Ideia de jerico

Está rolando a brilhante ideia de fechar as bolsas durante estes tempos de turbulência. Seria uma espécie de grande circuit-breaker de vários dias ou semanas.

Há duas dificuldades técnicas nessa “ideia”.

A primeira é a própria falta de mercado. Imagine você, que quer ou precisa sair da bolsa por algum motivo. Estará impedido. Não há mercado. Você estará preso. Aliás, a bolsa só está caindo porque muita gente tomou a decisão de sair da bolsa. Com o fechamento, esta decisão estaria como que interditada. Seria o sequestro do seu dinheiro. Com que confiança os agentes investiriam novamente na bolsa, sabendo que, arbitrariamente, seu dinheiro ficaria preso?

O segundo problema é a decisão do dia da volta. Estabelecer um dia pré-definido implica correr o risco de pegar o mercado em dia ainda pior, causando quedas muito mais significativas do que as que vemos hoje. Afinal, saques estarão represados. Não definir o dia, deixando esta decisão à discrição da própria bolsa, significaria reabrir a bolsa quando “tudo estivesse bem”. Qual seria esse indicativo? Na sexta-feira, por exemplo, as bolsas subiram mais de 10%. Tudo estava bem? Vimos que não. A definição do “fim da crise” só quem é capaz de dar são os próprios preços da bolsa. Só que, com a bolsa fechada, isso fica impossível. Desse modo, só seria possível reabrir a bolsa quando todos os agentes se dessem as mãos e prometessem não vender. Vai vendo.

A bolsa é o termômetro do mercado financeiro. Fechar a bolsa é equivalente a quebrar o termômetro, um jogo de faz-de-conta.

D. Iraci em home office

A querida D Iraci, que nos auxilia em casa há mais de 15 anos, faz hoje 69 anos de idade. Ela pega ônibus e metrô para vir até aqui em casa.

A partir de hoje, ela estará trabalhando em home office. Levaremos ingredientes até a casa dela, e lá ela fará seus pratos deliciosos. Será um trabalho adicional para nós, mas D Iraci faz parte do grupo de risco, e andar em transporte público não é o mais indicado.

Tenho consciência de que esta não é uma solução possível para todos. Mas todos que puderem fazer alguma coisa, já ajuda. D Iraci será, se Deus quiser, menos uma a sobrecarregar o sistema público de saúde.

Os casos de Covid-19 no mundo

Estes são dois gráficos que estou atualizando diariamente. Eles medem a média móvel de 3 dias do número de novos casos. Por que a média de 3 dias? Porque os casos diários às vezes apresentam variações abruptas. Quando você faz a média dos últimos 3 dias, um dia acaba compensando o outro. Assim, o último ponto, atualizado até o dia 14/03 (ontem), representa a média de novos casos nos dias 12/03, 13/03 e 14/03. Atualizo sempre até o dia anterior (no caso, dia 14/03), quando temos os dados completos de cada país.

Além disso, cada gráfico mostra o número de novos casos a partir do momento em que essa média móvel ultrapassou 50 novos casos por dia. Então, para cada país, o primeiro ponto é quando esse limite é ultrapassado. Por isso, no primeiro gráfico, Coreia, Itália e Irã apresentam mais pontos, pois a epidemia lá começou a se agravar antes. Não coloquei a China nesse primeiro gráfico.

O que podemos observar?

O primeiro gráfico mostra todos os principais países para os quais temos dados, excetuando a China. Podemos observar a curva de novos casos da Coreia, que reduziu-se bastante, a curva explosiva da Itália e a curva que começou a cair no Irã mas voltou a subir.

Mas o que eu queria chamar a atenção neste primeiro gráfico são as curvas de Espanha, França e Alemanha. Estes países ultrapassaram a barreira de 50 casos/dia 10/11 dias atrás (contra 21 dias da Itália). Pois bem. Quando a Itália estava no seu 11o dia após ter ultrapassado este limite, seu número de novos casos/dia estava em 500. Hoje, Alemanha está com quase 900, França com mais de 700 e a Espanha com incríveis quase 1.400 casos/dia, quase o triplo da Itália na mesma época, há 10 dias. O problema da Europa está se agravando, e teremos medidas draconianas nesses outros países também.

Vamos ao segundo gráfico, para ver melhor o que está acontecendo com os EUA. Neste gráfico, mostro a evolução dos casos na China, na Europa (soma de Alemanha, Itália, Espanha, França, Suíça e Reino Unido) e nos EUA. O gráfico da China é meio estranho, pois houve uma reavaliação do número de casos no 22o dia após o limite de 50 casos/dia, o que faz com que haja uma descontinuidade. “Consertei” esta descontinuidade fazendo uma interpolação (linha tracejada amarela). Pois bem. A Europa (a soma daqueles 6 países) já tem mais casos/dia do que a China no mesmo período (linha ajustada).E os EUA? Os EUA ultrapassaram 50 casos/dia há 9 dias. A sua linha de progressão casa quase exatamente com a linha de progressão da Europa. Será diferente daqui para frente? Não sabemos.

E o Brasil nessa história toda? Bem, o Brasil ainda não ultrapassou o limite de 50 casos/dia. Quando acontecer, vamos começar a acompanhar, e ver se estamos melhores ou piores do que estes outros países.

Muita pretensão

1) Não, o mercado não entrou em pânico por causa da notícia da contaminação do presidente.

2) Aliás, fosse verdade, digo nada se esse tal de mercado não tivesse uma reação surpreendente.

O seguro de Schrodinger

As medidas de contenção do coronavírus estão exageradas? Pela própria natureza da coisa, nunca saberemos ao certo.

Se as medidas de contenção derem certo, ou seja, não enfrentarmos um crescimento vertiginoso do número de casos da doença a ponto de pressionar o sistema de saúde nacional (como está ocorrendo na Itália), não saberemos se foi por causa das medidas ou se seria assim mesmo, mesmo sem as medidas.

O inverso não é verdadeiro: se não forem adotadas medidas de contenção, saberemos com certeza se essas medidas eram necessárias ou não, a depender do resultado desta não-ação.

Tenho lido por aí que esta decisão funciona como um seguro. Em termos. No caso do seguro, se adquirido, sabemos com certeza, ao final do período segurado, se jogamos dinheiro fora ou não. Aconteceu o sinistro, o seguro valeu a pena. Não aconteceu, “perdemos” dinheiro.

Já no caso das medidas de contenção, se o sinistro não ocorrer, nunca saberemos com certeza se foram essas medidas as responsáveis pelo “não-sinistro”. Por um motivo simples: o próprio “seguro” interfere no resultado final. Trata-se de uma espécie de “seguro de Schrödinger”.

Tenho ouvido algumas pessoas defenderem que está tudo muito exagerado, porque, afinal, trata-se de uma gripe e, como tal, seria muito mais virulenta no inverno, como está acontecendo no hemisfério norte. Aqui, no país tropical abençoado por Deus, o coronavírus não teria a mínima chance.

Pode ser, faz até sentido. Se adotarmos medidas de contenção, discutiremos até o fim dos tempos se esta hipótese era verdadeira ou não. Por outro lado, se não adotarmos medidas de contenção, descobriremos, na prática, se a hipótese era verdadeira. Seria o Brasil servindo como um imenso laboratório científico. Vale o risco?

Dissonância

Segundo o título da matéria do Estadão, o governo estaria estudando mexer no teto de gastos, “em caráter excepcional”.

Aí, pra não variar, você vai ler a matéria e é o justo oposto. Há estudos de todas as naturezas, MENOS sobre o teto de gastos.

Para mim, continua sendo um mistério os motivos que levam um jornalista ou o próprio editor a dar um título que não corresponde ao que vai na reportagem, o que é facilmente verificável por quem a lê. É falta de atenção, analfabetismo funcional ou desonestidade intelectual mesmo?

O repórter ainda afirma que economistas “de diferentes espectros ideológicos” passaram a defender uma flexibilização do teto de gastos. Em primeiro lugar, não li um único economista mainstream que defendesse isso. Pelo contrário. A reportagem entrevista a indefectível Monica de Bolle, eleita pelos heterodoxos como “a economista liberal com bom senso”, supostamente representando a ala liberal que defende flexibilizar o teto.

Mas o que a repórter revela nesta frase é mais do que isso. Para ela, a questão não passa de “ideologia”, não tem nada a ver com expectativas dos agentes e restrições financeiras. Para quem viu a reação do mercado de títulos públicos ontem após a derrubada do veto à ampliação do BPC, ficou claro que a coisa é muito mais do que “ranço ideológico”. Mas a ideologia da jornalista explica a dissonância entre título e matéria.