Um governo verdadeiramente liberal

Em uma página, ficamos sabendo que a Infraero consumiu R$13 bi em 7 anos, incluindo os 49% de participação nas concessionárias que estão administrando os aeroportos. E daí, pensamos: “esse governo Dilma, incompetente, com ideias jurássicas sobre economia, queimando recursos com estatais que só servem como cabides de emprego, etc etc etc”

Aí, na página seguinte, temos uma matéria sobre a Emgepron, a estatal que foi capitalizada com R$7 bi no apagar das luzes do ano passado. Expressões como “fomento à indústria nacional”, “criação de empregos”, “efeito multiplicador”, estão todos na reportagem, o que me fez olhar de novo para a data do jornal, para conferir se não estava, por engano, lendo uma entrevista do Luciano Coutinho ou do Márcio Pochmann nos tempos do governo Dilma.

O governo Bolsonaro não só não privatizou nenhuma estatal diretamente controlada pela União nesses quase 14 meses de governo, como criou mais uma, a NAV, para substituir a Infraero. Como a Infraero ainda não foi embora, as duas estão convivendo. E consumindo recursos.

Mas está tudo bem, este é o primeiro governo verdadeiramente liberal em 500 anos de história. Eu estou tranquilo.

Prêmio Ignobel

Não sei quem teve essa brilhante ideia, mas certamente é candidatíssimo ao prêmio Ignobel deste ano.

Na mente um tanto confusa de quem teve essa ideia, o funcionalismo público vai trabalhar até morrer para manter o mesmo nível de serviço à população. A realidade será bem outra: o funcionalismo vai trabalhar no mesmo ritmo, e o povo que se dane com a falta de serviço. Estão aí as filas no INSS que não me deixam mentir. Ou seja, essa é uma medida que se voltaria contra o próprio governo. Genial.

Quer dizer, ao invés de comprar a briga e propor uma reforma que resolva o problema, o governo prefere ficar nesse jogo de wishful thinking. O que só demonstra, mais uma vez, quem são os verdadeiros donos do Brasil.

Alianças improváveis

Andrea Matarazzo quer ser prefeito de São Paulo de qualquer jeito.

Andrea Matarazzo foi filiado ao PSDB de 1991 a 2016. Quase um fundador, portanto. Saiu do partido quando Alckmin bancou a candidatura de Doria à prefeitura, contra todos os tucanos da velha guarda, incluindo FHC. Alckmin já pressentia a necessidade de sangue novo no partido, desgastado depois de anos de parceria Caracu com o PT. Pôs a máquina do partido para trabalhar pela candidatura Doria, e Andrea sentiu que o velho PSDB havia morrido em São Paulo. Foi para o PSD de Gilberto Kassab, que, como sabemos, tem altos ideais e alma pura.

Agora, junto com outro grande campeão da ética, Paulo Skaf, pretende ser o candidato bolsonarista em São Paulo. Objetivo dos três (incluindo Bolsonaro): ferrar Doria em sua cidade.

Resta saber se o bolsonarismo-raiz vai tampar o nariz e votar em um ex-tucano de alta plumagem, amigo pessoal de FHC e que está agora no partido de Kassab, só para atrapalhar o projeto presidencial de Doria. Vou dar muita risada ao ler os altos raciocínios estratégicos para justificar esse voto.

Campanha em roupagem de análise

Eliane Catanhêde escreve artigo em que cita “pesquisa caseira” do senador Ciro Nogueira em duas micro cidades do Piauí, que teriam detectado forte crescimento de Luciano Huck.

No final, recomenda que os jornalistas não menosprezem as chances do apresentador, como fizeram com Bolsonaro. Mas, o que pode parecer um “mea culpa”, na verdade não passa de torcida.

A afirmação de que “a massificação de uma inverdade – a de que só Bolsonaro bateria o PT” é em si uma inverdade, além de desnudar a cegueira que ainda acomete a classe.

Se algo ocorreu, foi justamente o inverso: a tentativa de nos convencer de que somente Bolsonaro perderia de Haddad no 2o turno. Essa foi a tática de campanha de Alckmin, além do que diziam todos os analistas (incluindo Catanhêde) e todas as pesquisas. Era óbvio, para quem tinha dois olhos para ver, que o voto anti-PT e anti-sistema era majoritário, mas continuaram insistindo nessa lenda urbana até o dia em que saiu a primeira pesquisa para o 2o turno. Ao atribuir a vitória de Bolsonaro a uma campanha de desinformação, Catanhêde, na verdade, está afirmando que os jornalistas e analistas não erraram, foram apenas vítimas da massificação de uma inverdade. O que faz com que o chamado a “não desprezar Huck” soe mais como campanha do que como análise. Afinal, se os “especialistas” não erraram, qual o objetivo de chamá-los a não errar novamente, a não ser um pretexto para levantar a bola de Huck?

Catanhêde e seus colegas continuam a fazer campanha, não análise.

Ilegais maltratados

Reportagem de capa sobre o perrengue que brasileiros ilegais estão passando nas prisões americanas. São tratados como bichos, segundo a reportagem.

A matéria entrevista uma goiana, que tentou entrar nos EUA para fugir de seu ex-marido, muito violento. A polícia de Goiânia não seria confiável, segundo ela.

A repórter não perguntou porque ela não tentou se mudar para outra cidade do país, ou mesmo para outro país da América do Sul, como Peru ou Bolívia, onde estaria a salvo do ex-marido violento e da polícia de Goiânia. Ficamos sem saber.

Como os lobbies funcionam

Já escrevi aqui sobre a proposta da Aneel de diminuição do subsídio cruzado para a auto-produção de energia solar. O problema surge a partir do momento em que esse tipo de geração de energia cresce bem acima do previsto, e começa a pesar sobre a conta de luz de quem não tem geração solar, inclusive os mais pobres, que não têm dinheiro para instalar células foto-voltaicas.

Óbvio que as empresas de geração de energia solar estão estrilando. Aí, surge no Valor um artigo de um “PhD de Chicago, professor da Universidade da Califórnia”, com “dezenas de artigos sobre políticas públicas”.

Dada a pobreza de argumentos do artigo, muitas vezes descambando para o tom panfletário, fui atrás dos tais artigos. O especialista tem vários papers sim, mas sobre efeitos de políticas educacionais. Nada que sugira algum conhecimento específico sobre o sistema elétrico. Aí me pergunto: o que faz um professor com vida acadêmica toda lá fora, dedicada a uma área específica, gastar o seu precioso tempo a escrever um artigo sobre área completamente estranha ao seu trabalho? Deixo a busca dessa resposta aos jornalistas investigativos que possam estar lendo este post.

Meu ponto é o seguinte: temos tanta reverência pelos títulos, que acabamos não discutindo o mérito das questões. Foi um PhD por Chicago e professor em universidade gringa que falou? Então ele deve estar certo. Pouco importa o extenso e minucioso trabalho que a Aneel fez sobre o problema. Convido a todos que se interessarem pelo tema a darem uma olhada no catatau produzido pela Aneel para subsidiar as discussões (https://www.aneel.gov.br/…/769daa1c-51af-65e8-e4cf…).

O ponto continua sendo o mesmo: o subsídio da energia solar é pago por todos os consumidores, embutido na conta de luz. Sim, isso é uma política pública, e pode se decidir que continuará sendo assim mesmo. Mas depois, que não se venha reclamar do valor da conta de luz.

Patriotismo

Fico emocionado ao saber que os convidados do casamento da deputada Carla Zambelli cantaram o hino nacional à capela. Um patriotismo tocante.

Mas Carla Zambelli é aquela deputada que deu um bypass em um dos vestibulares mais concorridos do Brasil, e cavou uma vaguinha para o seu filho no Colégio Militar de Brasília. Nada como ter as conexões certas.

Atingiremos um outro patamar civilizatório quando ao patriotismo se unir a noção ética de que não se deve furar a fila.

A benção do Papa

O papa é o representante de Cristo na Terra, o chefe da Igreja Católica, o líder dos católicos. Como tal, deve receber todos os que o buscam. Todos.

Isso é em tese. Como qualquer ser humano, o Papa tem uma agenda limitada. Mesmo que quisesse receber a todos, por razões práticas não conseguiria. Portanto, deve haver uma seleção de quem será recebido.

A agenda pessoal do papa é problema dele. Ele recebe quem quiser. E resolveu receber Lula, em uma “agenda privada”. Ou seja, não como representante de um Estado ou da Igreja. Até aí, tudo bem, o papa tem total discricionariedade sobre os visitantes que recebe.

Isso é uma coisa. Outra coisa é posar para fotos diante do fotógrafo oficial de Lula, Ricardo Stuckert, levado a tiracolo para a audiência papal. Lula foi ao Vaticano em mais um capítulo de sua operação “lava-reputação”. E, sem fotos, teria sido o mesmo que não ter ido. E não foram fotos quaisquer. Ricardo Stuckert é um craque.

Sim, o papa tira fotos ao lado de chefes de Estado quando os recebe. Faz parte do protocolo. Trata-se de um registro oficial. Mas o papa não é (ou pelo menos não deveria ser) ingênuo a ponto de desconhecer o objetivo dessa foto. Não se trata de uma foto protocolar. Ao tomar parte de uma pantomima partidária, o papa assume o risco de afastar da Igreja quem não comunga das mesmas ideias.

Novamente: o papa pode e deve receber quem quiser no Vaticano. Mas tirar uma foto que tem uma inegável conotação política e partidária rebaixa o papel do representante de Cristo.

O poder é efêmero

Em março do ano passado, estava eu ciceroneando dois investidores japoneses em Brasília, que vêm anualmente para verificar in loco se o país onde eles investiram seu dinheiro ainda existe.

O foco, na época, era a Reforma da Previdência, e todas as conversas com pessoas do Tesouro, do BC e políticos giravam em torno do tema. Estávamos nós fazendo um tour pela Câmara quando notamos uma aglomeração de jornalistas. Perguntei o que era aquilo, e fui informado de que estavam esperando o fim de uma reunião no gabinete da liderança do governo na Casa, em que finalmente seria indicado o presidente da CCJ que iria iniciar a tramitação da reforma da Previdência. De repente o burburinho aumentou, o que indicava fumaça branca. Saem lá de dentro Joice Hasselmann e Onyx Lorenzzoni para dar a notícia: habemus presidente! Uma esfuziante Joice e um compenetrado Onyx anunciavam com pompa e circunstância o nome de Filipe Franceschini para a tarefa. Notava-se que estavam embevecidos pelo papel de destaque na política nacional, com todos aqueles holofotes sobre suas pessoas.

Lembrei-me dessa cena ao saber que Onyx não faz mais parte do primeiro time do governo. Há menos de um ano, ele e Joice davam as cartas. Menos de um ano depois, são uma sombra do que foram.

O poder, em qualquer esfera, é efêmero.