Brasília, faça alguma coisa!

Mais um editorial do Estadão clamando por alguma “política pública” para levantar a indústria brasileira. Como é comum nesse tipo de argumentação, está a comparação com o “sucesso do agronegócio”, que só teria evoluído porque recebeu incentivos de crédito e pesquisa por parte do governo.

É lugar comum pensar no agronegócio como o “salvador da lavoura” (sem trocadilhos) da economia brasileira. Este setor da economia seria o responsável por dar robustez às contas externas, livrando o país do fantasma da crise de balanço de pagamentos que tantas vezes nos assombrou durante a nossa história.

Vejamos o que dizem os números.

Hoje, as exportações brasileiras são dominadas basicamente por três grandes grupos de produtos: agrícolas, industriais e extrativa mineral. Quanto cada um desses representa na pauta exportadora? Respectivamente 29%, 31% e 25%. Surpreso? Pois é. Exportamos, em termos absolutos, o mesmo em bens industriais e produtos agrícolas.

Como era essa divisão 20 anos atrás? Em 1999, eram 27%, 52% e 9%. Portanto, o que houve foi uma perda de importância da indústria para a mineração, e não para a agricultura. E, dentro da mineração, para o petróleo, não para o minério de ferro.

O que ocorreu neste período é que os números absolutos cresceram muito, em função da demanda da China. Então, ficamos superavitárias na balança comercial. Mas não por mérito especial do agronegócio. Aliás, dentro do agro ocorreu uma mutação interessante: a soja representava 30% da pauta exportadora agrícola há 20 anos, e hoje representa 50%. Tudo demanda da China.

Vamos olhar de outra forma: há 20 anos, exportávamos cerca de U$50 bilhões. Hoje, exportamos U$225 bilhões, um crescimento de 350%, ou 8% ao ano. As exportações agrícolas cresceram, no mesmo período, de 13 para 65 bilhões, ou pouco acima de 8% ao ano. Por outro lado, as exportações de soja cresceram 11% ao ano no mesmo período. O que houve foi uma rotação dentro do setor agrícola para atender a China.

Tudo isso pra dizer que existe uma certa mística em torno do agronegócio, que se transforma em uma miragem inalcançável para a indústria. Como se “Brasília” (sim, o editorial cita a capital da burocracia como solução dos problemas) tivesse o condão de fazer pela indústria o que “fez” pelo agronegócio. Ora, Brasília, se fez alguma coisa, foi atrapalhar o agronegócio, com uma infraestrutura caindo aos pedaços da porteira para fora da fazenda, além do pesadelo tributário e legislativo que nos impõe a todos. Os paliativos que oferece, como as pesquisas da Embrapa ou linhas subsidiadas de crédito, são só isso mesmo, paliativos.

O agronegócio só conseguiu manter o seu share nas exportações porque apareceu a China demandando nossa soja e temos uma vantagem competitiva nessa área, que é o clima e o solo. Como é óbvio, essas vantagens competitivas desaparecem quando se trata da indústria. É um verdadeiro milagre que produtos industriais ainda representem um terço das nossas exportações. Trata-se de um setor que sobreviveu a incontáveis “políticas industriais” ao longo de décadas. Nossa indústria é “nascente” desde que Getúlio resolveu instalar a CSN. Sabe como é, quase 80 anos não foram suficientes. É preciso que Brasília “faça alguma coisa”.

Mais uma filigrana jurídica

Reportagem no Estadão hoje traz uma entrevista com a juíza corregedora Patrícia Alvarez Cruz, responsável pelo DIPO – Departamento de Inquéritos Policiais, do Tribunal de Justiça de São Paulo. O DIPO vem sendo citado por Toffoli e vários outros como um modelo de como funcionaria o tal “juiz de garantias”.

A juíza simplesmente demoliu essa ideia na matéria. Diz que o DIPO foi criado para agilizar os processos e não para substituir a avaliação que o juiz do caso deve fazer para tentar alcançar a verdade dos fatos. Chega a dizer que o número de absolvições deve aumentar com o estabelecimento do juiz de garantias, não por uma suposta imparcialidade do juiz, mas porque este ficará em sincera dúvida, pois não terá acesso aos autos do inquérito policial.

Além disso, acrescento eu depois de ler a reportagem, a competência do juiz será mais uma filigrana a ser habilmente explorada por criminalistas pagos a peso de ouro. Se uma formalidade como a ordem das alegações finais já serviu para o STF anular sentenças, imagine algo mais grave como a avaliação de se o juiz do caso agiu ou não dentro de suas fronteiras.

Fica a conclusão de que o tal “juiz de garantias” foi criado para garantir a impunidade. Vale a leitura.

O espírito de Goebbles

Escreveu o que eu ia escrever mas estava com preguiça. Obrigado, Victor H M Loyola.

Me dei ao trabalho de assistir ao vídeo do ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, demitido hoje. Não é algo que eu faria em condições normais, mas pela intensidade dessa que foi a treta da semana, não podia deixar passar.

O que eu tenho a dizer é o seguinte: Independentemente do plágio ao discurso nazista de Goeebels, que comentarei depois, foi certamente uma das piores declarações políticas que eu já assisti, seja pela forma, seja pelo conteúdo. Um horror.

A música de fundo (do alemão Wagner, apropriada a momentos tristes, quem sabe fúnebres), o ar formal e pomposo e as referências ao ‘renascimento da arte brasileira’, de que ela deveria ser heroica e nacionalista e um sem número de bobagens escritas em um português que se pretendia rebuscado e terminou ‘oco’ fez a peça soar uma caricatura. Por momentos, achei que fosse pegadinha de programa humorístico e que a qualquer momento o pessoal do saudoso Casseta e Planeta entraria em cena.

Sobre o conteúdo, governos que definem o que é arte e cultura e posicionam-se como guias da população no assunto são…ditaduras. Simples assim.

Eu até acho que o plágio ao texto do Goebbels pode não ter sido intencional, mas nem considero esse o ponto mais grave nesse caso. Para mim, o conjunto da obra é uma aberração.

A demissão de Roberto Alvim foi acertada, mas será extremamente preocupante se o seu sucessor(a) for alguém que compartilhe das mesmas ideias.

Palavras que você DEVE deixar de usar

Coluna do Globo lista 10 palavras que todo mundo deve deixar de usar em 2020. Na verdade, são 14 no total.

Repare no tempo verbal: “deve”. Trata-se de uma ordem, não de uma sugestão. Está determinado pela polícia da linguagem.

Algumas até fazem sentido, outras são ridículas. Mas não é esse o ponto. A questão é que há preconceitos do bem e preconceitos do mal. O especial do Porta dos Fundos, por exemplo, não mereceu reparos por parte da polícia da linguagem. Nesse caso, trata-se de liberdade de expressão.

Nessa linha, também criei uma lista de “palavras proibidas”, procurando proteger grupos que não alcançaram a proteção da polícia da linguagem oficial. São exemplos:

– Alemão: essa forma de chamar as pessoas que nasceram na Alemanha na verdade é uma ofensa aos loiros, que sofreram a infância inteira sendo chamados de alemães. O morro do Alemão deve passar a chamar-se Morro do Germânico.

– Magrela: essa forma de se referir às bikes é preconceito contra os magros

– Papai-com-mamãe: o que parece ser uma inocente forma de denominar algo simples ou fácil, na verdade é preconceito contra casais que só fazem sexo em casa.

– Automóvel: apesar do “auto” significar “automático”, a palavra soa alto, uma ofensa aos baixinhos. Vamos usar carro.

– Supermercado: coloca em posição de inferioridade os mercadinhos de bairro, que devem ser respeitados como expressão da cultura nacional. Mercado é mercado, não importa o tamanho.

– Azul: uma ofensa ao amarelo. A partir de agora, tudo é bege.

Infelizmente não tenho o domínio da língua como o Eduardo Affonso, que poderia pensar em muitos outros exemplos de palavras e expressões que parecem inocentes só na superfície e devem ser evitadas.

Os belzebus do capitalismo

O Google é o penúltimo dos grandes belzebus do capitalismo a atingir a impressionante marca de U$ 1 trilhão de valor de mercado, fazendo companhia à Apple, Amazon e Microsoft. Falta só o Facebook, que vale “só” US$ 630 bilhões. Para se ter uma ideia, o conjunto de todas as companhias abertas do Brasil (incluindo aí Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco e todos os outros grandes mamutes nacionais) vale cerca de US$ 1,25 trilhões. Ou seja, se os investidores do Google resolvessem vender todas as suas ações, teriam dinheiro suficiente para praticamente comprar todas as empresas da bolsa brasileira.

O que mais impressiona no caso do Google é que a empresa não vende nada. Você compra produtos Apple, livros na loja Amazon e softwares da Microsoft. Mas do Google (assim como do Facebook) você não compra nada. É uma empresa que ganha dinheiro basicamente com publicidade. E vale US$ 1 trilhão. Não é à toa que as grandes empresas de mídia estejam em polvorosa, e os governos estejam buscando formas de “quebrar o monopólio” do Google e do Facebook. Iniciativa risível, em um mercado em que a barreira de entrada é praticamente zero, basta fazer um motor de busca que ganhe as mentes e corações dos usuários. O Google fez isso com o Yahoo, que já havia feito isso com o Altavista. Acontece que não surgiu nada efetivamente melhor desde então. “Quebrar o monopólio” significaria, na prática, forçar os usuários a terem experiências piores, em nome de um “mercado mais saudável”. Para quem?

Há 100 anos, as empresas líderes na bolsa americana eram as ferrovias. Há 50 anos, eram as automobilísticas e empresas de petróleo. Hoje, são as empresas de tecnologia. Toda indústria tem o seu ciclo natural, e essas empresas também serão uma lembrança daqui a 50 anos, sendo substituídas por algo sobre o qual não fazemos a mínima ideia. Esta é a beleza do capitalismo.

A seletividade da lei

Todos aqui são testemunhas de como não gostei do tal “juiz de garantias”, que, na minha visão, é a criação da 5a instância no judiciário brasileiro. Mas o que Toffoli fez é inacreditável! Ele, monocraticamente, mudou uma lei clara e cristalina aprovada pelo Congresso brasileiro, selecionando que tipo de crimes não terão o juiz de garantias! Ora, ou bem ele declara a lei inconstitucional, ou declara constitucional. Não cabe ao STF escolher onde a lei vale e onde não vale, isso é prerrogativa do Congresso. Afinal, que dispositivo constitucional teria sido violado pelo juiz de garantias em casos de homicídios e não em casos de corrupção?

A justificativa dada a jornalistas é ainda mais espantosa. O juiz de garantias não valeria para homicídios porque esses casos precisariam de um “procedimento mais dinâmico”! Ora, é a confissão mais deslavada de que o instituto do juiz de garantias servirá para embolar os processos, tornando-os ainda mais morosos. Não consigo pensar em prova mais definitiva de que essa história do juiz de garantias foi feita sob encomenda para tornar mais fácil a vida dos corruptos com bolsos fundos.

Queremos entrar na OCDE. Desse jeito, vai ser difícil.

Explicitando a derrama

Estudo do IPEA concluiu que a alíquota de um teórico imposto sobre consumo seria de 27% para compensar todos os outros impostos que deixariam de existir. Seria uma das mais altas do mundo, só perdendo para os suspeitos de sempre, tipo Suécia.

Essa alíquota explicita o tamanho do peso do Estado na economia brasileira. Isso sem contar o imposto de renda, que não seria extinto. O pesquisador ainda diz que seria possível diminuir um pouco o IVA se o IR fosse aumentado. Gênio.

Bem, essa notícia é de ontem. Destaco notícia de hoje, em que um grupo de trabalho da Embratur chegou à brilhante conclusão de que as passagens aéreas são caras no Brasil por causa dos impostos.

Bem, qualquer grupo de trabalho de qualquer setor brasileiro chegaria à mesma conclusão. Claro que, por trás do trabalho da Embratur, estará um pedido do setor de diminuição de impostos. Como a carga tributária total não pode diminuir, o conjunto dos outros setores seriam onerados. Mas, como é de praxe, o governo populista cacarejaria apenas os “incentivos ao turismo”. O fato incontornável é que os impostos sobre o consumo representam mais de um quarto de tudo o que se consome, entre bens e serviços.

A Inconfidência Mineira foi detonada pela cobrança do “quinto”, um imposto de 20% sobre a extração do ouro. Já estamos pagando 27% sem saber. Entende-se o grande receio da Corte em escancarar esse número.

A ficção do salário mínimo

O salário mínimo serve somente para uma coisa: aumentar os gastos da Previdência Social com aposentadorias e pensões. Como o poder público não precisa, em tese, seguir a lógica econômica, vai se endividar ou rodar a maquininha de imprimir dinheiro para pagar o salário mínimo aos pensionistas.

Na economia real, no entanto, onde a mão de obra é um insumo como qualquer outro, salários acima do salário mínimo só serão pagos se a produtividade compensar. Senão, ou não se contrata, ou se contrata informalmente por um salário menor.

O salário mínimo é uma ficção, fetiche das esquerdas que prometem o paraíso para aqueles que infelizmente não têm como ganhar essa quantia, por menor que possa parecer. Sim, cresceu o número de trabalhadores que ganham, NO MÁXIMO, um salário mínimo. É a economia real dando o seu recado.

Iniciei o post dizendo que, em tese, o governo não segue a lógica econômica. Somente em tese. Na prática, as discussões sobre controle de gastos ou reforma da previdência estariam em um outro patamar se não houvesse vinculação dos benefícios ao salário mínimo. Alguns dirão que o que se faz é justiça social, ao garantir um mínimo para a sobrevivência dos pensionistas, o que melhoraria a distribuição de renda.

Assim é se assim lhe parece. Na outra ponta, por falta de recursos, faltam políticas públicas para aumentar a produtividade dos jovens, o que lhes proporcionaria um salário maior e menor dependência de políticas públicas na velhice. Mas esse é um raciocínio neoliberal, como sabemos. Bom mesmo é continuar enganando o povo com um “salário mínimo”.

Ficção Não-Científica

Economia é uma ciência humana. Portanto, não é exata. Nem por isso se pode ignorar os dados objetivos e inventar uma narrativa conveniente que não converse com a realidade.

A ressurreição do documentário de ficção indicado para o Oscar fez ressurgir também outra narrativa muito conveniente: o desastre econômico do governo Dilma foi, em grande parte, fruto da queda dos preços das commodities entre 2014 e 2016. Ignorar esse contexto global seria pura e simples má fé.

Destaquei dois tuítes de uma professora da FGV que resumem o, digamos, raciocínio. Até admite-se que a resposta à crise global por parte do governo Dilma não tenha sido das melhores. Mas é indisfarçável o desejo de livrar a cara da presidenta. Afinal, se Lula teve sorte, por que Dilma não teria simplesmente tido azar?

Bem, se alguém teve azar nessa narrativa foi a realidade. A forma mais fácil de entender quanto da crise brasileira foi causada pela queda dos preços das commodities e quanto foi obra nossa é comparar o nosso desempenho com um grupo de países comparáveis. Para tanto, peguei os dados do FMI de crescimento do PIB do Brasil e comparei com a média da América Latina (isso inclui Venezuela e Argentina!) entre os anos de 2003 e 2016 (governos Lula e Dilma). Nos anos em que o número é positivo, o Brasil cresceu mais do que a média, e vice-versa.

Podemos observar 4 fases distintas:

– 2003 a 2006: o governo Lula adota políticas ortodoxas, dando continuidade ao ajuste das contas pós desvalorização cambial. O Brasil cresce menos que a média.

– 2007 a 2010: aqui há duas narrativas possíveis. A primeira diz que o governo Lula começa a colher os frutos de anos de ortodoxia. A segunda diz que o Brasil começou a crescer mais do que a média porque começou a adotar políticas heterodoxas, com Guido Mantega e patota assumindo o controle. Eu prefiro a primeira, mas a segunda tem a sua utilidade, principalmente para explicar o período seguinte.

– 2011-2014: a heterodoxia aplicada a partir principalmente da crise de 2008 perde fôlego e não consegue mais sustentar o crescimento. Dizem os heterodoxos que a culpa foi de Dilma, que cedeu aos ortodoxos no início do seu mandato, elevando os juros e fazendo ajuste fiscal. Pode ser. Mas isso não explica o que aconteceu entre 2012 e 2014, quando a heterodoxia comeu solta.

– 2015-2016: dizem os heterodoxos que a grande recessão foi causada porque Dilma novamente cedeu aos ortodoxos, ao contratar os serviços de Joaquim mãos-de-tesoura Levy. Mas não ouvi ninguém negar que havia uma crise NO BRASIL. Está claro no gráfico que o Brasil sofreu muito mais que seus pares nesse biênio, o que é obra puramente tupiniquim.

No mercado se diz que, quando se tira a água da piscina, se descobre quem está nadando pelado. Não adianta culpar quem tirou a água da piscina, é obrigação de todo banhista nadar de sunga ou de maiô. Da mesma forma, a queda dos preços das commodities não pode servir de desculpa para o fato de se ter feito barbeiragem na condução da economia. A crise global só explicitou esse fato.

Tentar explicar o desastre econômico do governo Dilma a partir da crise das commodities é tão crível quanto a narrativa do golpe. Ambas se encaixam na categoria ficção não-cientifica.