O martelo e a dança

Este é o segundo artigo de Tomas Pueyo, um empreendedor digital na área de educação, sobre o coronavírus. Não, não é um infectologista nem um especialista em epidemias. É apenas um sujeito que pensa de maneira lógica e embasa seus argumentos em fatos. Difícil não lhe dar razão, considerando suas premissas.

Este artigo, a exemplo do primeiro, é longo. Como o primeiro se mostrou correto, dei atenção a este segundo. Para quem tiver preguiça de ler, vou resumir:

1) Existem basicamente três estratégias para combater a epidemia: não fazer nada, mitigação e supressão.

2) Mitigação significa tentar achatar um pouco a curva com medidas paliativas, mas sem um custo econômico excessivo. Supressão é dar um choque de curto prazo a lá China, de modo a reduzir a taxa de transmissão para algo abaixo de 1 (uma pessoa transmite, em média, para menos de uma pessoa).

3) As primeiras duas estratégias levariam a mortes entre 500 mil e 10 milhões de pessoas nos EUA. Não, você não leu errado: são milhões de pessoas. Ele chega a esse número a partir de uma calculadora de transmissão de doenças, e considerando algumas premissas que me pareceram, a princípio, ok. Você mesmo pode fazer a simulação.

4) A estratégia de supressão, por outro lado, leva a milhares de mortes. Muda a ordem de grandeza em 1000 vezes. E isso é tanto mais eficiente quanto mais cedo se começa. Cada dia é precioso, pois a regra exponencial é cruel.

5. Depois da pior fase (que ele chama de “hammer” – martelo – e calcula que dure semanas, não meses), entra a fase que ele chama de “dance”. Nessa fase, a epidemia pode voltar em alguns lugares, mas os governos ganharam alguns meses para se preparar melhor. Podem lançar mão de medidas mais duras em algumas regiões, mas com mais testes e mais instalações, e estando mais alerta, podem controlar melhor.6. Tudo isso para comprar tempo para desenvolver remédios/vacina, que liberariam de vez a luta contra a epidemia. Se tornaria algo como uma gripe forte sazonal.

Este artigo foi o primeiro que li com uma resposta para o pós-choque. Esta resposta pode estar certa ou pode estar errada, não temos como saber agora. O que sabemos, com certeza, é que não suportaríamos milhões de mortos em poucos meses.

A Inglaterra está neste exato momento mudando de estratégia (de mitigação para supressão) com base em um estudo da Royal Academy of Science (que o autor cita no artigo) que segue basicamente o mesmo modelo. Os números podem parecer um exagero. Mas a aposta parece ser muito alta para chamar as cartas.

Um grande quebra-cabeças

A coisa toda é complexa, e à medida que se vai montando o quebra-cabeças, a paisagem vai se desenhando. Mas trata-se de um quebra-cabeças de 5.000 peças, então a compreensão do todo é lenta. Pelo menos para mim.

Juntei aqui 4 peças desse quebra-cabeças, que estão me ajudando a compreender melhor o panorama.

O primeiro é a reação da China ao problema inicial, na região de Hubei, e seus resultados, que pode ser visto aqui.

O segundo é o que está acontecendo na Itália neste momento.

O terceiro é o que a Coreia fez e o que a Alemanha está fazendo (aqui), junto com um artigo de Fernando Reinach hoje no Estadão, sobre testes.

E o quarto é um artigo de Geraldo Samor, no Brazil Journal, sobre os custos econômicos de uma quarentena sem fim (aqui).

Comecemos pela primeira peça. O que fez a China? Uma quarentena total de uma região inteira (Hubei) com cerca de 60 milhões de habitantes. Total quer dizer total. Tudo parou de funcionar. Pessoas com sintomas foram confinadas em estádios. Saídas de casa foram restringidas de maneira severa. E severa quer dizer severa. Tudo isso a partir do dia 23/01. Ontem, pela primeira vez, não se registrou nenhum caso na região de Hubei. Ou seja, dois meses depois. E só daqui a 14 dias, se não houver mais nenhum caso, a quarentena será liberada. Dois meses e meio no total.

Vamos tentar encaixar a segunda peça nessa primeira. A região norte da Itália vem sofrendo com um número muito grande de casos. No entanto, as medidas restritivas foram tão draconianas como as que que vimos em Hubei. Por que não funcionaram, pelo menos até o momento? Um funcionário da Cruz Vermelha chinesa afirmou (postei mais cedo) que as medidas não foram draconianas o suficiente. Pergunto: será possível, em uma democracia, agir como se estivéssemos em uma ditadura?

Ficamos o tempo todo recebendo vídeos da Itália, mostrando o horror. A mensagem é clara: “eu sou você amanhã”, se você não adotar as medidas draconianas adotadas pela China. Daí vem a pergunta: não há realmente meio termo? Aí entra a terceira peça do quebra-cabeças: a Coreia do Sul e a Alemanha adotaram a tática de testar à exaustão, além de medidas restritivas. A Alemanha está testando 160 mil pessoas/semana, o que pode explicar a enorme, gigantesca discrepância entre o número de casos e o número de mortes: enquanto essa relação é de 9,3 mortes para cada 100 casos na Itália, na Alemanha este número é de apenas 0,4. A diferença pode estar no denominador, não no numerador. O artigo do Fernando Reinach explica todas as vantagens de se fazer testes extensivos. E, parece, o governo acordou, e prometeu 5 milhões de testes até semana que vem. Vamos ver.

Mas isso não substitui a estratégia de “social distancing”. Tanto a Alemanha quanto a Coreia do Sul a adotaram. Hoje, por exemplo, a Alemanha anunciou o fechamento de todo o comércio não essencial. Então, trata-se de um conjunto de estratégias. Isso nos remete à quarta e última peça do quebra-cabeças, o econômico.

O artigo de Geraldo Samor resume a indignação de várias pessoas com o custo de se deter esta epidemia. Ele pergunta-se se não seria o caso de, ao invés de distribuir um caminhão de dinheiro para mitigar os efeitos da recessão, não seria mais inteligente usar uma fração desse dinheiro em ações na área de saúde para mitigar o problema. Ou seja, a estratégia seria investir tudo na mitigação e não adotar medidas que possam resultar em queda do PIB. Parece lógico, mas tem um só problema: qualquer ação demanda tempo, desde a construção de hospitais, passando pela aquisição de equipamentos e testes e incluindo ações de educação da população. Não é só uma questão de dinheiro, mas de gerenciamento. Não é qualquer país que consegue construir um hospital em 10 dias ou que tem capacidade gerencial para fazer 160 mil testes/semana. Nem todo país é igual à China ou à Alemanha, e mesmo estes países adotaram medidas de contenção envolvendo algum tipo de quarentena.

Talvez o máximo que possamos almejar é que estas medidas de contenção não sejam em vão, como tem sido na Itália: ou seja, além da depressão econômica, eles não estão conseguindo controlar a epidemia. Parafraseando Churchill, entre a desonra e a derrota, escolheram as duas.

Resumindo o panorama até o momento: a China mostrou um caminho de difícil implementação no chamado mundo democrático. Coreia e Alemanha vêm adotando uma versão mitigada desse mesmo caminho, mas complementando com testes extensivos, o que parece estar funcionando. Mesmo assim, os dois países vêm adotando medidas recessivas como todos os outros. Até o momento, nenhum país onde a epidemia apresentou transmissão comunitária deixou de adotar medidas restritivas de aglomeração e contato social. Se o Brasil o fizesse, seria o primeiro. Essa questão permanece sem resposta.

Covid-19 vs. H1N1

O deputado Osmar Terra fez um pronunciamento há poucos dias minimizando os efeitos da pandemia de coronavírus. Colocou-se como especialista no assunto, por ter sido secretário de Estado no RS na época da pandemia de H1N1, em 2009.

De fato, não lembro de todo esse frenesi a respeito do H1N1. Daquela época, só o que ficou foi a presença de um dispenser de álcool gel no hall de elevadores no escritório onde trabalho. Mas realmente, puxando pela memória, nada mais me ocorre. Fui pesquisar.

O H1N1 é um tipo de influenza. Daí já começa a diferença, segundo um médico amigo meu. Na época, já existia vacina para outros tipos de influenza, de modo que foi mais fácil desenvolver uma vacina para o H1N1. Tanto foi assim, que, entre o surgimento da epidemia, em abril de 2009, até o desenvolvimento da vacina, em setembro do mesmo ano, passaram-se apenas 5 meses. Seria como termos uma vacina para o coronavírus agora em maio, um sonho de uma noite de verão.

E porque isso? Porque o coronavírus é um bicho completamente diferente. Não é um vírus de influenza. É outra coisa. E essa outra coisa ainda está sendo estudada pelos cientistas. E vai levar bem mais tempo para desenvolver uma vacina.

Outra característica foi o público-alvo da doença. Era uma doença de jovens, o que tornava as complicações decorrentes menos prováveis.

O que o report no qual me baseei deixa claro é que tudo isso são estimativas, pois não há obrigatoriedade de report de influenza. Por isso temos uma contagem tão mais precisa com o Covid-19, por não se tratar de uma variante de influenza.

Então, comparar esta epidemia com a H1N1 não me parece adequado. Sim, continuam morrendo pessoas de H1N1 até hoje. Pessoas que não tomam a vacina, que já existe. Trata-se de uma escolha. Escolha esta que não existe, por enquanto, para o caso da Covid-19.

Quarentena meia-boca

A leitura corrente da crise no mercado financeiro é mais ou menos a seguinte: trata-se de um choque de curto prazo, que vai causar estragos na economia. Mas a coisa é mais ou menos de curto prazo, pois basta estabelecer uma quarentena bem feita que o problema se resolve em semanas. O exemplo da província de Hubei mostra que a quarentena funciona, se for bem aplicada.

Pois é, se for bem aplicada.

Tão recentemente quanto quinta-feira passada, o vice-presidente da Cruz Vermelha chinesa afirmou que a quarentena italiana é “meia-boca”. Para não deixá-lo mentir, no dia seguinte o governador da província da Lombardia emitiu um decreto fechando o comércio, parques e escritórios. Ou seja, somente quase um mês depois da aceleração do número de casos e quase 5 mil mortes, o governador da principal região afetada fechou o comércio e parques, coisa que estamos fazendo agora.

Sim, a quarentena funciona. Desde que ela exista de fato.

Isolamento vertical: a saída fácil para um problema difícil

Muitos estão angustiados com a desaceleração da atividade econômica causada pelas medidas de contenção ao COVID-19. Eu me incluo entre estes. Realmente, é de cortar o coração a situação de muitos donos de pequenos comércios e de trabalhadores informais, que ficaram, do dia para a noite, sem o seu ganha-pão.

Esta angústia leva alguns a tentar “saídas fáceis” para o problema. Uma delas, que tenho ouvido recorrentemente, é a seguinte: como o vírus é muito mais letal para os idosos, poderíamos liberar a atividade econômica dos mais jovens, que assim sustentariam a economia, enquanto os mais velhos ficariam resguardados. Dentro de algum tempo, com todos os jovens já praticamente contaminados e imunes, a epidemia teria o seu fim, liberando os mais idosos para retomarem a sua atividade.

Como toda solução simples para um problema complexo, não funciona. Vamos tentar entender.

Em primeiro lugar e principal lugar, trata-se de um problema sistêmico. A sociedade é um sistema único. A “solução” supõe a divisão da sociedade em dois sistemas, não comunicáveis. Mas isso é simplesmente impossível. Imagine idosos sem nenhum contato com o “mundo exterior”. Como se alimentariam? E quando ficassem doentes, fariam o que? Todas essas coisas são providenciadas pelo “outro sistema”, o dos jovens. Mas esse outro sistema estará totalmente contaminado. Então, não seria possível fazer esse contato.

Claro, poderá se dizer que esta seria uma situação provisória. Uma vez a epidemia completando o seu ciclo, os sistemas voltariam a se unir. Neste meio tempo, o “sistema dos idosos” sobreviveria de estoques suficientes para as suas necessidades. E, quem ficasse doente nesse meio tempo e precisasse sair para o “mundo contaminado”, azar.

Ok, teoricamente poderia funcionar. Mas só teoricamente. Na prática, onde ficariam esses idosos? Em um lugar comum? Lembrem-se de que não podem ter contato nenhum com o outro sistema. Imagine isso em uma favela. Pois é.

Outro problema, menos importante mas que também deve ser considerado, é a “linha de corte” para a divisão dos sistemas. Sabemos que os idosos morrem mais do que os jovens dessa doença. Aliás, de qualquer doença, diga-se de passagem. Mas deveríamos fazer uma linha de corte quando essa probabilidade aumentasse muito.

Um relatório feito pelo ministério da saúde da China em fevereiro, com base em 72.314 casos confirmados, mediu a mortalidade por faixa de idade. O resultado foi o seguinte:

  • 80+ anos 14.8%
  • 70-79 anos 8.0%
  • 60-69 anos 3.6%
  • 50-59 anos 1.3%
  • 40-49 anos 0.4%
  • 30-39 anos 0.2%
  • 20-29 anos 0.2%
  • 10-19 anos 0.2%
  • 0-9 anos zero

Onde você faria o corte? Parece óbvio acima de 60 anos de idade, correto? Pois bem. 1,3% das pessoas entre 50-59 anos de idade (faixa em que me encontro, diga-se de passagem) morrem da tal doença quando a pegam. Parece pouco né? Imagine uma companhia aérea que fizesse a seguinte propaganda: “Voe conosco! Apenas um em cada 100 de nossos voos não chegam ao seu destino!” Não acho que tenha muito sucesso, não é mesmo? 1,3% no olho dos outros é refresco.

Enfim, essas soluções “milagrosas” só servem para esconder a escolha de Sofia que temos pela frente: evitar a morte física de algumas pessoas ou a morte econômica de muitas pessoas?

Estatísticas da Covid-19

Números atualizados até ontem.

EUA e Alemanha continuam a acelerar seus casos, e os números de novos casos na Europa atingem patamares muito maiores do que na China.

No Brasil, o número de novos casos está maior em seu início quando comparado com Europa e EUA.

Estatísticas da Covid-19

Gráficos atualizados até ontem, 19/03. Itália em particular e Europa como um todo ainda sem estabilização no número de novos casos, enquanto EUA continua crescendo em ritmo muito mais forte que a Europa no mesmo estágio.

O Brasil entrou no radar há 3 dias, quando ultrapassou a média de 50 novos casos/dia em 3 dias. Acrescentei um 3o gráfico mostrando o início das trajetórias de China, Europa e EUA, para comparar com Brasil. O Brasil apresenta mais casos que Europa e EUA na mesma época, mas 3 pontos ainda é muito pouco para tirar conclusões. Vamos continuar acompanhando.

Meu sobrenome é bananinha

Mourão disse tudo.

Claro que sua frase não pode ser retirada do contexto. Ele estava tentando dizer que Eduardo Bolsonaro tem o direito de dizer o que bem entender por ser deputado, e seu posicionamento não tem nada a ver com o posicionamento do governo brasileiro.

Mas não é bem assim.

O 03, para o bem e para mal, carrega o sobrenome do presidente da República. E não é um filho qualquer de uma família qualquer. É público e notório que temos uma filhocracia vigente no Brasil, onde o pai governa junto com seus filhos. E, no caso de Eduardo, a coisa é anda por: ficamos meses discutindo a ideia de Jair de colocá-lo na embaixada mais importante disponível. Imagine o embaixador do Brasil em Washington tuitando um troço desses.

O próprio Eduardo tentou amenizar a coisa, dizendo que não teve intenção de ofender o povo chinês. Ocorre que, na China, o Partido Comunista Chinês é o único representante do povo, é a encarnação do povo. Um ataque ao PCC é considerado um ataque ao povo chinês. Sei que parece estranho, mas não devia ser assim tão difícil de entender. Afinal, qualquer ataque ao governo Bolsonaro é visto pelo presidente, pela sua família e pelos bolsonaristas em geral como um ataque ao Brasil e ao povo brasileiro. O mesmo acontece por lá.

Não, o 03 não se chama Eduardo Bananinha. Seu sobrenome e sua posição têm um peso, assim como tem um peso todos os atos do presidente da República (já falamos sobre isso aqui ontem). Eles não têm espaço para serem inconsequentes. Podem até sê-lo mas, como diria o Conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

Eduardo precisa decidir se quer ser um Bolsonaro ou um Bananinha.

PS.: Não vou entrar aqui no mérito de se o que o 03 escreveu tem razão ou não. Até acho que tem, o PCC deve ter escondido a coisa até o último momento. Mas não é disso que se trata. O que ganhamos enfiando o dedo na fuça de nosso principal parceiro comercial? Qual o objetivo? Lacrar não é exatamente uma forma sábia de conduzir relações exteriores.

Efeito eleitoral

Aos que, de olho em 2022, estão fazendo as contas dos efeitos da brutal recessão que vamos enfrentar sobre a popularidade do presidente, um pouco de história.

Em 2008 ocorreu a maior crise financeira de todos os tempos, o que jogou o mundo em uma recessão global em 2009. Muitos viram na crise a morte do governo Lula.

Pois bem. A recuperação do PIB foi tão brutal como a recessão: o país cresceu 7,5% em 2010, número suficiente para eleger um poste.

A história pode não se repetir exatamente assim, pois estamos um ano para trás em relação ao ciclo eleitoral. Mas eu seria cauteloso ao avaliar o efeito dessa crise nas eleições de 2022.