.
Podemos observar 4 fases distintas:
– 2003 a 2006: o governo Lula adota políticas ortodoxas, dando continuidade ao ajuste das contas pós desvalorização cambial. O Brasil cresce menos que a média.
– 2007 a 2010: aqui há duas narrativas possíveis. A primeira diz que o governo Lula começa a colher os frutos de anos de ortodoxia. A segunda diz que o Brasil começou a crescer mais do que a média porque começou a adotar políticas heterodoxas, com Guido Mantega e patota assumindo o controle. Eu prefiro a primeira, mas a segunda tem a sua utilidade, principalmente para explicar o período seguinte.
– 2011-2014: a heterodoxia aplicada a partir principalmente da crise de 2008 perde fôlego e não consegue mais sustentar o crescimento. Dizem os heterodoxos que a culpa foi de Dilma, que cedeu aos ortodoxos no início do seu mandato, elevando os juros e fazendo ajuste fiscal. Pode ser. Mas isso não explica o que aconteceu entre 2012 e 2014, quando a heterodoxia comeu solta.
– 2015-2016: dizem os heterodoxos que a grande recessão foi causada porque Dilma novamente cedeu aos ortodoxos, ao contratar os serviços de Joaquim mãos-de-tesoura Levy. Mas não ouvi ninguém negar que havia uma crise NO BRASIL. Está claro no gráfico que o Brasil sofreu muito mais que seus pares nesse biênio, o que é obra puramente tupiniquim.
No mercado se diz que, quando se tira a água da piscina, se descobre quem está nadando pelado. Não adianta culpar quem tirou a água da piscina, é obrigação de todo banhista nadar de sunga ou de maiô. Da mesma forma, a queda dos preços das commodities não pode servir de desculpa para o fato de se ter feito barbeiragem na condução da economia. A crise global só explicitou esse fato.
Tentar explicar o desastre econômico do governo Dilma a partir da crise das commodities é tão crível quanto a narrativa do golpe. Ambas se encaixam na categoria ficção não-cientifica.