Eugênio Bucci repercute o Índice de Democracia, publicado anualmente pela The Economist. E ele está preocupado. Muito preocupado.
Segundo o jornalista, a nossa democracia vai de mal a pior, e esse índice seria mais uma evidência disso. Por que? Bucci elenca três motivos, a saber: 1) o índice caiu de 6,97 em 2018 para 6,86 em 2019; 2) a nossa democracia é classificada como “falha” pela revista e 3) o item “funcionamento do governo” foi o ponto crítico desta nota ruim, pois recebeu nota 5,36. Principalmente esse terceiro ponto deu margem a que o preocupado jornalista apontasse todos os nazistas debaixo das camas desse governo, conclamando os democratas do país a nos salvar dessa peste.
Os três fatos elencados são verdadeiros, mas a sua relação específica com o governo Bolsonaro é, para dizer o mínimo, forçada. Vejamos.
Em primeiro lugar, é verdade que o índice caiu de 6,97 em 2018 para 6,86 em 2019. Mas o mesmo índice era 6,86 em 2017. Durante o governo Temer, portanto. Então, fica difícil relacionar essa queda especificamente ao governo Bolsonaro.
Em segundo lugar, a classificação da democracia como “falha” vem desde o início da publicação do índice, em 2006. Todos os países que recebem nota entre 6,00 e 7,99 recebem essa classificação. O Brasil nunca teve classificação maior que 7,99. Portanto, “falha” não é uma característica da democracia bolsonarista, mas da democracia brasileira.
Mas é o terceiro ponto que merece maior atenção: este item, “funcionamento do governo” recebeu nota realmente baixa, 5,36. Mas o Brasil recebe esta mesma nota para este quesito desde 2017. Nem mais, nem menos. Portanto, o problema não é o governo Bolsonaro. Aliás, este quesito não está sozinho puxando a nota do país para baixo: “cultura política” recebeu nota 5,0 e “participação política” recebeu nota 6,11, sendo também responsáveis pela nota ruim do Brasil.
Então, o que Bucci está fazendo é instrumentalizar uma ferramenta de análise em favor de sua tese. Danem-se os números, o que importa é demonizar quem eu não gosto.
O pior de tudo é que realmente a democracia brasileira perdeu qualidade nos últimos anos, de acordo com o índice da The Economist. Até 2008, nossa nota era 7,38, passando a ser 7,12 entre 2010 e 2013 e voltando a 7,38 em 2014. A partir daí, foi só ladeira abaixo. E o item que deteriorou este índice a partir de 2015 foi realmente a “qualidade do governo”. No entanto, ao concentrar as críticas nas idiossincrasias de Bolsonaro, o articulista perde a chance de fazer um diagnóstico mais abrangente.
Para entender porque a “qualidade do governo” piorou, é necessário saber no que consiste esse quesito. São 14 perguntas feitas pela The Economist. Vou listá-las aqui para que fique clara a natureza desse quesito (respostas positivas aumentam a nota):
- 1) As políticas do governo são determinadas pelos representantes eleitos.
- 2) O parlamento é o corpo político supremo, com uma clara supremacia sobre outros ramos do governo.
- 3) Há um sistema de checks e balances efetivo.
- 4) O governo está livre de influência indevida de militares
- 5) Instituições estrangeiras não determinam as políticas nacionais.
- 6) Grupos econômicos e religiosos não tem poder paralelo ao governo.
- 7) Há formas de cobrar o governo entre as eleições.
- 8 )A autoridade do governo se estende sobre todo o território nacional.
- 9) O público tem acesso a informações do governo
- 10) A corrupção não é um grande problema
- 11) Os servidores públicos implementam as políticas de governo
- 12) Existe percepção por parte do povo de que se tem livre escolha e controle sobre suas vidas
- 13) A confiança popular no governo é alta
- 14) A confiança popular nos partidos políticos é alta
Olhando o conjunto desses itens, parece óbvio que houve uma deterioração da percepção da funcionalidade do governo a partir do evento do Petrolão. Não por coincidência, a nota desse quesito despenca a partir de 2015. Quer dizer, o governo do PT não era um primor de democracia para depois dar lugar a governos autoritários. Ocorreu o justo contrário: os governos do PT plantaram a deterioração posterior, a exemplo do que aconteceu na economia.
Bolsonaro é consequência, não causa da deterioração da democracia brasileira. E não é combatendo os sintomas que se cura uma doença.