O site Info Gripe, mantido pela Fiocruz, apresenta estatísticas bastante completas de hospitalizações por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Isso inclui todas as doenças respiratórias, incluindo a Covid-19, mesmo que não notificada. Coloquei aqui 3 gráficos retirados do site, dos anos de 2009, 2016 e 2020.
Em primeiro lugar, observe como, em cada gráfico, há um “monte” no meio, com camadas verde, amarela e laranja. Esse “monte” representa os casos sazonais de gripe, com o pico no meio do ano. As cores representam a severidade crescente do surto. Este nível de severidade é a média dos anos “normais”: 2010, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2017. Em 2009 e 2016 tivemos picos anormais, enquanto em 2011, 2018 e 2019 tivemos números bem abaixo da média.
Cada número no eixo x representa uma semana epidemiológica. Por isso, o gráfico vai até o número 52.Comecemos pelo gráfico de 2009. Este é o surto de H1N1. Observe que ele começa a acelerar na 28a semana epidemiológica, fazendo o seu pico 3 semanas depois. O pico da gripe sazonal é na 27a semana epidemiológica. ou um mês antes. Portanto, a H1N1 não respeitou a sazonalidade.
Em 2016, novo surto de H1N1, desta vez começando a acelerar na 9a semana e atingindo o pico 4 semanas depois. Bem distante, portanto, do “pico sazonal”. Observe também a escala: enquanto em 2009 o pico foi em 5,75 hospitalizações para cada 100 mil habitantes, em 2016 o pico foi 1,5. Portanto, em 2016 foi um “mini-surto”, comparado com 2009.Vamos para 2020. Em primeiro lugar, observe que a linha é vermelha, ladeada por duas linhas pontilhadas pretas. Isso acontece porque se trata de uma estimativa estatística, que depois se confirmará com os dados reais. Nos gráficos dos outros anos, já se trata de dados reais. Observe que a aceleração começou na 11a semana (08/03 a 15/03). Os dados vão até a 14a semana (27/03 a 04/04). Portanto, temos uma defasagem de uma semana nos dados, pois a 15a semana terminou ontem.
E o que podemos observar nos dados de 2020? Algumas coisas:
1) Se tivéssemos a mesma tendência de 2009, teríamos atingido o pico na 14a semana (27/03 a 04/04), com 5,75 hospitalizações/cem mil habitantes. No entanto, na 13a semana estávamos com uma estimativa de hospitalizações entre 2,75 e 6,25, com valor esperado de 4,25. Ou seja, houve claramente um achatamento da curva de hospitalizações. Tivemos 1,5 hospitalizações a menos do que a crise de H1N1 de 2009, na mesma época. Cabe ressaltar, no entanto, que esta estimativa é ainda bastante preliminar.
2) O surto não tem nada a ver com sazonalidade. Observe como a gripe sazonal provoca um número muito pequeno de hospitalizações se comparado com os surtos de 2009 e agora o de 2020. São 0,75 para cada cem mil habitantes no nível laranja, que é de atenção. Portanto, não cabe o receio de segurar o surto agora para deixá-lo crescer depois, coincidindo com a gripe sazonal. Os números da epidemia são tão maiores do que os da gripe sazonal, que este tipo de cálculo perde o sentido.
3) Se não houvesse “achatamento”, onde estaríamos agora? Se a regra fosse a mesma da H1N1, provavelmente estaríamos hoje (14a semana) em 7,5 hospitalizações/milhão de habitantes, ultrapassando o pico da H1N1. Mas o problema não é esse. O problema é onde iríamos parar. O pico da H1N1 ocorreu três semanas depois de iniciada a aceleração, pois se tratava de uma variante da influenza, que começou a ser tratada com tamiflu, remédio já conhecido. No caso do coronavírus, estamos tateando ainda, pois não é um tipo de influenza. Provavelmente, o pico não teria chegado ainda, não fossem as medidas de contingenciamento.
Em um post anterior, eu havia afirmado que acompanhar o número de hospitalizações poderia dar uma noção melhor do andamento da epidemia. Estas informações podem ajudar a entender o problema, ainda que sejam estimativas defasadas.