Forças ocultas

1. Sim, sempre há “forças” no Congresso querendo minar o governo. Faz parte de qualquer sistema democrático. Presidentes procuram formar maiorias (eventuais ou estáveis) para vencer essas “forças”.

2. Eu votei no presidente esperando que ele governasse. Continuo esperando.

3. Eu não confio no Congresso. Também não confio no presidente. Alcolumbre é presidente do Senado por obra e graça de Onyx Lorenzoni, ele era o candidato do governo contra Renan Calheiros. E Maia foi eleito presidente da Câmara com o voto do PSL, o então partido do presidente. Quem pariu Mateus que o embale.

4. Montesquieu bolou os 3 poderes para dividir a tarefa de governo. Executivo, Legislativo e Judiciário governam, cada um em seu quadrado. A tarefa de governar não é exclusiva do executivo. É assim para que não haja tentações autoritárias. Países onde o legislativo se submete ao executivo, como a Venezuela, não costumam ser exemplos de democracia. Recomendo vivamente que Zambelli leia os artigos 48 e 49 da Constituição para ver que o Congresso governa também, e não é pouco.

Zambelli faz parte do legislativo, mas aparentemente não se importaria muito em abrir mão de suas prerrogativas, conferidas pelo voto popular, o mesmo que elegeu seus companheiros de Câmara.

Na melhor das hipóteses, os deputados e senadores vão dar de ombros para essa manifestação. Porque sabem que os mesmos que os elegeram estarão lá para elegê-los novamente em 2022. E, se não forem eles, serão outros que não têm porque ter compromisso com o presidente. Por mais que seja irritante, assim é a democracia representativa.

Incentivo público, benefício privado

Ao se profissionalizar, o carnaval de São Paulo está passando pelo “teste da demanda”. O “teste da demanda” é aquele pelo qual deve passar todo produto que pretende ter sucesso no sistema capitalista. Tem demanda por um preço que gere lucro para o fornecedor do produto ou serviço? Vai sobreviver. Não tem? Vai desaparecer.

O carnaval de São Paulo, como tudo o que acontece nessa cidade, ficou muito grande. Para organizar a zona, a prefeitura começou a subir a régua dos quesitos mínimos para um bloco desfilar. Um “rolê de planilha”, como diz uma produtora. Bem, tem que ser assim, dada a proporção que o carnaval de rua de São Paulo tomou.

Em São Paulo, ao contrário de Salvador, o carnaval de rua é “de graça”. Em Salvador, você precisa comprar um abadá para participar da festa. Uma vaga em um camarote não sai por menos de R$2 mil. Em São Paulo não. Aqui, qualquer um entra na festa. Muito mais democrático.

Mas não é o fato de ser democrático que o carnaval deixa de ter custos. Como resolver? Patrocínio. Alguém com interesse comercial precisa bancar. Mas, para isso, o bloco precisa ter um número mínimo de foliões, que serão alcançados pela publicidade da marca patrocinadora. A maior parte dos blocos, obviamente, não atinge esse critério. Neste ano, 30% dos blocos desistiram por falta de patrocínio. Um dos blocos tentou, inclusive, um “financiamento coletivo”. Não se mostrou muito “positivo”. Ou seja, poucos se interessaram em colocar a mão no bolso para financiar a folia.

Claro que na reportagem apareceram as palavras mágicas: “incentivo público”. O orçamento da prefeitura seria desviado de necessidades urgentes, como transporte e educação, para financiar a folia da classe média.

– “Mas isso seria política cultural!”

Política cultural o escambau. Qual o valor cultural de um bloco de música pop coreana?

Fiquemos atentos. Haverá tentativas de colocar a mão no bolso do contribuinte para financiar algo que não tem demanda para se pagar. Os mecenas que acham isso importante para o bem da cultura nacional que coloquem as mãos em seus respectivos bolsos para financiar os blocos alternativos. Nem pensem em colocar as mãos nos bolsos de todos os paulistanos.

O DNA do país do jeitinho

Imagine um país onde o Judiciário fosse ágil o suficiente para colocar rapidamente na cadeia bandidos e empresários sonegadores que podem pagar bons advogados, e para, também rapidamente, obrigar os governos a pagarem os precatórios que devem. Sim, teríamos um país onde o tal “Império da Lei” não seria apenas uma bonita expressão sem sentido prático.

É isso o que o lobby pela prisão somente após o trânsito em julgado quer? Obviamente que não. O que querem é ampliar o escopo do projeto para juntar forças suficientes para derruba-lo todo, inclusive na área criminal, que era o escopo original. Moro sabe disso, e por isso defendeu o projeto apenas em seu escopo inicial.

O projeto irá à votação assim, e provavelmente será derrubado, inclusive com a ajuda do próprio governo, que não quer ser obrigado a pagar precatórios depois de decisão em 2a instância.

Ao derrubar a prisão após a condenação em 2a instância, o STF interpretou bem a vontade do parlamento e do executivo, juntando-se aos que viram as costas para os cidadãos que pagam seus impostos em dia e procuram viver de acordo com a lei. Quando Dias Toffoli, depois de dar o seu voto de Minerva pela prisão somente após o trânsito em julgado, sugeriu ao Congresso mudar a lei, sabendo, obviamente, que isso não iria acontecer. Porque o tal “Império da Lei” não está no DNA do país do jeitinho.

Alguns são mais iguais do que os outros

Dias Toffoli pede, em ofício, reunião com o ministério da Economia. Pauta: furar o teto de gastos.

2020 será o primeiro ano em que o Executivo não compensará o Judiciário por gastos acima do permitido pela Lei do Teto de Gastos. Mas sabe como é: no Brasil, uma lei nunca foi barreira para fazer o que se quer fazer. Se dependesse das leis por aqui aprovadas, seríamos uma Suíça. Faltam só os suíços para cumprirem as leis.

O Judiciário é aquele poder em que os seus ilustres representantes gozam de férias de 60 dias, constroem sedes nababescas e têm o poder de transformar penduricalhos em salário. E, quando são pegos em “mal-feitos”, recebem como punição aposentadoria com salário integral. Isso tudo, para entregar uma justiça que demora décadas para resolver contenciosos, para a alegria dos bandidos que podem pagar bons advogados.

Sim, o judiciário não consegue viver com o Teto de Gastos. Afinal, na já antológica frase do procurador mineiro, como vão viver com esse miserê? O interessante é que a reação não veio da sociedade, ou mesmo de outros poderes, reconhecendo a necessidade de o Judiciário ter mais recursos. A reação veio do próprio Judiciário, que se auto-declara uma instituição tão importante que estaria dispensada de fazer sacrifícios. Não consigo pensar em definição melhor para a palavra corporativismo.

No ápice do desplante, Dias Toffoli exige “equilíbrio institucional”, pois os recursos do leilão do pré-sal teriam sido direcionados apenas para o Executivo. “Queremos mamar nessa boquinha também”, diz o presidente do Sindicato, quer dizer, do Supremo.

E com que autoridade o Executivo vai contrapor essa investida se, na primeira brecha, faz uma capitalização vergonhosa por fora da regra do teto para construir seus brinquedinhos de guerra?

A exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei do Teto de Gastos vai acabar se tornando inócua, de tantas brechas e atalhos que vão encontrar. E isso, obviamente, não tem como acabar bem.

Fair-Play financeiro

A CBF está planejando uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal para os clubes brasileiros. O clube que fizer gastos irresponsáveis, sem lastro em receitas, poderá perder pontos ou até ser rebaixado.

A Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada para enquadrar os Estados. Em tese, os governadores que fizessem gastos sem lastro estariam sujeitos às penas da Lei. Isso em tese. Na prática, os governadores encontraram tantos meios para burlar a lei, com a anuência dos TCEs locais, que a Lei virou peça de ficção. Não à toa, temos Estados à beira da falência. Quantos governadores você conhece que foram chamados a responder pelos seus atos?

Voltemos aos clubes. Pergunto: qual o risco de vermos um grande clube ser rebaixado porque um dirigente foi irresponsável financeiramente?

Levando com a barriga

Willliam Waack acerta na mosca ao analisar a atual conjuntura do governo Bolsonaro.

Inaugurando uma “nova forma de fazer política”, Bolsonaro, na prática, cedeu poder ao Congresso. Que, por sua vez, não se fez de rogado. Bolsonaro esperava governar “com a força das ruas”, pressionando os congressistas a fazer a “coisa certa”. Dizem que funcionou com a Reforma da Previdência, ainda que, na minha humilde opinião, os congressistas, neste caso, agiram conforme suas próprias conveniências. Afinal, era isso ou o precipício. E, no precipício, todos perdem.

Agora, como nos afastamos do precipício, cada um está cuidando de seus próprios interesses. Neste momento, a convicção do chefe faz toda a diferença. E é isso justamente o que está faltando. Reportagens como a do Estadão de hoje, mostrando insatisfação da equipe econômica, não são fruto de perseguição da “extrema-imprensa”. Foram sopradas de dentro do ministério da Economia. Parece que o pessoal anda meio cansado.

Claro, os técnicos deveriam saber que é o presidente quem tem a sensibilidade política para avançar com esta ou aquela agenda no Congresso. Mas fica difícil defender a ideia de poupar desgaste político ao governo, quando se decide pela capitalização da Emgepron ou por uma reestruturação de cargos militares que anula os ganhos da reforma da Previdência. Parece que Bolsonaro escolhe a dedo as pautas que vão lhe causar desgaste político.

Além disso, por mais que Bolsonaro tenha essa preocupação, que é legítima, isso tem um limite. E o limite é dado pela percepção dos agentes econômicos de que o governo já está satisfeito com o que foi feito. Esta percepção ainda é baixa, mas está crescendo. Se se tornar majoritária, aí é que a porca vai torcer o rabo.

O diálogo que resta

Ontem, mais uma vez uma amiga postou a balbúrdia instalada em frente ao seu prédio, altas horas da noite, com direito a pancadão, que se seguiu a um “desfile de bloco” que não estava na programação.

Minha amiga pergunta: onde está o poder público? Cadê a PM para colocar ordem na casa? Ao que eu respondo: está afastando seus agentes que procuraram colocar ordem na casa.

Ontem mesmo, circulou vídeo de truculência policial contra estudantes de uma escola estadual.

Obviamente, foi objeto de reportagem indignada da Globo News, com direito a entrevista com “especialista”, que recomendava o diálogo como melhor forma de enfrentar esse tipo de situação.

Pergunto: a direção da escola, ao chamar a polícia, já não havia tentado o “diálogo” com os estudantes? A chamada da polícia já não caracteriza o esgotamento de todas as outras possibilidades de resolver o problema? Aliás, tanto na matéria da Globo News quanto na reportagem do Estadão (de onde tirei a manchete) não há menção ao tipo de problema causado pelos estudantes, a ponto de a direção do colégio ter sentido necessidade de chamar a polícia. Os repórteres nos devem essa informação, que não é um mero detalhe.

Obviamente, nada justifica a truculência policial. Excessos devem ser punidos. Mas a cobertura jornalística deveria procurar levantar todas as informações, para que os leitores e telespectadores pudessem formar sua opinião com mais objetividade. A polícia é a vilã em 100% dessas “reportagens”. Há algo de errado.

Voltando ao pancadão no bairro de classe média. Se a PM aparecesse por lá, provavelmente o “diálogo” com “foliões” bêbados seria infrutífero. Os policiais, então, seriam obrigados a empregar força. Aliás, é para isso que serve a polícia. Se o diálogo resolvesse, os próprios moradores poderiam conversar com os “foliões”. Ao empregar força, imagens da “truculência policial” viralizariam imediatamente, levando ao afastamento dos agentes da lei. A PM sabe disso. Talvez por isso, estejam preferindo deixar a população resolver seus problemas com “diálogo”.

A justiça perfeita é injusta

Mais um artigo defendendo o “juiz de garantias”. Fui ler, claro, em busca de luz. Saí, como sempre, de mãos vazias.

Em primeiro lugar, tentei abstrair do fato de o artigo ter sido escrito por um advogado do escritório Mariz Oliveira, um dos preferidos dos endinheirados encrencados com a justiça. O fato de sua opinião estar claramente conflitada com seus interesses não me deveria impedir de analisar o mérito de suas colocações. Fui ler então.

O artigo não traz nada de novo. O único argumento é velho conhecido: o juiz que preside o inquérito já está enviesado pelas provas colhidas e tenderá a fazer um julgamento parcial. Um novo juiz, sem conhecimento prévio do inquérito, tenderia, portanto, a ser mais parcial. Procurei, em vão, o contraponto ao óbvio contra-argumento a esse raciocínio: há justamente uma 2a instância, com não um, mas 3 juízes que desconhecem previamente o inquérito, garantindo, então, a total imparcialidade da justiça. Pra que, então, criar a instância 1,5, entre a 1a e a 2a instâncias, a não ser para atrasar o processo?

Mas não é a falta de argumentos que me irrita nesse tipo de artigo, nem o óbvio conflito de interesses. O que realmente me tira do sério é a premissa universal utilizada para chegar a conclusões particulares. Quem, afinal, seria contra uma justiça imparcial? Ninguém, certo?

Então, e aí está a malandragem, todo mundo deveria ser a favor do juiz de garantias. É como perguntar se alguém seria contra a que todos tivessem uma saúde perfeita e execrasse, então, quem fosse contra a adoção obrigatória de dois médicos em cada posto de saúde do país, sem olhar para a viabilidade do projeto.

Ninguém é contra uma justiça imparcial, assim como ninguém é contra um atendimento de saúde de primeira linha. Mas, assim como não existe saúde perfeita, também não existe justiça perfeita. Existe a justiça possível. Em tese, um 2o médico no posto de saúde aumenta a chance de curar uma doença. Somente em tese. Na prática, pode significar a morte do paciente, que fica na fila de espera para ter a 2a opinião “não enviesada” pois não há médicos suficientes.

O juiz de garantia, somente em tese, garantiria uma justiça mais imparcial. Na prática, a sociedade brasileira vai morrer na fila, esperando pela condenação na instância 1,5, criada para criar a “justiça perfeita”, mas que terá o efeito justo oposto, para satisfação dos escritórios dos criminalistas.

Quem paga a conta

Tenho criticado aqui duramente o corporativismo do funcionalismo público, que se aproveita de sua proximidade com o poder para arrancar privilégios negados ao restante do país. Mas o funcionalismo não é o único grupo que só olha para o seu umbigo. Os empresários que contam com capacidade de mobilização também se defendem.

É óbvio que, em uma reforma tributária, alguns sairão perdendo e outros sairão ganhando. A questão não é essa. A questão é se o status atual é eficiente ou não. Esses grupos de empresários que se unem contra a reforma tributária, na verdade conquistaram o direito de pagar menos impostos do que a média porque sempre tiveram proximidade com o poder. Seus lobbies tiveram muito sucesso, ao longo do tempo, em emplacar suas reivindicações. Agora, a reforma tributaria ameaça todas essas “conquistas”.

Quando vejo um Flavio Rocha defendendo a volta da CPMF para “desonerar a folha de pagamento”, chego à conclusão de que merecemos este país de loucos, com um sistema tributário repleto desses subsídios cruzados, penduricalhos que tornam um inferno a vida de quem empreende. Flávio Rocha, o rei do liberalismo, defendendo esse tipo de arranjo, é porque não há saída mesmo.

É simplesmente uma falácia dizer que a mensalidade da escola vai aumentar em 50% e, portanto, a reforma proposta é ruim. Não que seja mentira, mas é uma meia verdade, o que é pior. Na cesta de consumo de qualquer cidadão, consome-se escola, mas também se consome produtos que ficarão mais baratos. Para quem consome mais serviços, a cesta de consumo realmente ficará mais cara. Para quem consome mais alimentos e produtos industriais, ficará mais barata. Os mais pobres consomem proporcionalmente mais produtos, enquanto os mais ricos consomem proporcionalmente mais serviços. Uma reforma que nivele a cobrança de impostos entre os diversos setores fará justiça social. Ou é melhor os mais pobres pagarem proporcionalmente mais impostos, como ocorre hoje?

Ao contrário da reforma da Previdência, dessa vez certos empresários são contra a reforma tributária. Por que, ao contrário da Previdência, agora quem paga a conta são eles.